Sociedade que tem por objeto a prestação de serviços de natureza intelectual é de natureza simples, qualquer que seja a forma de sua organização

AutorErasmo Valladão A. e N. França
Páginas241-258

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A Consulta e os quesitos

A ilustre causídica Luciana Nini Manente, do prestigioso escritório Loeser e Portela Advogados, na condição de procuradora da Sociedade X, (doravante simplesmente Consulente), honra-nos com a Consulta abaixo, formulando, ao final, onze quesitos:

"Prezado Professor:

"Dando prosseguimento à conversa mantida no dia 7 de fevereiro p.p., vimos pela presente formalizar a apresentação do caso que enseja a necessidade do Parecer.

"A Consulente, Sociedade X, é uma sociedade de profissionais liberais de natureza simples, que tem por objeto social a prestação de serviços de auditoria e contabilidade (profissão intelectual),1 e, portanto, é formada exclusivamente por sócios contadores habilitados ao exercício da profissão, conforme se depreende de seu contrato social (cópia anexa).

"Em virtude da sua condição de sociedade de contadores, a Consulente sempre apurou e recolheu ao Município de São Paulo o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN calculado com base no número de sócios e profissionais habilitados que prestam serviço em seu nome, mas que assumem responsabilidade pessoal, conforme previsto no art. 9o, § 3o, do Decreto-lei n. 406/1968, item 25 da lista anexa, e na própria Lei Municipal de São Paulo n. 13.701/2003, art. 15, itens 17.15 e 17.18 da lista anexa, cuja redação segue abaixo transcrita, in verbis:

“‘Decreto-lei n. 406/1968: (...). Art. 9o. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. § 1o. Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho. (...). § 3o. Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem pres-

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tados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1o, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável. (...). Item 25: Contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres.'

"'Lei Municipal n. 13.701/2003: (...). Art. 15. Adotar-se-á regime especial de recolhimento do Imposto: (...); II - quando os serviços descritos nos subitens 4.01, 4.02, 4.06, 4.08, 4.11, 4.12, 4.13, 4.14, 4.16, 5.01, 7.01 (exceto paisagismo), 17.13, 17.15, 17.18 da lista do caput do art. 1o, bem como aqueles próprios de economistas, forem prestados por sociedade constituída na forma do § 1° deste artigo, estabelecendo-se como receita bruta mensal o valor de R$ 800,00 (oitocentos Reais) multiplicado pelo número de profissionais habilitados. § 1°. As sociedades de que trata o inciso II do caput deste artigo são aquelas cujos profissionais (sócios, empregados ou não) são habilitados ao exercício da mesma atividade e prestam serviços de forma pessoal, em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da legislação específica. § 2o. Excluem-se do disposto no inciso II do caput deste artigo as sociedades que: I - tenham como sócio pessoa jurídica; II - sejam sócias de outra sociedade; III - desenvolvam atividade diversa daquela a que estejam habilitados profissionalmente os sócios; IV - tenham sócio que delas participe tão somente para aportar capital ou administrar; V - explorem mais de uma atividade de prestação de serviços.'

"Apesar de a Consulente preencher todos os requisitos legais acima transcritos e sem que houvesse qualquer alteração na legislação de regência, o Município de São Paulo desenquadrou a Consulente do regime de recolhimento especial para exigir-lhe o recolhimento do ISSQN calculado com base no preço do serviço, ou seja, pela regra geral, conforme se depreende da decisão administrativa publicada no Diário Oficial do Município em 17 de dezembro de 2009.

"O Município de São Paulo fundamenta o desenquadramento da Consulente do regime especial de tributação do ISS em razão do seu suposto 'caráter empresarial', que na visão da Municipalidade Paulista decorre de sua estrutura organizacional (hierarquização do trabalho, plano de carreira para seus funcionários, grande número de funcionários contratados e existência de filiais em outros Municípios), o que retiraria, no seu entender, a pessoalidade na prestação dos serviços. A Consulente, a propósito, ressalta que não há na legislação federal ou municipal qualquer menção quanto ao caráter empresarial ser impeditivo da forma diferenciada de recolhimento do ISSQN!

"A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que têm direito ao benefício fiscal previsto no art. 9o, § 3o, do Decreto-lei n. 406/1968 as 'sociedades civis uniprofissionais, que têm por objeto a prestação de serviço especializado, com responsabilidade pessoal e sem caráter empresarial' (AgRg no Ag 458.005-PR - destacamos).

"Embora o Superior Tribunal de Justiça não tenha definido especificamente o significado de 'caráter empresarial', ao julgar recursos interpostos pela Consulente decorrentes da discussão do ISSQN devido em outros Municípios onde possui filiais, manteve-se o entendimento dos Tribunais de Justiça de origem segundo o qual a sociedade desenvolveria sua atividade com caráter ou finalidade empresarial porque possui (i) complexa estrutura organizacional, (ii) alto faturamento anual, (iii) previsão contratual de pró-labore e distribuição de lucros aos sócios, (iv) muitos empregados, (v) filiais em outros Municípios, (vi) conotação de lucro na atividade e (vii) massificação do produto de sua atividade, razão pela qual se aproximaria mais das sociedades de capital que das sociedades de pessoas (EResp n. 866.286-ES, Rel. Minis-

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tro Hamilton Carvalhido, DJe 20.10.2010, AgRg no Ag n. 1.112.732-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe 8.9.2009 e REsp n. 1.189.561-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe 30.8.2010).

"Ainda, o Superior Tribunal de Justiça manifestou o entendimento segundo o qual as sociedades por quotas de responsabilidade limitada assumem feição empresarial:

“‘Tributário. Agravo regimental no recurso especial. Ação declaratória cumulada com repetição de indébito. ISS. Sociedade profissional. Matéria decidida nas instâncias ordinárias. Reexame de prova. Desnecessidade. Afastamento da incidência da Súmula 7/STJ. Sociedade limitada. Caráter empresarial. Tratamento tributário privilegiado (art. 9o, §§ 1o e 3o, do DL 406/1968). Impossibilidade. Precedentes.

“‘Acórdão recorrido em dissonância com a jurisprudência do STJ.

“‘1. Trata-se de agravo regimental interposto pela Organização Contábil Globo S/C Ltda. contra decisão que deu provimento ao recurso especial do Município para afastar o privilégio do recolhimento do ISS com base em alíquotas fixas, previsto nos §§ 1o e 3o do art. 9o do Decreto--lei 406/1968, julgando prejudicado o apelo nobre da contribuinte.

“‘2. Afasta-se, de pronto, os argumentos trazidos no presente recurso de que o relator 'não poderia este reverter a decisão de origem com base na reapreciação de provas' (fl. 590), pois, os fatos tal como postos no acórdão recorrido, não há falar em reexame dos elementos probatórios dos autos. Assim, não prospera a tese de incidência do Enunciado 7/STJ.

“‘3. A decisão foi proferida com base na jurisprudência mansa e pacífica no sentido de que o benefício da alíquota fixa do ISS somente é devido às sociedades unipessoais integradas por profissionais que atuam com responsabilidade pessoal, não alcançando as sociedades empresariais, como as sociedades por quotas cuja res-ponsabilidade é limitada ao capital social.

“‘4. O Tribunal de origem, ao analisar a demanda, consignou de forma expressa, que 'a contribuinte é uma sociedade civil por quotas de responsabilidade limitada' (fl. 330).

"' 5. A orientação das Turmas que integram a Primeira Seção desta Corte firmou--se no sentido de que, 'nos termos do art. 9o, § 3o, do DL 406/1968, têm direito ao tratamento privilegiado do ISS as sociedades civis uniprofissionais, que tem por ob-jeto a prestação de serviço especializado, com responsabilidade social e sem caráter empresarial' (AgRg no Ag 458.005-PR, 1 Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 4.8.2003).

“‘6. Agravo regimental não provido" (AgRg no REsp n. 1.178.984-SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 5.11.2010 - destacamos).

Neste contexto, solicitamos-lhe Parecer para o esclarecimento dos seguintes quesitos (os quesitos seguem ao final do Parecer).

O Parecer
  1. O entendimento segundo o qual a Consulente, pelas razões expostas na Consulta, se caracterizaria como uma sociedade empresária, nos parece, com a devida vênia, totalmente equivocado.

    Mais ainda. Esse entendimento subverte abertamente o sistema do Código Civil, com consequências que não foram devidamente sopesadas nos julgamentos supramencionados, como será demonstrado.

  2. Antes de mais nada, convém salientar que, salvo as sociedades por ações e as sociedades cooperativas - que se classificam pela forma -, todas as demais sociedades se classificam em simples ou empresárias pelo seu objeto, nos expressos termos do art. 982 e seu parágrafo único do Código Civil:

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    "Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa."

    Não há, portanto, dúvida ou ambiguidade possível: o que define uma sociedade como empresária ou simples é o objeto social, salvo as exceções expressas.2

    Vale dizer também: não há possibilidade de exceções implícitas! E não as há porque, como se demonstrará ao longo deste Parecer, as graves...

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