Ação de sonegados

AutorCamargo Simon, Analisa - Bischoff Portella, Elisa
Páginas47-82

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3. AÇÃO DE SONEGADOS

3.1 Cabimento

Iniciado o inventário, deverá o inventariante, nas primeiras declarações, apresentar a relação completa dos bens que compõem a herança a ser partilhada entre os herdeiros. Compete a ele restituir os bens do espólio que estiverem em seu poder, ou indicar os terceiros que eventualmente os detiverem. Deverá, também, trazer a colação dotes e doações. Na hipótese de omitir bem que deveria integrar o espólio, incorrerá em sonegação1.

Topicamente, podemos determinar que o inventariante comete sonegação nas seguintes situações:

a) quando deixa de descrever bens que estejam em seu poder;
b) quando sabe da existência de bens em poder de terceiro e não os arrola no inventário;
c) quando nega a existência de bens que lhe foram indicados pelos interessados;

1. GASPAR, Walter. Resumo de Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 1996, p.203.

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d) quando, após o julgamento da partilha, não restitui bens da herança;
e) quando, sendo herdeiro, declara não possuir bens que deveriam ser colacionados.

O momento processual específico para argüir de sonegação o inventariante é após o encerramento da fase destinada ao arrolamento dos bens integrantes do espólio.

Porém, convém distinguir a seguinte situação: na hipótese de não existir prova de que os bens doados pelo de cujus a cada um dos seus filhos tenham excedido o valor da metade disponível correspondente à legítima, então, será necessário proceder-se à sua colação tão-somente para fins de se apurar o valor a ser deduzido do montante hereditário e, desse modo, verificar-se se dito valor corresponde efetivamente à legítima ou se ainda existe excesso a ser partilhado.

Numa situação como essa, em que o valor dos bens doados não poderia ser aferido prontamente pelo inventariante no momento processual destinado às suas últimas declarações, não há motivo para impor-lhe a sanção correspondente, uma vez que tal responsabilidade não lhe compete.

Feitas essas distinções, tem-se que ação de sonegados é a via judicial estabelecida pelo sistema processual brasileiro hábil a restabelecer a ordem no inventário, pois o resultado útil desse processo diz com o reconhecimento da obrigação do inventariante de declarar e arrolar todos os bens que pertenciam ao de cujus, evitando, assim, qualquer forma de fraude ou ocultação dolosa de bens em prejuízo do espólio2.

2. BEVILÁQUA, Clóvis apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.285. v.6.

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Trata-se de uma demanda que se torna cabível desde o instante em que ficar deflagrado que o inventariante e/ou herdeiro sonegaram bens ao espólio.

Dita ação poderá assumir tanto o rito sumaríssimo quanto o rito ordinário. É que, segundo o Código de Processo Civil, o rito procedimental se estabelece de acordo com o valor atribuído a causa (arts. 274 e 275 do CPC) 3.

Acrescente-se, ainda, que a ação de sonegação possui natureza constitutiva, eficácia declaratória e imediata executividade. Cumpre dizer também que não é possível cumularem-se as demandas de sonegação com a de anulação de partilha porque as matérias discutidas numa e noutra lide são muito distintas e de alto teor de litigiosidade. Tal possibilidade tumultuaria o trâmite regular do processo.

Outra característica importante é que a ação de sonegados tem caráter personalíssimo. Assim, se durante a sua tramitação sobrevier o falecimento do sonegador, não se imporá a pena de sonegados aos seus herdeiros por conta da regra constitucional do art. 5º, inciso XLV da CF/884. Entretanto, não obstante isso, comprovado o cometimento de sonegação pelo inventariante falecido, seus próprios bens responderão pelos danos causados por ele, de modo que o patrimônio lesado durante sua inventariança seja restituído ao status quo ante.

3. Art. 274 do CPC - O procedimento ordinário reger-se-á segundo as disposições dos Livros I e II deste Código; e art. 275 do CPC - Observar-se-á o procedimento sumário: inciso I - nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo;...
4. Inciso XLV, art. 5º da CF/88 - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

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3.1.1 Legitimidade Ativa do Fisco

Inicialmente, há de se frisar que o tema é controverso. De acordo com uma primeira corrente doutrinária, não existe legitimação do Fisco para ajuizamento da ação de sonegação na hipótese de os herdeiros ou inventariante ocultarem bens do espólio com exclusivo o propósito de evitar/reduzir o pagamento de tributos5.

No entendimento de Cândido Neves6, quando a sonegação tiver apenas efeitos fiscais, ou seja, quando ela visar tão-apenas excluir determinados bens do montante sucessório para reduzir/evitar a obrigação tributária correlata à herança – não há de se atribuir legitimidade ativa ao Fisco para o ajuizamento da ação de sonegados. Em casos como esse, defende, não há na vontade propulsora da conduta qualquer intenção de prejudicar os herdeiros. Assim, descabido cogitar-se da ação de sonegados.

Cândido Neves defende que diante da inexistência do dolo de prejudicar o espólio, resulta sim autorizada a demissão do inventariante do seu munus, ou na aplicação da pena de sonegados - mas isso, por si só, não legitima o Fisco a assumir a titularidade ativa de uma ação de sonegação de bens.

Ainda, de acordo com Neves, o espírito das fraudes (fiscal e hereditária) é o mesmo, apesar de as vítimas se distinguirem.

Portanto, quando a fraude for perpetrada em detrimento dos interesses fiscais, sem prejudicar os herdeiros, o

5. Revista dos Tribunais, n.157, p.305.
6. NEVES, Cândido apud OLIVEIRA FILHO, Cândido de. op. cit. p.20.

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ordenamento processual jurídico brasileiro já municia o Fisco com a legitimação processual para propor a ação fiscal de cobrança e execução. Mas os litígios envolvendo fraude de natureza hereditária, no curso do processo de inventário, esses, com efeito, serão tutelados pela disciplina dos sonegados. Não há porque misturarem-se as instâncias.

Os doutrinadores Arnoldo Wald7e Sílvio de Salvo Venosa8 dividem a mesma posição jurídica que Cândido Neves.

A doutrina de Wald e Venosa manifesta-se pela carência de legitimidade ativa do Fisco para propor a ação de sonegados, mesmo que reconheçam seu interesse no deslinde dessa demanda. Em síntese, afirmam esses autores que a omissão de bens para fugir à imposição tributária não legitima o Fisco a perseguir processualmente a aplicação da pena de sonegados, devendo a Fazenda cobrar o tributo desviado pelas processuais que lhe são peculiares.

Em sentido contrário contamos com a posição de Washington de Barros Monteiro9, que atribui à Fazenda Pública – por conta de seus direitos fiscais correlatos aos bens sonegados – a legitimação jurídica ativa para propositura da ação de sonegados. Nessa via, o Fisco poderá tanto reclamar a inclusão de bens omitidos quanto a cominação da pena de sonegados.

Esse autor entende inadmissível restringir a legitimação ativa do Fisco na hipótese de existir conluio entre inventariante

7. WALD, Arnoldo apud VENOSA, Silvio de Salvo. op cit. p.229.
8. VENOSA, Sílvio de Salvo. op. cit. p.228.
9. MONTEIRO, Washington de Barros. op. cit. p.301.

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e herdeiros para não descrever bens, visando reduzir o montante do imposto mortis causa10. Corrobora esse entendimento a doutrina de Carlos Alberto Bittar11, Christino Almeida do Valle12e Pontes de Miranda13.

3.2 Legitimidade Passiva

Os artigos 1.992 e 1.993 do Código Civil Brasileiro de 2002 referem-se ao herdeiro e ao inventariante. De fato, o inventariante é o principal responsável pela descrição dos bens, por isso não se questiona sua legitimação passiva para a ação de sonegados. A posição do herdeiro responsável por deixar de escoar bens do inventário, bem assim do herdeiro que praticar as ações descritas no art. 1.993 do CCB/02 também poderão configurar sonegação.

A realidade é que o próprio o conceito de sonegação é um tanto amplo, o que dificulta a restrição da legitimidade passiva às figuras do inventariante e do herdeiro. Daí porque outros sujeitos que vierem a fraudar ou desviar bens/direitos do espólio também poderão assumir a legitimação passiva na ação de sonegação.

A exemplo do que estamos dizendo temos hipóteses em que o cessionário, o testamenteiro e o administrador provisório praticam atos de sonegação: (a) o cessionário que

10. Revista dos Tribunais, n.134;171 e 156;683.
11. BITTAR, Carlos Alberto. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p.148.
12. VALE, Christiano Almeida. op. cit. p.100.
13. MIRANDA, Pontes. op. cit. p.279.

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nega ter recebido bens da herança; (b) o testamenteiro quando sonega bens cuja posse lhe tenha sido confiada; e (c) o administrador provisório nessas mesmas situações.

Em suma, todo aquele que detiver bens hereditários sob ocultação do espólio com o propósito de prejudicar herdeiros estará sujeito à ação de sonegados.

3.2.1 Legitimidade Passiva do Cônjuge-Meeiro

Divergem as correntes doutrinárias sobre a viabilidade de responsabilização do cônjuge-meeiro por sonegação, tendo em vista que esse sujeito de direito foi designado por Lei como inventariante natural do espólio.

Segundo Marco Aurélio Viana14, “a dicção do artigo
1.78115, não distinguindo entre inventariante-herdeiro e inventariante não-herdeiro, não permite outra interpretação” – senão a de que é possível imputar-se a pena de sonegados ao cônjuge meeiro...

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