Os Direitos Sociais como Categoria de Direitos Fundamentais do Idoso

AutorFernando Basto Ferraz - Elizabeth Alice Barbosa Silva de Araujo - William Paiva Marques Júnior
Páginas87-103

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1. Considerações iniciais

Este artigo foi inspirado a partir da convivência com pessoas longevas, que frequentemente relatam as dificuldades por que passam em diversas situações do cotidiano, bem como se levando em conta o aumento populacional dos idosos no mundo. Portanto, sendo o envelhecimento populacional um fenômeno mundial1, do qual o Brasil faz parte, é que se busca neste artigo trabalhar, acompanhar e estudar, na perspectiva do Direito, os impactos ocasionados por esta mutação social, visando atenuá-las.

Para explicar esta ascensão do envelhecimento, observam-se as seguintes colocações: de 1950 até hoje, a esperança de vida, ao nascer, em todo mundo, aumentou em 19 anos. Atualmente, uma em cada dez pessoas tem 60 anos de idade ou mais; para 2050, a previsão é que seja de uma para cada cinco pessoas no mundo, em seu conjunto, e de uma para três, para o mundo desenvolvido.2 Ainda, segundo as projeções, o número de pessoas com 100 anos de idade ou mais aumentará 15 vezes, passando de 145.000 mil pessoas em 1999 para 2,2 milhões em 2050.3 No mesmo ano de 2050, um quinto da população mun-dial será de idosos, refletindo em 2 bilhões de longevos, podendo ultrapassar a população de jovens com menos de 15 anos de idade, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU). Além do que, segundo a ONU, nos próximos 10 anos, a população de pessoas com mais de 60 anos de idade aumentará em quase 200 milhões, superando a marca de 1 bilhão de pessoas com mais de 60 anos no mundo, e mais de 66% deles estarão vivendo em países como o Brasil, em desenvolvimento.4

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É por meio desse célere crescimento que o Brasil, no ano de 2025, chegará a ser o sexto país do mundo com o maior número de pessoas idosas, pelo menos segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).5 Além disso, já em 2050, a previsão é que o número de idosos triplique, passando de 21 milhões para 64 milhões de longevos. Por estas previsões, a proporção de pessoas mais velhas no total da população brasileira passaria de 10%, em 2012, para 29%, em 2050.6

Todo esse crescimento em relação à população de idosos é um reflexo do avanço da ciência, não só pelo fato do prolongamento de vida dos doentes, mas por curar doenças consideráveis graves ou letais; bem ainda devido às políticas públicas de vacinação e de imunização, do acesso à informação e da consequente queda na taxa de natalidade nas famílias. Todas essas ações contribuíram para que ocorresse tal fenômeno na atualidade: o mundo está envelhecendo, está se transformando em um mundo de pessoas idosas.

Com isso é que, ao mesmo tempo em que se observa tal realidade brasileira e mundial, pode-se concluir que há um despreparo muito grande por parte da família, da sociedade e do Estado em enfrentá-la e compreendê-la. Não se percebe na sociedade como um todo um olhar humanista7, de respeito e de consideração aos direitos fundamentais dos longevos.

Destarte, apesar desse atraso para com os idosos, evidencia-se que o Brasil avançou muito em termos de legislação que amparasse essa camada da população, protegendo, assim, os seus direitos fundamentais. Por outro lado, mesmo com o esforço do Legislativo, ainda constata-se que vivemos em um país carente de políticas públicas de promoção e proteção desses direitos e, principalmente, a falta de efetivação.

Para tanto, este artigo tem como escopo analisar e mostrar a importância de se fazer cumprir as normas constitucionais e infraconstitucionais de amparo ao idoso. Tudo isto, sob o enfoque da efetivação dos direitos fundamentais da pessoa idosa, como premissa axiológica para concretização de um ideal de justiça no âmbito dos direitos fundamentais sociais dos longevos. Além de demonstrar a importância de uma atuação conjunta, entre o Estado, a sociedade e família na concretização desses direitos.

2. os direitos sociais como categoria de direitos fundamentais dos idosos

Preliminarmente, é de bom alvitre esclarecer que apesar dos direitos dos idosos estarem em regra localizados nas três dimensões dos direitos fundamentais8, destina-se este tópico a abordar o campo dos direitos sociais da pessoa idosa, como sujeito de direitos fundamentais promovidos pelo Estado, além de fazer uma breve análise do papel da constituição frente aos anseios sociais.

Feitas estas considerações, mostra-se de suma importância demonstrar as bases do constitucionalismo social, ainda que de maneira sintética, para que se possa vislumbrar as origens históricas dos fundamentos constitucionais presentes na atual Carta Magna de 1988.

No plano da teoria, o constitucionalismo social teve como base histórica o pensamento de igualdade imbricado com a noção de justiça, conceito este que

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remonta a Aristóteles, desde há muitos séculos antes de Cristo. Contudo, se pode afirmar que tal concepção, como compreendida hodiernamente, foi resultante da junção de elementos de cunho ideológico, doutrinárias e utópicas propagadas por pensadores da monta de Platão, Aristóteles, Tomás Morus, Santo

Tomás de Aquino, dentre outros de igual relevância.9

Da afirmação supra se pode deduzir que o conceito de justiça social possui origens bastante remotas, muito antes de se cogitar de uma noção de constitucionalismo. O principal formulador da noção de justiça certamente foi Aristóteles, contudo, os outros pensadores mencionados tiveram enorme contribuição no aprimoramento da ideia de justiça de Aristóteles, discípulo de Platão.

Sobre essa afirmação, cabe fazer uma ponderação: os antecessores de Aristóteles tinham uma concepção diferente de justiça. Enquanto para eles o conceito de justiça estaria naturalmente imbricado com as relações interindividuais ou coletivas, para Aristóteles ser justo era observar os ditames da lei e do direito, podendo-se por isso afirmar-se que Aristóteles foi o formulador do conceito jurídico de justiça.10

Mas, antes mesmo de tentar compreender o conceito de justiça social como premissa para o constitucionalismo social, necessário perquirir a indagação das mais tormentosas e que certamente não possui somente uma resposta: O que seria justo? Essa resposta é perseguida já há muito tempo e certamente não é única.

Recorrendo aos ensinamentos do professor Gérson Marques de Lima em seu livro "A JUSTIÇA nas lendas, nas fábulas e na história Universal", percebe-se uma ideia de justiça um pouco diferente dos ideais de justiça traçados por Aristóteles, apesar de que o filósofo, posteriormente reconhece a importância da equidade no conceito de justiça, vejamos:

A justiça é a virtude mais admirada pelos homens, embora nem sempre seja a mais desejada. Como um dos seus cânones é a igualdade entre os homens, o tratamento isonômico entre as pessoas, não interessa aos detentores do poder, por exemplo, aplicá-la, porquanto se igualariam aos dominados e, então, já não poderiam subjugá-los. Sua aplicação, neste caso, só interessa parcialmente, na exata medida em que se mostre apta a justificar a relação de domínio. Por isto, editam leis dizendo o que é justo e o que é injusto, para pautarem a ativi-dade e o comportamento dos homens. daí, os detentores do poder afirmam o que é justo é o que está na lei. Ora, sendo esta feita por eles próprios, a justiça disponibiliza aos dominados é a justiça elaborada pelos dominantes, segundo os seus preceitos convenientes à sua manutenção no poder. a justiça, em tal visão deixa de ser encarada como virtude propriamente dita para se confundir com a legalidade.11 (Grifei-os)

Tal pensamento nos remete aos ideais defendidos por Ferdinand Lassale, conforme se constatará mais adiante.

Por outro lado, Aristóteles já dizia em sua célere obra ética a Nicômaco: "Justiça consiste em dar a cada qual o que é seu". Mas como determinar o que seria a cada um de direito? Daí Aristóteles complementou seu conceito com a concepção de equidade, ou seja, uma igualdade em sua forma qualificada que consiste em tratar os desiguais na medida de sua desigualdade e os iguais na medida de sua igualdade. Caso contrário, estar-se-ia incorrendo em verdadeira desigualdade.

Deveras, é nesse sentido, conforme o tema, que o Estado deve trabalhar na proteção e promoção dos direitos fundamentais da pessoa idosa, a fim de lhes garantir uma melhor qualidade de vida, além de que os detentores do poder devem focar sua gestão no intuito de promover e manter a justiça social e a ordem.

Além disso, o conceito de Justiça em Aristóteles, que é pautado na noção de igualdade, é no contexto da Polis um fim em sim mesmo, ou seja, em última análise a Polis era o centro das decisões políticas fundamentais e não os indivíduos. A esses cabiam se submeter aos preceitos da Polis, sob pena de incorrer em uma desvirtuação. Importante destacar que o conceito de justiça elaborado por Aristóteles era puramente jurídico, colocando a Polis sempre em primeiro plano.

Para o filósofo a justiça representava a maior das virtudes, sendo que sua ideia sobre os aspectos

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da virtude seguiram o modelo de Platão (para Platão justiça correspondia à própria felicidade), classificando a justiça tanto no aspecto de virtude geral como especial. Aquela é consistente em o cidadão cumprir a lei elaborada pela Polis ao passo que esta consiste no aspecto da equidade.12

Dessa afirmação...

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