Serviço Social e agência do assistente social

AutorMaria Helena Nunes
CargoDoutora em Serviço Social pela Pontifícia Univ. Católica de São Paulo - PUCSP.
Páginas167-184












Doutora em Serviço Social pela Pontifícia
Univ. Católica de São Paulo – PUCSP.
Docente da Graduação e Pós-Graduação
em Serviço Social, na Universidade
Católica Portuguesa em Lisboa e Braga –
Portugal.
Neste artigo foram mantidas as normas
gramaticais vigentes em Portugal.
$$
$$
$



This article develops a conceptual
perspective of how the society of risk, in
the context of disorganized capitalism and
modernity, revises the thinking and
activity of Social Work and the
consequences of this revision for the
agency of a social worker.The agency of
a social worker is understood as a
capacity of a reflective subject who, in
the act of participating in social regulation
of the Welfare-State, can analyze the
strategic direction that is undertaken,
using the theory of emancipation as
criteria. The theory of emancipation
allows reconsidering the construction of
citizenship based on social regulation of
the State, which is a dialectic process that
has immanent limitations and possibilities
for human emancipation. Here is where
the creative potential of agency is
inscribed. Never a given, it is built among
countless intersubjective factors of an
economic, political and cultural nature.
Key words: agency of the social worker,
social regulation, societal risk.
55
55
5



Neste artigo procura-se articular de um
ponto de vista conceptual os referentes que
a sociedade de risco, em contexto do
capitalismo desorganizado e da moder-
nidade, comporta e que actualizam o pensar
e o agir em Serviço Social e suas conse-
quências para a agência do assistente social.
A agência do assistente social é concebida
enquanto capacidade de um sujeito reflexivo
que, no acto de participar da regulação social
do Estado-Providência, pode problematizar
sobre a direcção estratégica que imprime,
tendo como critério uma teoria da ema-
ncipação. A teoria da emancipação permite
repensar a construção da cidadania a partir
da regulação social do Estado, a qual
constitui um processo dialéctico que tem
imanentes constrangimentos e possibi-
lidades de emancipação humana. Aí se
inscreve o potencial criativo da agência, que
não é nunca um dado, ela constrói-se por
entre uma incomensurabilidade de factores
intersubjectivos, de natureza económica,
política e cultural.
Palavras-chave: agência do assistente
social, regulação social, risco societal.




  
 
       ! "#$%"&       ! "#$%"&
       ! "#$%"&      ! "#$%"&
       ! "#$%"&
"#"#
"#"#
"#
  
  
 
'esde os anos de 1980 que a “crise” ou a
transição da sociedade vem sendo expe-
rimentada e tornada mais visível nas suas
manifestações. Diferentes designações têm sido dadas para
representar as mudanças em curso, particularmente ao ní-
vel do social. Castel (1995) designou de “nova questão so-
cial” a crise da sociedade salarial, na qual o desemprego
estrutural e a desintegração social provocada pela perda
dos laços sociais criados pelo trabalho se tornam os factores
fundamentais da perda de coesão e identidade. Lipietz (1996)
caracteriza esta como uma sociedade que se desfaz, no
sentido que se coloca, para a maioria de seus membros, um
horizonte de mudanças, com a perda de emprego ou a an-
gústia de o vir a perder. Visualizada como uma pirâmide,
apenas um pequeno segmento que coincide com o cone da
pirâmide tem estabilidade e garantia de bem-estar. No ex-
tremo oposto, na base da pirâmide, encontram-se repre-
sentados todos aqueles que são “descartáveis”, que já não
são necessários ao sector produtivo. A sociedade pode pros-
seguir no seu modo de desenvolvimento pelo crescimento
económico, prescindindo desta camada social. Aparecem
socialmente como “inúteis”, sem expectativas positivas, sem
possibilidade e capacidade pessoal de se integrarem pelo
trabalho. As necessidades da chamada “nova economia”
global trazem consigo o aumento do desemprego, o cresci-
mento das desigualdades e uma nova extensão de pobreza
e de excluídos (DONZELOT, 1991; PAUGAM, 1996;
ROSANVALLON, 1995; ROSANVALLON;FITOUSSI, 1996).
O social aparece cada vez mais como um campo em
que se acentuam as fragilidades societais, onde emergem
novos problemas, crescem as tensões e os conflitos. É
manifesto pelo crescimento dos problemas de segurança
nas cidades, por distúrbios, pela nova pobreza, por ruptu-
ras familiares, desabrigados, imigrações das regiões mais
pobres do mundo para regiões mais ricas, etc. Segundo
Autès (1999), a transição dos anos 1970 para os anos
1980 representa um período de mudança social, também
acompanhado por mudanças de representação sobre o
próprio social. Deixa de ser problematizado por relação à
desigualdade social, para ser por relação à pobreza e à
exclusão social. Esta alteração manifesta-se, por exem-
plo, nos modos de nomear: fala-se em termos de inserção
social e já não de integração social. Esta situação está
associada às mudanças e à crise porque passa a socieda-
de salarial. Ao mudar a realidade, mudam as representa-
ções sobre ela, as formas de legitimação, os modos de
fazer o social e as estratégias de acção. Defendendo que
o social estabelece a articulação entre o económico e o
político, ele tem um carácter duplo, porque como sistema
deve produzir coesão social, contornando as tensões es-
senciais, resultantes e necessárias à articulação da eco-
nomia de mercado e o Estado democrático (AUTÈS, 1999).
Não há verdadeiramente nada de novo para o trabalho
social, no sentido em que sempre esteve no centro desta
dualidade estrutural, sempre esteve na “encruzilhada”,
agora com nova recomposição dos seus elementos.
Partilho da tese que defende a importância da “noção do
risco para a construção dos parâmetros estruturais que defi-
nem o Estado de modernidade tardia ou o Estado de
modernidade avançada” (CARAPINHEIRO, 2001, p.198). A
multiplicidade de riscos que hoje os cidadãos vivem no plano
individual e colectivo tem de se constituir, a meu ver, em um
objecto de atenção para o Serviço Social, para o
reequacionamento crítico da sua fundação teórico-
metodológica em contexto da regulação das políticas sociais.
Beck (1992) caracteriza a sociedade actual como de
risco, fase posterior da sociedade industrial ou de classes.
A produção social da riqueza é sistematicamente acompa-
nhada da produção de riscos sociais. É da racionalidade,
que fomentou o modelo de desenvolvimento tecnológico e
científico alcançado pela sociedade moderna, que esta se
confronta com riscos, alguns conhecidos, outros ainda não,
mas nem por isso inexistentes e que afectam a vida huma-
na. Neste contexto, Beck (1992) define o risco como uma
via sistemática de tratar os perigos e a insegurança, induzi-
dos e introduzidos pela própria modernização. Trata-se de
um conceito de risco directamente ligado ao conceito de
modernização reflexiva e por isso politicamente reflexivo.
Trata-se de riscos que não são na sua totalidade imediata-
mente apreendidos e compreendidos, quer nas suas mani-
festações como nos factores que lhes estão associados.
Este tipo de riscos requer conhecimento acerca deles, mes-
mo quando são invisíveis ou não concretizados. Podem
afectar mais umas pessoas que outras, atendendo à posi-
ção social, mas ultrapassam esta dimensão porque acabam
por atingir toda a sociedade. Apesar da característica glo-
bal, não deixam de onerar os grupos mais pobres e as regi-
ões mais periféricas, porque eles próprios não têm esferas
de segurança e protecção que minimize os seus efeitos.
Nos termos de Beck (1992), racionalidade científica e
racionalidade social entram em competição e conflito,
embora a dissociação entre elas seja cada vez menos pos-
sível. Isto acontece na medida em que o que cientifica-
mente se define acerca dos riscos do desenvolvimento
industrial liga-se com expectativas e julgamentos de valor,
bem como a discussão social e a interpretação acerca
dos riscos dependem de argumentos científicos.
A sociedade de risco desenvolve-se no sentido global,
apresentando dinâmicas positivas e negativas que destro-
em fronteiras, através das quais as pessoas são obrigadas
a estar juntas na qualidade de “comunidades em perigo”
ou “comunidade da ameaça”, potenciando-se em paralelo
com o potencial do perigo, a utopia da sociedade mundial
(BECK, 1992, p. 47). Uma e outra colidem com a organi-
zação centrada nos Estados-nação, interesses dos parti-
dos nacionais, das indústrias, organizações de base nacio-
' ( ) ' ( )
' ( ) ' ( )
' ( )




  
 
       ! "#$%"&       ! "#$%"&
       ! "#$%"&      ! "#$%"&
       ! "#$%"&

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT