Sociedade anônima - fraude à lei - alteração dos estatutos com o intuito de evitar que os acionistas preferencialistas adquiram o direito de voto às vésperas de completar o terceiro exercício social sem o pagamento de dividendos - abuso de poder de controle

AutorErasmo Valladão A. e N. França e Edmur A. Nunes Pereira Neto
Páginas259-275

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Consulta

O ilustre advogado Dr. Márcio Tadeu Guimarães Nunes, do prestigioso escritório Veirano e Advogados Associados, solicita o nosso Parecer sobre questão que vai reproduzida na Consulta abaixo:

Introdução
  1. A Consulente éacionista minoritária da "SOCIEDADE X", titularizando 21,56% das ações votantes e 50,40% das ações preferenciais de emissão da Companhia.1 A Consulente figura em Acordo de Acion islãs (acordo de defesa) celebrado com a "Companhia Y" c os Fundos "A" e "B". A "SOCIEDADE X" é uma Companhia aberta, com registro junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cujos aciotiistas majoritários são, respectivamente, a "Companhia Y", exercendo tal poder de maneira conjunta e ordenada.

  2. A administração da Companhia vem anunciando que a "SOCIEDADE X" busca sua inserção em altos padrões de Governança Corporativa, mais especificamente no "Nível 2 das Regras de Novo Mercado" inseridas na cartilha publicada pela BO-VESPA. Registre-se, ainda, que a Companhia possui cm seu quadro acionário, titu-larizando 15,07% (quinze vírgula sete por cento) das ações preferenciais, representando no universo do capital social da "SOCIEDADE X" 9,30% (nove vírgula trinta por cento), a Fundação Z.

  3. Logo, em caráter preliminar, pode-se constatar a relevância da estrutura acima descrita, porquanto lide, dircta c indi-retamente, com a poupança de recursos públicos e pelo fato de que a Companhia vem sinalizando para o mercado com a retórica acerca da adoção dos procedimentos antes citados, o que, mesmo que como

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discurso, agrega valor à "SOCIEDADE X" e aos papéis de sua emissão. Os seus procedimentos internos, no entanto, são tão rudimentares quanto os de qualquer empresa familiar não adaptada à presente realidade de mercado.

Dos fatos
  1. Conforme anteriormente mencionado, sem prejuízo de toda a documentação encaminhada para V. Sas. até a presente data, cumpre destacar o que se segue.

  2. No dia___de novembro de 2003. foi publicada, na imprensa especializada, a convocação aos acionistas da "SOCIEDADE X" para se reunirem em Assembleia Geral Extraordinária, a se realizar no dia___ de dezembro de 2003, às 10:00 horas, a fim de deliberarem sobre a inclusão de novos dispositivos no Estatuto Social daquela Companhia.

  3. Os termos propostos para a reda-ção dos citados dispositivos foram assim apresentados aos acionistas na Reunião do Conselho de Administração da "SOCIEDADE X", realizada em___de outubro pp. (cf. atae documentos de explanação já encaminhados a V. Sas.), sendo parcialmente reproduzidos no edital de convocação da citada assembleia. Senão vejamos os termos do edital de convocação, verbis: (a) deliberar sobre a redução do capital social da Companhia no montante total de R$ 74 MM, passando de R$ 354 MM para RS 279 MM, em face da proposta aprovada pela administração e do balanço especial da Companhia com data base de ___.9.2003, sem modificação do número de ações de emissão da Companhia, para fins de absorção dos prejuízos existentes, conforme apurado no referido balanço especial;

    (b) deliberar sobre a alteração do Capítulo II — Capital Social, do Estatuto Social, especificamente quanto ao art. 4-, caput, que trata do capital social, para re-fietiro novo valor do capital social da Companhia após a redução a ser deliberada na forma do item anterior;

    (c) deliberar sobre a alteração do Estatuto Social da Companhia, em face da proposta aprovada pela administração, para criação do Capítulo XII Disposições Transitórias, com a inclusão do art. 31 e seu parágrafo único, para que seja conferido às ações preferenciais, independentemente da classe, o direito de recebimento de dividendos cumulativos nos exercícios sociais de 2003 e 2004, bem como pata que seja prevista estatutariamente a possibilidade de pagamento de tais dividendos cumulativos, no exercício em que o lucro for insuficiente, à conta de reservas de capital;

    (d) deliberar sobre a alteração do Capítulo III — Ações e Acionistas, do Estatuto Social, especificamente quanto ao seu art. 5°, § 1e, III, e § 29, II, que tratam dos dividendos, respectivamente, das ações preferenciais Classe "A" e Classe "B", de sorte a adaptá-los ao disposto no item (c) supra.

  4. Pela redação das propostas —e que serão objeto da futura AGE — são os seguintes os textos dos dispositivos estatutários da Companhia, aqui objeto da presente Consulta, verbis:

    Art. 4- O capital social é de RS 279 MM (...), dividido em R$ 107 MM (...), atribuídos a (...) ações ordinárias, em R$ 172 MM (...), atribuídos a (...) ações preferenciais classe "A", e em RS 530 mil (..,), atribuídos a (...) ações preferenciais classe "B", todas sem valor nominal,

    Art, 5-. As ações ordinárias serão nominativas.

    § 1°. As ações preferenciais Classe "A", que serão nominativas, possuem as seguintes características:

    (...);

    III — prioridade na distribuição de dividendos mínimos, não cumulativos, salvo o disposto no Capítulo XII — Dis-

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    posições Transitórias — do presente estatuto saciai, de 10% (dez por cento) ao ano sobre o capital próprio atribuído a essa espécie de ações, dividendo a ser entre elas rateado igualmente; e

    2- Para atender ao disposto no Decreto-lei 1.497, de 20 de dezembro de 1976, serão emitidas ações preferenciais Classe "B", sem valor nominal, e com as seguintes características:

    (...)

    [...] — prioridade na distribuição de dividendos fixos, não cumulativos, salvo o disposto no Capítulo XII — Disposições Transitórias — do presente estatuto social, de 6% (seis por cento) ao ano sobre o capital próprio atribuído a essa espécie de ações, dividendos a ser entre cias rateado igualmente, respeitada a preferência da Classe "A";

    Art. 31. As ações preferenciais Classe "A " e Classe "B " terão direito ao recebimento de dividendos cumulativos nos exercícios sociais de 2003 e 2004, voltando a gozar de dividendos não cumulativos a partir de 1.1.2005, independentemente de reforma estatutária. Nesse período, o direito de voto, previsto no § 5" do art. 5° do presente estatuto social, apli-car-se-á até que sejam pagos os dividendos cumulativos em atraso.

    Parágrafo único. As açôes preferenciais Classe "A " e Classe "B ", enquanto fizerem jus a dividendos cumulativos na forma prevista no "caput" deste artigo, terão direito de recebê-los, no exercício em que o lucro for insuficiente, à conta da reserva de capital da Companhia (destacamos).

    S. Em suma, as propostas acima destacadas se resumem a:

    (i) alterar a natureza do dividendo conferido às ações preferenciais Ciasse "A" (que é mínimo, não cumulativo, de 10% — dez por cento — sobre o capital próprio atribuído a essa espécie de ações);

    (ii) alterar a natureza do dividendo conferido às ações preferenciais Classe "B" (que é fixo de 6% — seis por cento — sobre o capital próprio atribuído a essa espécie de ações, respeitada a preferência da Classe "A");

    (iii) transformar, provisoriamente, ou seja, por prazo certo, a natureza de tais dividendos, dando-lhes, nos exercícios de 2003/2004, o status de cumulativos, com reversão automática, em 2005 (sem a necessidade de deliberação assemblear a esse respeito), para a qualidade que hoje possuem, vale dizer, a de dividendos não cumulativos;

    (iv) utilizara reserva de capital para o pagamento dos dividendos, já nesse exercício, para as tais classes de ações preferenciais, na forma do art. 17, § 6- c/c art. 200, V, da LSA; e

    (v) como providência lógica e antecedente do item supra, absorver os prejuízos acumulados até a AGE (nos termos do art. 189, parágrafo único da LSA), com a consequente redução do capital social da Companhia,

Dos quesitos
  1. Diante de todo o exposto, cumpre indagar a V. Sas. o que se segue:

  1. considerando os documentos enviados a V. Sas., notadamenle as cartas trocadas entre o Conselheiro Fiscal indicado pela Consulente, os demais membros do Conselho Fiscal, Administrador da Companhia e auditores independentes, bem como a realização de Reunião do Conselho de Administração da "SOCIEDADE X" (ato preparatório à convocação da AGE em referência) sem a notificação aos membros do Conselho Fiscal da Companhia e, por essa razão, sem a presença de nenhum deles, há algum vício insanável no processo que desagua na convocação da AGE da Companhia para o dia___de dezembro (a

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    impedir a sua realização), notadamente em vista do disposto nos arts. 163,1, III, § 3°, 164, parágrafo único, 173, § 1", todos da LSA?

  2. a manifestação do Conselho Fiscal que se seguiu a reunião do Conselho de Administração da Companhia também está contaminada peio vício anterior, considerando que a ela não compareceu o Conselheiro Fiscal indicado pela Consulente, uma vez que convocado irregularmente pelo Direior Financeiro da Companhia (e não pelo Presidente do Conselho Fiscal), assim como não haviam sido disponibilizados os documentos solicitados por dito conselheiro para poder deliberar com segurança na reunião do citado colegiado? Verificada a existência, isolada ou cumulativa, de qualquer dos vícios aludidos nos quesitos antecedentes, há a possibilidade de ulterior manifestação da Assembleia vir a saná-los, ou seja, tais vícios admitem alguma espécie de conyalidação?

  3. considerando a proposta de redução de capital — nos termos em que apresentada pela Administração da "SOCIEDADE X" — é certo que a mesma configurará uma redução proporcional/significativa da parcela do capital social atribuído às ações preferenciais, reduzindo-se, adiante, o dividendo mínimo/fixo pagável a esta mesma classe de ações? Admitindo que a redução do capital social impacta a base de cálculo sobre a qual o dividendo é apurado, há razão suficiente para realização da assembleia especial de que trata o § 1do art. 136 da LSA, visto que tal proposta contém um "benefício" iminentemente provisório, porquanto destinado a durar apenas 2 (dois) anos, ao passo que o prejuízo' é permanente, pois a alteração da base de cálculo opera efeitos agora e para O futuro?

  4. a...

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