O STF entre 2015 e 2016

AutorFelipe Recondo, Conrado Hübner Mendes
Páginas29-61

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O conflito eleitoral-partidário

As três últimas sessões plenárias de 2015 no Supremo Tribunal Federal (STF) encerraram um ano especialmente marcado por decisões que interferiram direta e indiretamente nos rumos da política brasileira. A deinição dos parâmetros constitucionais, legais e regimentais do processo de impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff, foi o ponto inal de um ano em que a Operação Lava Jato e a "Lista do Janot" pautaram a política brasileira.

Um ano em que o Supremo declarou inconstitucionais as doações empresariais para as campanhas eleitorais e, com isso, mexeu indelevelmente nas eleições municipais de 2016. Um ano em que o tribunal determinou, pela primeira vez sob a égide da Constituição de 1988, a prisão em lagrante de um senador da República, o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS). Um 2015 em que a Corte extinguiu a prática já arraigada na cultura parlamentar de incluir contrabandos legislativos nos textos das medidas provisórias.

Os fatos foram tantos e os escândalos na política tão devastadores que muitos ironizaram: 2015 parecia o ano que nunca terminaria. Para o Supremo, a piada talvez se aplique. A Corte dará início a 2016 resolvendo uma pendência abandonada no pendurar das togas em 2015: o afastamento do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do cargo de presidente da Câmara e do mandato parlamentar.

Será, como muitas das decisões de 2015, um fato inédito e grave para a política brasileira. Um julgamento que em parte também dei-

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nirá o caminho da política ao longo do ano, independentemente do resultado a que chegarem os ministros do STF.

O impeachment

STF como árbitro

Em 2015, o Supremo funcionou como árbitro da crise política. Em três decisões, no intervalo de aproximadamente dois meses, o Supremo minou o plano arquitetado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em parceria com partidos de oposição para delagrar e concluir o processo de impeachment da presidente Dilma.

O primeiro revés ocorreu no dia 13 de outubro. Três liminares concedidas pela ministra Rosa Weber e pelo ministro Teori Zavascki, no mesmo dia, desmantelaram o planejamento dos adversários da presidente da República. Eduardo Cunha projetava rejeitar sozinho o pedido de abertura de processo de impeachment por crime de responsabilidade, protocolado pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal. Em seguida, a oposição recorreria da decisão, exigindo uma manifestação do plenário da Câmara. Se tivesse votos suicientes, a denúncia seguiria o trâmite normal.

Rosa Weber e Teori Zavascki suspenderam, nas três decisões, os efeitos do rito que Eduardo Cunha havia deinido para a tramitação dos pedidos de impeachment contra a presidente ao responder uma questão de ordem feita por parlamentares.

As liminares foram deferidas nos Mandados de Segurança 33.837 e 33.838, impetrados respectivamente pelos deputados Wadih Damous (PT-RJ) e Rubens Pereira Junior (PCdoB-MA). Os parlamentares questionaram no Supremo a forma como foi disciplinada a matéria pelo presidente da Câmara - numa resposta à questão de ordem, sem direito a recurso ao Plenário da Câmara.

"Ora, em processo de tamanha magnitude institucional, que põe a juízo o mais elevado cargo do Estado e do Governo da Nação, é pres-

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suposto elementar a observância do devido processo legal, formado e desenvolvido à base de um procedimento cuja validade esteja fora de qualquer dúvida de ordem jurídica", airmou Zavascki em sua decisão.

A estratégia de Cunha já chamava a atenção dos ministros e mere-cia reparos da Corte. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato e dos inquéritos abertos contra Cunha, airmou que os atos do presidente da Câmara na matéria "deixam transparecer acentuados questionamentos sobre o inusitado modo de formação do referido procedimento, o que, por si só, justiica um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal a respeito".

A ministra Rosa Weber também deferiu liminar na Reclamação 22.124, ajuizada pelos deputados federais Paulo Teixeira (PT-SP) e Paulo Pimenta (PT-RS) contra o ato do presidente da Câmara do Deputados na mesma questão de ordem. Os parlamentes sustentaram que Eduardo Cunha criou um procedimento de tramitação de processo de impeachment não previsto na Lei 1.079/1950 nem no regimento da Casa, o que coniguraria ofensa à Súmula Vinculante (SV) 46 do STF. O verbete dispõe que "a deinição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União".

A conirmação das liminares e o julgamento do mérito dependeriam do plenário do STF. Eduardo Cunha, ciente de que o trâmite do processo demoraria, despistou o Supremo - recuou na questão de ordem, fazendo com que os mandados de segurança e a reclamação perdessem o objeto. Assim, poderia seguir com a denúncia contra a presidente Dilma Rousseff.

No dia 2 de dezembro, depois de muitas negociações, o presidente da Câmara aceitou dar início ao impeachment. A delagração do processo coincide com a decisão do PT de não apoiar Eduardo Cunha no Conselho de Ética. O presidente da Câmara responde à acusação de quebra de decoro parlamentar por ter mentido à CPI da Petrobras ao dizer que não mantinha contas bancárias no exterior - airmação contestada pelo Ministério Público.

"Hoje eu recebi com indignação a decisão do senhor presidente da Câmara dos Deputados de processar pedido de impeachment contra

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mandato democraticamente conferido a mim pelo povo brasileiro", disse Dilma, em pronunciamento no Palácio do Planalto. "São inconsistentes e improcedentes as razões que fundamentam esse pedido. Não existe nenhum ato ilícito praticado por mim, não paira contra mim nenhuma suspeita de desvio de dinheiro público", acrescentou.

Uma semana depois, o presidente da Câmara impingiu uma nova derrota para o governo. Numa sessão tumultuada e com votação secreta, a chapa alternativa de oposição venceria a disputa pela comissão especial encarregada de processar o impeachment.

Deputados do PT e do PCdoB tentariam, por meio de mandados de segurança, conter o processo. Sem sucesso. A primeira decisão foi do ministro Celso de Mello. A segunda partiu do ministro Gilmar Mendes. Uma terceira ação, mais ampla, foi movida pelo PCdoB e distribuída para o gabinete do ministro Edson Fachin.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 378 ajuizada pela legenda questionou, em 74 páginas, a recepção da lei que regulou o processo de impeachment - 1.079/50 - pela Constituição Federal. E alguns atos concretos, como a eleição secreta dos integrantes da comissão especial e a possibilidade de candidaturas avulsas. Cinco dias depois do protocolo da ação, o ministro Fachin concedia uma liminar que congelaria o processo político.

"Com o objetivo de (i) evitar a prática de atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo Tribunal Federal, (ii) obstar aumento de instabilidade jurídica com profusão de medidas judiciais posteriores e pontuais, e (iii) apresentar respostas céleres aos questionamentos suscitados, impende promover, de imediato, debate e deliberação pelo Tribunal Pleno, determinando, nesse curto interregno, a suspensão da formação e a não instalação da Comissão Especial, bem como a suspensão dos eventuais prazos, inclusive aqueles, em tese, em curso, preservando-se, ao menos até a decisão do Supremo Tribunal Federal prevista para 16/12/2015, todos os atos até este momento praticados", justiicou o ministro na liminar que concedeu.

Na última semana do ano, o Supremo reservou as três sessões que lhe restavam para julgar se referendava a liminar concedida pelo mi-

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nistro Edson Fachin ou se a cassava. Advogados do PT e do PCdoB esperavam dele um voto favorável aos principais pontos.

Fachin foi indicado por Dilma Rousseff para a vaga de ministro do STF, pediu voto para ela nas eleições de 2010 e manteve relações com iguras da esquerda nas campanhas que empreendeu para chegar ao Supremo. Integrantes ou emissários do governo que estiveram com ele às vésperas do julgamento tinham certeza de seu voto favorável. Mas Fachin os surpreendeu.

Em mais de duas horas de leitura, uma resposta negativa a todos os pedidos feitos na ação. O primeiro dia de julgamento terminou assim: com apenas um voto proferido e a falsa impressão de que o jogo estava inalizado e que a presidente Dilma sofreria uma derrota fragorosa no STF.

Ao im daquele dia, depois da sessão plenária, os ministros se encontraram com os ex-integrantes da Corte para o tradicional jantar de confraternização de inal de ano. Acertaram, informalmente, a maneira como o julgamento seria retomado no dia seguinte. A questão era complexa e, com pouco tempo até o dia 18, era preciso otimizar a sessão. Em algum desses momentos, o ministro Barroso revelou ao presidente, Ricardo Lewandowski, que faria o contraponto ao voto de Fachin.

Na quinta-feira, 17, Barroso proferiu seu voto. Abriu a divergência nos pontos principais e foi seguido pela maioria do plenário:

· anulou a eleição dos integrantes da comissão especial do impeachment na Câmara;

· determinou que a nova eleição seja feita com voto aberto;

· deiniu que os candidatos a integrar a comissão especial sejam indicados pelos líderes partidários;

· decidiu que a Câmara autoriza a abertura do processo de impeachment por dois terços dos votos;

· estabeleceu que o Senado, independentemente da decisão da Câmara, não é obrigado a instaurar o processo de impeachment;

· julgou que a instauração do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff se dê pelo voto da maioria simples dos senadores; ? e concluiu que a presidente da República só seja afastada do cargo temporariamente (180 dias) caso o Senado instaure o processo de impeachment, depois de devidamente autorizado pela Câmara.

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A decisão do Supremo, na liminar e já no mérito, retardou o impeachment. Alguns consideram que, mais do que atrasar, o julgamento do Supremo sentenciou o imp...

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