Social Work and working with families: renovation or conservantism?/ Servico Social e o trabalho com familias: renovacao ou conservadorismo?

AutorHorst, Claudio Henrique Miranda
  1. Introducao: qualquer caminho serve?

    Alice perguntou:

    Pode me dizer qual o caminho que eu devo tomar? Isso depende muito do lugar para onde voce quer ir--disse o Gato. Eu nao sei para onde ir!--disse Alice. Se voce nao sabe para onde ir, qualquer caminho serve.

    (Alice no Pais das Maravilhas--Lewis Carroll).

    O objetivo do presente texto e apontar elementos que caracterizam o trabalho com familias na historia da profissao buscando identificar os desafios presentes na atuacao junto a familias da classe trabalhadora num pais dependente. Nosso pressuposto e que, na atual fase do capitalismo com a predominancia de sua forma mais fetichizada, o capital ficticio--, ha o reordenamento das politicas sociais, o que vem demandando um perfil profissional "competente no gerenciamento e monitoramento da pobreza e, portanto, funcional a um Estado assistencial e penal" (RODRIGUES, 2012, p. 52), ou seja, na contramao do Projeto Etico Politico profissional. Dessa forma, observa-se o forte retorno do conservadorismo, principalmente no que diz respeito a atuacao junto a questoes que nao avancaram no amadurecimento teorico no interior da profissao, a exemplo o trabalho com familias.

    Trata-se de investigar, a partir de uma reflexao entre o passado e o presente profissional, como a atuacao "muda de forma, preservando, no entanto, compromissos sociopoliticos com o conservadorismo" (IAMAMOTO, 2013, p.23). Assim, o que objetivamos e discutir o papel do trabalho com familias num cenario de "retomadas de perspectivas que na renovacao profissional nao ambicionavam romper com o tradicionalismo" (RODRIGUES, 2012, p. 52).

    O trabalho esta organizado em tres momentos. No primeiro, situase a contraditoria relacao entre a politica social no capitalismo dependente e a centralidade das familias da classe trabalhadora que constitui o chao do trabalho com familias. No segundo momento, debate-se a questao da familia no Servico Social, tentando pontuar as bases que historicamente pautam o trabalho com familias, bem como aquelas que se alinham ao projeto etico politico da profissao. E por fim, apontaremos algumas reflexoes sobre a necessidade historica de uma atuacao junto a familias atrelada ao Projeto Etico Politico profissional.

    Com inspiracao no dialogo de Alice no pais das Maravilhas, pretendemos demonstrar que, "se nao sabemos para onde queremos ir", ou seja, se desconhecemos a intencionalidade e o compromisso da nossa atuacao junto a familias da classe trabalhadora, continuaremos fadados a um trabalho que culpabiliza essas familias, classificando-as "desestruturadas", e, dessa forma reproduz uma pratica profissional que confronta o horizonte profissional aberto desde a decada de 1970.

  2. Politica social e familia: confluencia perversa!

    Num cenario de aprofundamento da crise estrutural do sistema do capital, conforme aponta Meszaros (2002), nao temos duvidas do nao lugar reservado a politica social dentro desse sistema, uma vez que, conforme denuncia Marques (2015), as politicas sociais tem se revelado um obstaculo para os interesses do capital em geral e do capital financeiro em particular.

    O unico interesse que esse tipo de capital tem em relacao as politicas sociais e na transformacao dos sistemas publicos de aposentadoria (de reparticao) em sistemas privados, de capitalizacao, como forma de amealhar mais recursos para suas atividades especulativas. [...] O unico nivel de politicas sociais admitido, organizado e financiado pelo Estado, e aquele dirigido a populacao muito pobre (MARQUES, 2015, p.18).

    Fruto da correlacao de forcas estabelecidas entre o capital e os trabalhadores, politicas sociais organizadas e financiadas pelo Estado numa perspectiva de universalizacao situam-se num momento do padrao de acumulacao que se esgotou, experiencia essa, caracteristica de paises europeus. Portanto, se falamos de experiencias--como o Welfare State--que nao sao mais possiveis nos paises centrais dada a necessidade de aumento da taxa de lucro, tal aposta nem sequer se vislumbra no horizonte de paises dependentes.

    No que tange as determinacoes da politica social na America Latina, estas devem partir da compreensao de uma especificidade latinoamericana, como apontam Paiva e Ouriques (2006).

    A politica social como fundamental para a regulacao politica no sistema capitalista apresenta, na America Latina, caracteristicas especificas, determinadas pela sua formacao social nos marcos da dependencia, que, nesse contexto, "desnudam os limites das solucoes reformistas e pseudo-integradoras, nos moldes do que hoje se atribui as mal denominadas politicas de 'inclusao social" (PAIVA; OURIQUES, 2006, p.171). Essa forma de modelo economico--periferico e dependente - expoe a realidade do pais e da regiao.

    A classe trabalhadora na America Latina (que seria o sujeito de direitos num pais central) e composta por um expressivo contingente de trabalhadores informais e de desempregados, para os quais nao ha sequer vinculo salarial formal nem muito menos acesso a protecao social, decorrentes da sociedade salarial. Enfim, para a grande maioria da populacao, pobreza e miseria vem acompanhadas da omissao do Estado, expressa, sobretudo, na ausencia de politicas sociais, ou, na maioria das vezes, num tipo determinado de politica social, cujo horizonte nao pode ser pretensioso em termos sociais e politicos e no qual todo radicalismo deve ser combatido, seja em termos da composicao do gasto social seja em funcao da dimensao emancipadora que elas poderiam conter (PAIVA; OURIQUES, 2006, p. 172).

    Mesmo com a tentativa historica de construcao de um Estado para o social--presente na historia da protecao social estatal brasileira a partir da Constituicao de 1988 -, nao se conseguiu alcancar a universalidade desejada. Em vez disso, aprofundou-se o caminho para uma politica social pensada de modo residual, sustentada pelas orientacoes neoliberais. Ao tratarmos da experiencia do Estado brasileiro, observa-se que este sempre se ausentou e contou com "[...] alternativas privatistas que envolvem a familia, as organizacoes sociais e a comunidade em geral" (YAZBEK, 2016, p. 09) no provimento da protecao social.

    Como afirma Campos (2015), a atual posicao da familia na Politica Social nao e uma novidade e nao pode ser analisada apenas como consequencia da politica neoliberal em ascensao a partir dos anos de 1990. Ao contrario, a familia sempre foi instancia central na configuracao da protecao brasileira e referencia na estruturacao das politicas setoriais, como saude, educacao, previdencia. Para Goldani (2005), as politicas referidas as familias sao aquelas que atraves de um conjunto de normativas e instrumentos buscam fortalecer as suas funcoes sociais tendo em conta sua estrutura, suas caracteristicas ou a demanda de seus membros. Tal centralidade da familia, tanto como principal instancia de provisao de bem-estar como de referencia para a politica social, define o carater familista das sociedades latino-americanas. Familismo entendido como um padrao de interrelacao reinante na sociedade, em que no nivel macrossocial, na organizacao dos sistemas de protecao social, a familia e colocada como instituicao provedora central de bem-estar. No nivel micro social, uma rede de mulheres (maes, avos, vizinhas...) respondem pelo trabalho familiar, especialmente pelo cuidado dos dependentes (BATTHYANY, 2015). No Brasil vem sendo considerado um padrao cultural e politico secular que tem se expressado no campo da legislacao (solidariedade obrigatoria) e na configuracao da politica social (MIOTO ET AL., 2015; COSTA; GOLDANI, 2015).

    A manutencao desse padrao familista torna-se essencialmente util num momento em que, de acordo com Mota (2017), se exaure a estrategia de conciliacao de classes que abrangeu os governos do PT na presidencia do pais e permitiu a ampliacao de servicos de infraestrutura e criacao de politicas compensatorias de alivio a pobreza. Ao ampliarem-se no pos-golpe de 2016 os novos mecanismos de exploracao da forca de trabalho, de supressao de direitos sociais e especialmente de privatizacao e/ou mercantilizacao da educacao, da saude, da previdencia e, consequentemente, dos servicos publicos, nos parece que a familia assume lugar ainda mais estrategico no processamento desses mecanismos, especialmente em relacao a privatizacao da provisao de bem-estar.

    O que estamos tentando demonstrar e a contraditoria relacao entre politica social no capitalismo dependente, agravada pela crise atual, e a centralidade nas familias da classe trabalhadora. Como sinaliza o titulo que abre o presente topico, essa confluencia perversa para as familias--mas nada para o capital--sempre acarretara sobrecarga e culpabilizacao das familias e, principalmente, das mulheres. Silveira Junior (2016), ao demonstrar as tendencias politico pedagogicas postas aos trabalhadores do SUAS, chamou atencao para a caracteristica da atuacao com familias.

    Efetivamente, ela tem seu fulcro conduzido para o enfrentamento do 'risco e vulnerabilidade social', o que se expressa na fixacao das suas prioridades em termos do 'desenvolvimento de capacidades' dos individuos e familias atendidos. Mas, nessa esteira, ocorre uma inducao de metodologias de trabalho socioassistencial com acentuado teor individualizador e marcado peso psicologizante. A individualizacao se expressa na proposicao de metodologias de trabalho social centradas na mudanca de projetos individuais (ou familiares) para a superacao da condicao de pobreza. A psicologizacao e conformada, nao somente por uma moralizacao estrito sensu da pobreza, donde redundaram, no passado, inclusive terapias de ajustamento, mas pela promessa de sua suplantacao por meio da escolarizacao, profissionalizacao e/ou assimilacao de aptidoes empreendedoras, que capacitariam para a luta individual por ascensao social na concorrencia do mercado. O que oportunizaria a 'emancipacao' (ou a 'autonomia') dos usuarios da assistencia social e suas familias. Aqui, a hipoteca permanece na redefinicao de...

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