Social policy and families: the difficult art of overcoming family self-image/Politica social e familias: a dificil arte da superacao da autoimagem familiar.

Autordos Santos, Rosemeire
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao

O texto ora proposto tem como ponto de partida o direcionamento dado pela Constituicao Federal de 1988, que coloca no ambito da responsabilidade estatal a seguridade social brasileira e, consequentemente, a protecao social de cidadania, que inclui a familia. Assim, processa o transito da protecao social do ambito individual e privado para o ambito das relacoes sociais e coletivas.

Entende-se que a familia, independentemente do tempo e configuracao, sempre exerceu o papel de provedora e cuidadora de seus membros; todavia, nao cabe exclusivamente a ela a responsabilidade da protecao social, sobretudo numa sociedade de mercado, que exige condicoes e capacidades de consumo de mercadorias como formas de protecao social.

A partir dos estudos do antropologo Lewis Morgan, realizados em 1817, e retomados por Friedrich Engels (2002), em 1884, a protecao social ao individuo--em provisao e cuidados--constitui-se como cargo ou encargo a familia a partir de suas propriedades, que possibilitam seguranca aos seus membros. Sob esse entendimento fundante e historico, a familia constituiuse como lugar de manutencao, valorizacao e legalizacao de lacos de consanguinidade, e tem como dever moral a provisao e os cuidados privados para com seus membros.

Resultante ao modo capitalista de producao, a sociedade de mercado apresenta a divisao de classes entre proprietarios e trabalhadores; consequentemente, ha familias herdeiras e familias deserdadas, cuja unica mercadoria a oferecer e sua forca de trabalho. Concretamente, essa sociedade contara com familias que exercem a protecao social pela posse de bens e riqueza privada, e aquelas que vivem do trabalho, as quais muitas vezes nao conseguem garantir condicoes protetivas a seus membros a partir da ausencia de condicoes de sobrevivencia, no ambito interno, no limiar da dignidade humana.

Compreende-se ainda que o primeiro momento de externalizacao da protecao social as familias e seus membros nao e direcionado ao Estado. A Igreja instalou uma pratica moral religiosa, a partir da concepcao do exercicio da caridade e da filantropia das familias herdeiras para com as familias deserdadas, via compaixao divina ao proximo, a fim de obter "creditos divinos do Ceu". Nessa pratica, a ausencia de igualdade entre os homens, assim como a ausencia de respeito e justica social, traveste-se no campo do exercicio da pratica moral religiosa, e nao do direito e do respeito a dignidade humana.

Com a superacao da monarquia e a presenca historica do regime republicano das sociedades e do Estado, as relacoes de consanguinidade e heranca como constitutivas da familia sao envolvidas por uma aura de relativa relacao de igualdade entre homens e mulheres. Nesse momento de organizacao societaria, a protecao social passa a ser nao somente um exercicio da familia ou uma pratica do campo sacral, mas e considerada de forma laica como uma pratica de justica humana. Isto e, a protecao social se transfere para o campo das responsabilidades publicas e dos direitos sociais ao ser humano.

A presenca do Estado como responsavel por protecoes sociais tem expressoes na sociedade brasileira ao final do seculo XIX e inicio do seculo XX. Porem, isso nao significara que todos os homens e mulheres passam a ser filhos do Estado. A protecao social publica nao retira das familias suas relacoes individuais de cuidados, de provisao, afetivas, psicossociais, de pertencimento e de reconhecimento.

A objetivacao de respostas publicas de protecao social as familias se da por meio das politicas sociais, que, face as condicoes reais das familias, sao ao mesmo tempo um apoio a familia e um reconhecimento de cidadania como exercicio da solidariedade, assentada no reconhecimento da dignidade e no respeito aos direitos humanos e sociais. Entretanto, quando fogem as acoes disciplinares, colocam a familia como negligente para com seus membros, sobretudo com aqueles que mais demandam cuidados no ciclo de desenvolvimento e vida humana. Ou seja, podem ser direito como tambem podem ser o cerceamento da liberdade das familias e de seus membros.

Apresenta-se aqui a compreensao de que familia e um grupo social que sofre transformacoes sociais, relacionadas ao resultante das transformacoes societarias. Assim, nao deixa de ser um campo de protecao e de desprotecao social para os individuos.

Contudo, parte-se do exercicio para a compreensao de que a familia e um grupo socialmente constituido para trocas objetivas e subjetivas, em que suas responsabilidades protetivas sao mutuas e exercidas no ambito interno do grupo familiar. Tais funcoes podem ser realmente efetivas, na medida em que o Estado cumpra com as demandas e a provisao de protecao a ele colocadas.

As transformacoes societarias e os modos de viver em familias

As transformacoes sociais e relacionais no ambito e no interior da "familia" nao sao situacoes postas na atualidade. As familias se transformam a cada dia e desde sua origem, o que e possivel comprovar diante dos estudos dentro das ciencias sociais de tais como Morgan (1817, apud Engels, 2002), retomado na obra de Engels (1884/2002), Canevacci (1981), Therborn (2014), Young e Willmott (1975), Aries (1981), Laslett (1972 apud Saraceno e Naldine), Segalen (1981/2002), Samara, (1992/ 2004), Sarti (1992/1996), Singly (1996), Saraceno e Naldine (2002), Kaslow (2001 apud Szymanski, 2002), Szymanski (2001, 2002), Gargoullaud e Vassallo (2013) e Santos (2017), entre outros. Isso para apresentar apenas alguns dos estudos que colocam como foco as transformacoes no ambito da familia, resultantes do processo das modificacoes societarias. Compreende-se, assim, que a familia nao e uma instituicao isolada das relacoes sociais presentes na sociedade, desde sua origem e em todas as fases de organizacao.

A 'familia', diz Morgan, e um elemento ativo; nunca permanece estacionaria, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, a medida que a sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado. Os sistemas de parentesco, pelo contrario, sao passivos; so depois de longos intervalos, registram os progressos feitos pela familia, e nao sofrem uma modificacao radical senao quando a familia ja se modificou radicalmente. (ENGELS, 2002, p. 34-35).

Afirma-se que, no que se refere a familia, quando considerada como uma instituicao presente em uma dada sociedade em constante mudanca, as transformacoes societarias necessariamente modificam seu cotidiano e a dinamica em seus "modos de viver". Aries (1981) dedicou-se a analise de quadros e fotografias sobre a "forma" de viver em familia em varios momentos historicos, o que o permitiu afirmar que:

Se percorremos as colecoes de estampas ou as galerias de pinturas dos seculos XVI-XVII, ficaremos impressionados com essa verdadeira avalancha de imagens de familias. [...] a maioria representa uma familia reunida. Estes ultimos surgem no seculo XV, com os doadores que se fazem representar modestamente o nivel inferior de alguma cena religiosa, como sinal de sua devocao. De inicio, esses doadores sao discretos e estao sozinhos. Mas logo comecam a trazer a seu lado toda a familia, incluindo os vivos e os mortos: as mulheres e os filhos mortos tambem tem seu lugar na pintura. De um lado aparece o homem e os meninos, do outro a ou as mulheres, cada uma com as filhas de seu leito. (ARIES, 1981; p. 138).

A familia a que hoje nos referimos como "tradicional" e, para Engels (2002), resultado do surgimento da propriedade privada. Em seus estudos, evidencia-se a transicao dos modos de viver em familia ate a logica da familia monogamica, cujo principal objetivo foi atender a necessidade de garantir a transmissao dos bens e propriedades adquiridos pelo homem durante sua vida produtiva...

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