Sociedade, tecnologia e trabalho

AutorJouberto de Quadros Pessoa Cavalcante
Páginas11-39

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O conceito de tecnologia

Do ponto de vista etimológico, o termo “tecnologia” tem origem no grego tekhnología, com sentido de tratado ou dissertação sobre uma arte, exposição de regras de uma arte, formado a partir do radical grego tekhno (arte, artesanato indústria e ciência) e o radical logía (de logos = linguagem, proposição).

Na língua portuguesa, o vocábulo “tecnologia” significa: “1. Teoria geral e/ou estado sistemático sobre técnicas, processos, métodos, meios e instrumentos de um ou mais ofícios ou domínios da atividade humana (p. ex. indústria, ciência etc.) (o estado da t. é fundamental na informática). 2. p. met. técnica ou conjunto de técnicas de um domínio particular (a. t. nutricional). 3. p. ext. qualquer técnica moderna e complexa”.3

O termo também pode ser visto como: “Conjunto de conhecimentos, especialmente princípios científicos, que se aplicam a um determinado ramo de atividade”.4

Em italiano, o termo “tecnologia” tem significado mais objetivo: “1. Estudo da técnica e aplicação. 2. Estudo dos processos e equipamentos necessários para a transformação de matéria-prima para um produto industrial”.5

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No francês, o vocábulo “technologie” expressa: “Estudo de técnicas, ferramentas, máquinas etc.”.6

Para o filósofo Álvaro Vieira Pinto, em sua obra O conceito da tecnologia, valendo-se do método marxista materialista dialético, mesclando elementos de economia, política, cultura, sociologia e hermenêutica filosófica, a tecnologia é vista como a “ciência da técnica”7, a qual surge do processo evolutivo da humanidade, como exigência social de produção da época8, ou seja, “os homens nada criam, nada inventam nem fabricam que não seja expressão das suas necessidades, tendo de resolver as contradições com a realidade”.9

Assim, deve ser denominada tecnologia a ciência que abrange e explora a técnica, a qual, por sua vez, “configura um dado da realidade objetiva, um produto da percepção humana que retorna ao mundo em forma de ação, materializado em instrumentos e máquinas, e entregue à transmissão cultural [...]”. A tecnologia resulta em “um conjunto de formulações teóricas, recheadas de complexo e rico conteúdo epistemológico”.10

Como fruto do avanço do conhecimento, o “maquinismo” é um produto da existência do homem11 (é na verdade a evolução do homem enquanto ser que os constrói).12

Jayr Figueiredo de Oliveira e Antonio Vico Mañas13 definem tecnologia como “um conjunto de conhecimento e informações organizados, provenientes de fontes diversas como descobertas científicas e invenções, obtidos por diferentes métodos e utilizados na produção de bens e serviços”. Na sociedade capitalista, acrescentam: “[...] tecnologia caracteriza-se por ser um tipo específico de conhecimento com propriedades que o tornam apto a, uma vez aplicado ao capital, imprimir determinado ritmo à sua valorização”.14

Sobre a dependência das máquinas que nos cercam, complementa Álvaro Vieira Pinto: “[...] não no sentido trivial da frase mas no sentido autêntico, existencial, são o resultado de um longo processo de acumulação de conhecimentos a respeito das propriedades dos corpos, dos materiais e dos fenômenos da natureza”.15

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Álvaro Vieira ainda apresenta quatro acepções do termo “tecnologia”: a) a teoria, a ciência, o estudo, a discussão da técnica; b) como sinônimo da técnica (know-how); c) o conjunto de todas as técnicas de que dispõe uma determinada sociedade em um momento histórico; d) a “ideologização da técnica”, que é o significado de maior importância para o autor, por se relacionar à utilização da tecnologia como instrumento do Poder dos grupos dominantes.16

A “automação”, como fruto da tecnologia, pode ser compreendida como a aplicação extrema da eletrônica.17 Alan da Silva Esteves esclarece os diversos significados da “auto-mação” na sociedade:

  1. sociológico, “são reflexões sobre o uso do poder econômico ou da ordem econômica, ou, mais propriamente, as responsabilidades sociais da livre-iniciativa e do papel do Estado Social, tendo como pano de fundo o desenvolvimento da própria liberdade, [...]18;

  2. axiológico, “considera que ordem econômica deve proteger em termos de valores nas suas posturas de remodelagem da produção e que o Estado pode fazer em termos de imposição para que isso aconteça”;

  3. normativo, “é o fato que o direito valorou como relevante para estabelecer um padrão de conduta que as pessoas e ele vinculadas devem seguir nas relações intersubjetivas, especialmente o Estado”.

A tecnologia no processo de evolução da sociedade

Ao se debruçar sobre a evolução da espécie humana, Fábio Konder Comparato19 afirma que, aos poucos, no mundo científico, vai se consolidando a convicção de que não é por mero acaso que “o ser humano represente o ápice de toda a cadeia evolutiva das espécies vivas”, pois a dinâmica da “evolução vital se organiza em função do homem”. Além disso, Fábio Konder Comparato demonstra estar convencido de que esse processo de evolução obedece a uma “orientação finalística”, sem a qual a evolução seria racionalmente incompreensível.20

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O curso do processo tecnológico, segundo Álvaro Vieira Pinto,21 “[...] tem indiscutível base social: é determinado pela necessidade que a sociedade tem dos serviços a serem prestados pelos instrumentos passíveis de construir”.

Certo é que, nesse processo de evolução da sociedade, centenas de inovações tecnológicas transformaram e ainda mudam a sociedade atual,22 em diversos setores da vida cotidiana, como o ambiente familiar, sistemas de comunicação, tratamentos médicos, transportes, processo de aprendizagem, as relações de trabalho etc.23 Entre essas diversas inovações, podem-se destacar: computador (1946); transistor (1947); internet (1962); betamax (como sistema de reprodução de imagens, 1975); robótica (1948); telefonia móvel — celular (1956); bitcoin (moeda virtual, 2009); livro digital (2012) etc.

Na visão do sociólogo Domenico de Masi,24 nos anos 1970, a eletrônica e a informática passaram a integrar a nossa vida cotidiana, e as transformações ocorridas a partir do século XVIII tiveram seu ritmo ditado pela ciência e tecnologia.25

Em virtude disso, Richard Heeks26 afirma existir um fetiche das tecnologias de informação. Por seu turno, Michel J. Menou27 prefere colocar a questão como uma “fascinação” pela tecnologia e pela novidade. É inegável que a tecnologia possui um efeito “encantador” sobre as pessoas, tanto pelo caráter da inovação, como um efeito facilitador da vida moderna, quanto como um instrumento de “poder”.

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Os teóricos econômicos institucionalistas, entre eles, Clarence Ayres,28 consideram a tecnologia um importante elemento do desenvolvimento econômico e social de um país.

Na visão de Manuel Castells29, na era da informação, o que caracteriza a revolução é a aplicação do conhecimento e da informação para geração de novos conhecimentos em um ciclo de realimentação.

Contudo, a evolução tecnológica e seus efeitos não podem ser analisados sem uma relação direta com as etapas de desenvolvimento da história do homem e com os interesses das classes dominantes em cada uma dessas fases.

Depois de repudiar a expressão “era tecnológica”, Álvaro Vieira Pinto30 assevera que a tecnologia existente em cada época da história reflete as exigências sociais do indivíduo em geral e, em caráter particular, por aqueles que se encontram em uma posição especial (pelo gênio pessoal, cultura, encargos econômicos ou atribuições políticas).

Certo é que a tecnologia não antecipa sua época (ou a ultrapassa), simplesmente porque exprime e satisfaz as necessidades daquela sociedade em cada momento.31 O desenvolvimento do processo tecnológico está vinculado a um processo social (necessidade da sociedade da época)32, ou seja, “São as condições vigentes na sociedade, as relações entre os produtores, que ditarão as possibilidades de positivo ou negativo aproveitamento dos instrumentos e das técnicas”.33

Nesse sentido, também enfatizam Jayr Figueiredo de Oliveira e Antonio Vico Mañas:34

[...] a tecnologia deve ser pensada no contexto das relações sociais e dentro do seu desenvolvimento histórico”.

Nas últimas décadas, há um processo tão intenso de transformação que Domenico de Masi35 chega a dizer que estamos presenciando uma “nova etapa do capitalismo”, pois: “Temos a sensação de que se trata de uma mudança de época. Porém, não é apenas um fator da História que muda, mas é todo o paradigma — com base no qual os homens vivem — que se altera. Isto acontece quando três inovações diferentes coincidem: novas tecnologias, novas divisões do trabalho e novas divisões de poder. Se somente um desses fatores se alterasse, viveríamos uma inovação, mas se todos eles mudam simultaneamente,

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acontece um salto de época. [...] Então, nos damos conta de que ocorre uma verdadeira mudança de civilização”.

Como acentua Harry Braverman36, é possível estudar a tecnologia de acordo com qualquer critério que se deseje, como pela força motriz, complexidade, utilização de princípios físicos etc. Todavia, Harry Braverman indica dois caminhos: a) do ponto de vista da engenharia, o qual “enxerga a tecnologia em suas ligações internas e tende a definir a máquina em relação a si mesma, como um fato técnico”; b) um enfoque social, “que vê a tecnologia em suas conexões com a humanidade e define a máquina em relação com o trabalho humano, e com um artefato social”.

Ao relacionar a evolução da humanidade com o avanço tecnológico e de “seus frutos” (v. g., acúmulo de conhecimento, maquinismo, automação, robotização, programas de computadores, internet)...

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