Sociedade global e fragmentação constitucional: os novos desafios para o constitucionalismo moderno
Autor | Douglas Elmauer |
Cargo | Doutorando em Direito pela Universität Bremen, Alemanha |
Páginas | 11-43 |
Direito.UnB, maio – agosto de 2016, v. 02, n.02
SOCIEDADE GLOBAL E FRAGMENTAÇÃO
CONSTITUCIONAL: OS NOVOS DESAFIOS
PARA O CONSTITUCIONALISMO MODERNO
// GLOBAL SOCIETY AND CONSTITUTIONAL
FRAGMENTATION: THE NEW CHALLENGES TO
THE MODERN CONSTITUTIONALISM
Douglas Elmauer
Direito.UnB, maio – agosto de 2016, v. 02, n.02
RESUMO // ABSTRACT
Trata-se aqui de uma interpretação crítica acerca do debate que gira em
torno da crise do constitucionalismo moderno e dos novos dilemas que
se colocam diante da teoria constitucional numa sociedade globaliza-
da e em progressiva fragmentação. Faz-se uma leitura da obra Verfas-
sungsfragmente (2012) de Gunther Teubner. O presente artigo buscará
dar uma visão geral acerca do tema, abordando (i) os aspectos históricos
da origem da constituição moderna e da síntese funcional entre siste-
ma jurídico e sistema político, (ii) a transição das constituições políti-
cas para as constituições civis, (iii) as tendências de hipertrofia sistêmi-
ca e as constituições como mecanismos de reação à expansividade, com
especial destaque ao constitucionalismo societal, (iv) as novas condi-
ções constitucionais da sociedade global, (v) os direitos fundamentais
transnacionais e as colisões interconstitucionais, finalizando com uma
(vi) conclusão crítica acerca da possibilidade real da implementação das
constituições civis, com a consideração dos riscos que uma fragmenta-
ção constitucional pode trazer para a manutenção da autonomia funcio-
nal das esferas sociais. // This article deals with a critical interpretation
fthe debate that revolves around the crisis of modern constitution-
alism and new dilemmas that arise concerning the constitutional theory
in a globalized society and in progressive fragmentation. This is a read-
ing of the work Verfassungsfragmente (2012) by Gunther Teubner. The
article will try to give an overview of the subject, including (i) the histor-
ical aspects of the origin of the modern constitution and the function-
al synthesis between legal system and political system, (ii) the transi-
tion of political constitutions for civil constitutions, (iii) a general trends
to systemic hypertrophy and the constitutions as mechanisms of reac-
tion to the expansiveness, with special emphasis on societal constitu-
tionalism, (iv) the new constitutional conditions of global society, (v) the
fundamental rights and transnational inter-constitutionals collisions,
and ending with a (vi) critical about the real possibility of implementing
the civil constitutions, with consideration of the risks that can bring a
constitutional fragmentation for maintaining the functional autonomy
of the social spheres.
PALAVRAS-CHAVE // KEYWORDS
Fragmentação constitucional, globalização, teoria constitucional, consti-
tucionalismo societal. // Constitutional fragments, globalization, consti-
tutional theory, societal constitutionalism.
SOBRE O AUTOR // ABOUT THE AUTHOR
Doutorando em Direito pela Universität Bremen - Alemanha (2016).
Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo/USP
(2015). // PhD Candidate at the University of Bremen, Germany (2016);
Master from the University of São Paulo Law School (2015).
>>
>>
>>
Sociedade global e fragmentação constitucional: [...], Douglas Elmauer, pgs. 11 – 44
Direito.UnB, maio – agosto de 2016, v. 02, n.02
1. INTRODUÇÃO
“Ubi societas ibi constitutio”
(Gunther Teubner)
Períodos de crise e transição não são uma novidade no decorrer da evolu-
ção da sociedade. Nesse contexto, a ideia de “constituição moderna” vem
à tona apenas nos revolucionários séculos XVII e XVIII. A “constitui-
ção” (Verfassung), tanto no plano semântico quanto no plano estrutural
da sociedade, é um produto da “modernidade” (Neuzeit).¹ Trata-se aqui,
segundo Luhmann, de uma “aquisição evolutiva” (evolutionäre Errun-
genschaft) que emerge da pressão exercida por constantes processos de
complexificação e diferenciação social, inerentes à sociedade moderna.²
“As Constituições no sentido moderno do termo nascem apenas no sécu-
lo XVIII”,³ emergindo como forma de acoplamento estrutural (strukturel-
le Kopplung) entre sistema político e sistema jurídico.⁴
De acordo com a excelente reconstrução histórica feita por Hermann
Heller, “o Instrument of Government (1653) de Cromwell é o primeiro exem-
plo de um documento constitucional moderno (…)”.⁵ É na Inglaterra que se
inicia a sedimentação dos direitos individuais e do chamado Bill of Rights,
a partir dos quais florecem os movimentos de constitucionalização dos
direitos. Esse processo atinge seu ponto nevrálgico na Declaration of Inde-
pendence dos EUA (1776) e na Revolução Francesa (1789), se estendendo
por um período que o historiador Eric Hobsbawm denominou de “Era
das Revoluções” (1789-1848), mais especificamente das chamadas “revolu-
ções liberais” que atingiram seu apogeu em 1848, as quais marcaram a
crise dos anciens régimes.⁶ Segundo Brunkhorst, as revoluções libertam os
potenciais normativos da evolução, que quase sempre terminam com um
“acordo constitucional”.⁷
De modo não muito distinto ao do período que marca o estabeleci-
mento da sociedade moderna, bem como da diferenciação funcional dos
sistemas jurídico e político, vivemos na atualidade uma fase de radical
transformação do constitucionalismo. Há uma dupla crise constitucio-
nal em curso, que marca a sociedade global. Primeiramente, a emergência
de formas constitucionais para além dos Estados nacionais, e em segundo
lugar, um decorrente enfraquecimento do constitucionalismo nacional.⁸
Para Grimm, o atual momento constitucional representa a erosão do
modelo constitucional tal como o conhecemos desde sua origem no século
XVIII.⁹ “Em 1971, enquanto teorizava sobre o conceito de ‘sociedade mundial’
[Weltgesellschaft], Luhmann permitiu-se elaborar a hipótese especulativa
de que o direito global iria experimentar uma radical fragmentação, não
no âmbito territorial, mas conforme distinções setoriais da sociedade”.¹⁰
Em seus escritos que precendem ao giro teórico autopoiético, Luhmann
admite, que no plano estrutural da sociedade mundial, os sistemas prima-
riamente orientados cognitivamente, como economia, ciência e técnica,
ganhariam certa centralidade no processo de mundialização, enquanto os
sistemas orientados normativamente, como a política e o direito, encon-
trariam dificuldades e limitações para alçar um nível global.¹¹
Sociedade global e fragmentação constitucional: [...], Douglas Elmauer, pgs. 11 – 44
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO