Social participation on public services: description of state of the art through bibliometrics and sistematic review/Participacao social nos servaos publicos: caracterizacao do estado da arte por meio da bibliometria e da revisao sistematica.

AutorStruecker, Denise Regina
CargoGestao Publica

Introducao

A Constituicao federal de 1988, ao prever diversos instrumentos de interlocucao entre Estado e sociedade, veio coroar um processo de intensificacao da participacao social que ocorria desde os anos 1970, periodo de surgimento dos novos movimentos sociais no Brasil (Rocha, 2008). Alem de promover a conscientizacao dos cidadaos e a educacao para a cidadania, a participacao social nas decisoes publicas tem sido apontada por estudiosos como o caminho para fazer frente a complexidade dos problemas publicos e as crescentes demandas, ao conferir maior qualidade e legitimidade a tomada de decisao (Edelenbos, Van Schie & Gerrits, 2010; Lawton & Macaulay, 2014).

Na mesma linha, os estudos de Neshkova e Guo (2012) apontam que a incorporacao de valores democraticos a esse processo pode impactar na eficacia e efetividade dos servicos publicos, porque, mesmo com todo o conhecimento tecnico, a visao isolada dos agentes publicos nao consegue ter o alcance integral das necessidades dos cidadaos e das solucoes adequadas. A premencia por servicos publicos de qualidade e as limitacoes orcamentarias exigem opcoes que permitam fazer mais e melhor com os mesmos--ou menos--recursos. Para que isso ocorra, modelos administrativos como a Nova Governanca Publica indicam o uso de novas praticas, compreendem arenas de colaboracao, aprendizagem mutua e negociacao de consensos, como uma forma de gerar as necessarias inovacoes (Ansell & Torfing, 2014).

Porem, a institucionalizacao dos espacos participativos nao e capaz, por si so, de alcancar os potenciais beneficios advindos da participacao social; mesmo a incorporacao ao texto constitucional nao garante a essas instancias um efetivo compartilhamento de poder entre o Estado e a sociedade (Zani, 2012). Considerando o modelo burocratico ainda preponderante na administracao publica e os impactos que a orientacao conservadora da burocracia exerce sobre a capacidade de inovacao das organizacoes (Thompson, 1965), ainda sao muitos os desafios para que a insercao da participacao social as praticas de gestao seja qualificada e inclusiva.

A compreensao das necessidades e expectativas dos usuarios pressupoe a interacao dos gestores com os diversos atores envolvidos, o que requer uma mudanca de postura dos agentes publicos e das tecnicas usadas para o desenho dos servicos (Santos & Hoffmann, 2015). Para tanto, esses agentes--em geral formados em ambiente burocratico--precisam de estrategias e habilidades ate entao estranhas a administracao publica e as dificuldades vislumbradas podem levar a inercia ou a processos pro forma, apenas para satisfazer as exigencias legais.

Assim, a participacao da sociedade nas acoes publicas ainda enfrenta resistencias, principalmente por representar uma mudanca de paradigma, com todas as suas implicates. Por outro lado, ela e um caminho que merece ser estudado e aprimorado, tanto por seus beneficios intrinsecos como por contribuir para a melhoria da governanca e dos servicos publicos. Nesse sentido, considera-se oportuno identificar, alem dos beneficios, os principais desafios e recomendacoes apontados na literatura como forma de sistematizar conhecimento para amparar avancos consistentes na implantacao de iniciativas. A compreensao adequada das facetas associadas a esse tema pode ser influenciada por controversias associadas a propria definicao de participacao social, que vai de uma compreensao adstrita a um conceito legal, pautado no exercicio de direitos e deveres definidos em normas, ate o envolvimento ativo em questoes substantivas do governo e da comunidade (Roberts, 2004).

Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo contribuir para a caracterizacao do estado da arte sobre o tema da participacao social relacionada aos servicos publicos. Para tanto, foi analisada a producao cientifica nacional e internacional levantada a partir de revisao sistematica da literatura. O panorama construido apresenta a analise bibliometrica e uma categorizacao dos resultados obtidos, com foco nos beneficios da participacao social, nos principais desafios e nas recomendacoes para enfrenta-los.

O trabalho foi organizado em quatro secoes, alem desta introducao: inicialmente apresenta-se o referencial teorico; na sequencia, a metodologia adotada na conducao do estudo; a seguir, sao descritos e analisados os resultados; por fim, sao apresentadas as conclusoes.

Participacao social nos servicos publicos

O jurista Cretella Junior (1980) define servicos publicos como "toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para a satisfacao das necessidades publicas mediante procedimento tipico do direito publico". Embora muitas vezes seja usada de forma demasiadamente ampla, abarque todas as acoes feitas pela administracao publica, essa expressao, em essencia, esta relacionada a atividade prestacional, na qual o Estado proporciona algo necessario a vida coletiva, como transporte urbano, agua, energia eletrica e iluminacao publica. Ainda, podem ser assim denominados os demais servicos quando, mesmo permitidos aos particulares, sao assumidos pelo poder publico, como ocorre com o ensino (Medauar, 2015).

Determinados servicos publicos sao indelegaveis em razao de sua natureza e devem ser prestados diretamente pelo Estado, atraves de seus orgaos ou agentes, tais como os servicos de defesa nacional, seguranca interna, fiscalizacao de atividades e servicos assistenciais (Carvalho Filho, 2015). Quanto aos demais, apesar de a titularidade continuar com a administracao publica, podem ter sua execucao feita diretamente pelos orgaos publicos ou delegada sob regime especial de direito publico, por meio de concessao ou permissao, nos termos do artigo 175 da Constituicao federal.

De qualquer forma, e dever do Estado garantir a prestacao do servico publico adequado que, de acordo com o [seccion]1no do artigo 6no da Lei 8.987/95, e aquele "que satisfaz as condicoes de regularidade, continuidade, eficiencia, seguranca, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestacao e modicidade das tarifas". Essas caracteristicas, que chegam a ser consideradas por parte da doutrina juridica como principios do servico publico (Marinela, 2006), sao fundamentais a sua prestacao e o cumprimento pelos delegatarios deve ser objeto de acompanhamento permanente pelo Estado, a partir de criterios, indicadores, formulas e parametros definidores da qualidade do servico definidos em contrato, normas regulamentadoras e legislacao pertinente.

Tendo em vista que a titularidade dos servicos e intrinseca ao poder publico, cabe a esse definir previamente as condicoes necessarias para que atendam de forma satisfatoria as necessidades coletivas, ate regulamentar as atividades e, quando for o caso de delegacao, se fazer atuante desde o inicio da vigencia contratual para que a execucao ocorra em conformidade com as obrigacoes estabelecidas. Contudo, para isso e imprescindivel identificar, entender e satisfazer as necessidades dos cidadaos que usam ou podem vir a usar esse servico, bem como daqueles atores que de alguma forma tem interesse no tema. Igualmente, a sociedade tem um relevante papel a desempenhar na fiscalizacao e no controle da execucao dos servicos e efetividade dos contratos. Dessa forma, a colaboracao da sociedade pode se dar desde o planejamento dos servicos publicos ate a fiscalizacao de sua execucao.

As pesquisas na area demonstram a complexidade e as dificuldades de definicao da participacao social, que pode ser vista de diferentes prismas; enquanto para alguns esta adstrita a um conceito legal, pautado no exercicio de direitos e deveres definidos em normas, para outros significa o envolvimento ativo em questoes substantivas do governo e da comunidade. De acordo com o segundo enfoque, e o processo pelo qual os membros da sociedade compartilham poder com os servidores publicos na tomada de decisoes e feitura de acoes de interesse coletivo (Roberts, 2008). Para Fung (2006), a participacao dos cidadaos serve a tres valores democraticos particularmente importantes: legitimidade, justica e eficiencia da acao publica. De acordo com o autor, a participacao direta pode avancar na solucao de problemas e atender aos propositos coletivos. Ao contrario de que usualmente se imagina, nao e uma opcao a democracia representativa, mas vem complementa-la para alcancar resultados mais qualificados nas tomadas de decisao.

No Brasil, a busca pela democratizacao levou a uma estrategia de institucionalizacao dos espacos de participacao (Ferrarezi & Oliveira, 2013). A Constituicao federal, ja em seu artigo inaugural, define o pais como um Estado democratico de direito, no qual todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Tanto essa referencia explicita quanto os principios da administracao publica como as normas democraticas que permeiam todo o texto constitucional permitem afirmar que o ordenamento juridico patrio impoe uma forma de organizacao do Estado voltada a plena feitura da democracia participativa (Perez, 2004).

De forma exemplificativa, encontram-se inseridas na Lei Maior a previsao da cooperacao das associates representativas no planejamento municipal (art. 29, XII); a participacao do usuario na administracao publica direta e indireta, na forma da lei (art. 37, [seccion]3); a participacao social e a gestao democratica na seguridade social, nas acoes e servicos publicos de saude e de assistencia social (art. 194, art. 198, III e art. 204, II); e a gestao democratica do ensino e da cultura (art. 206, VI e art. 216-A, X). A legislacao ordinaria, por sua vez, contempla instrumentos como a audiencia publica (art. 29 da Lei 8.666/93 e art. 11, IV da Lei 11.445/2007); a fiscalizacao das concessoes e permissoes em cooperacao com o poder concedente (arts. 3, 7 e 29, XII, e 30, paragrafo unico, da Lei 8.987/95); e a participacao democratica na politica de mobilidade urbana (art. 15 da Lei 12.587/2012).

Considerando que a criacao de institutos de participacao cidada e...

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