Sob a proteção do processo coletivo

AutorRodrigo Cesar Picon de Carvalho
CargoAdvogado, escritor e consultor
Páginas58-67
Rodrigo Cesar Picon de CarvalhoDOUTRINA JURÍDICA
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REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
112 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
DOUTRINA JURÍDICA
Rodrigo Cesar Picon de CarvalhoADVOGADO, ESCRTOR E CONSULTOR
SOB A PROTEÇÃO DO
PROCESSO COLETIVO
I
O CDC FOI PIONEIRO NA IMPLEMENTAÇÃO DA TUTELA DIFUSA.
AGORA, SURGE A NECESSIDADE DE AMPLIÁ-LA ATÉ O LIMITE
DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS
modo individual, pois a legislação vigente era
inócua para a defesa de determinados direitos.
Como bem nos afirma Gonçalves (2012, p. 15):
Constatou-se que o manancial jurídico disponível
não mais abarcava todos os interesses da coletivi-
dade. A clássica distinção entre o público e o pri-
vado também não era suficiente para abranger o
espectro de interesses que a sociedade moderna
manifestava. Os mecanismos tradicionais de aces-
so à justiça não eram bastantes para assegurar
a defesa de todos os tipos de interesses que se
manifestavam, em face da nova realidade socio-
econômica. Isso obrigou não apenas à criação de
novos institutos de direito material e processual,
mas também a uma mudança de mentalidade em
que o individual deve ceder ao coletivo.
Primeiramente, na década de 1960, nasceu
a ação popular, que visa a anulação de atos
administrativos que atingem o patrimônio
público. Já na década de 1980, é criada e con-
solidada a ação civil pública, que permite a
defesa de direitos da coletividade. O instituto
é, finalmente, aperfeiçoado com o advento do
Ao mesmo tempo, a Constituição Federal
de 1988 consolidou a existência dos direitos
fundamentais, colocando-os em um patamar
onde toda e qualquer norma ou qualquer ato
Diversos bens são tutelados de maneira
coletiva, sendo impossível ou dificulto-
sa a sua proteção individual. Carvalho
(2019, p. 9) nos dá o exemplo do transpor-
te público municipal que deixa de passar
em determinado bairro, o lote de uma mercado-
ria que vem estragada ou a degradação do rio,
como infelizmente ocorreram com os rios Doce
e Paraopeba, respectivamente, nos casos dos de-
sastres de Mariana (2015) e Brumadinho (2019).
Nestes casos, é inviável ou impossível a
preservação individual dos direitos. Como
mensurar o dano causado a cada pessoa da
cidade – ou até mesmo pessoas de fora – por
ter o transporte público deixado de passar em
determinado bairro? Como mensurar o dano
causado a cada pessoa pela degradação do rio
– principalmente pelo fato de o meio ambien-
te ecologicamente equilibrado ser um direito
de todos (art. 225 da )? Dificultava-se ainda
mais a defesa de tais direitos pelo fato de o Có-
digo de Processo Civil impedir a defesa judi-
cial de direito de terceiros.
Assim, o legislador percebeu a necessidade
de se criar formas de defender coletivamente
os direitos que não podem ser divididos de
público ou privado não pode violar um direito
fundamental. Ademais, esculpe a carta magna
que a dignidade da pessoa humana é um dos
cinco pilares da República Federativa do Bra-
sil (art. 1º, ).
Entretanto, nenhum dos institutos de defe-
sa de direito coletivo é expresso em defender
um direito fundamental violado na forma co-
letiva. Cria-se a dúvida, então, se a ação popu-
lar e a ação civil pública, como defensores de
direitos transindividuais, pode prevenir ou re-
parar danos causados aos direitos básicos da
população. Dessa forma, este trabalho anali-
sará os institutos da ação popular e da ação ci-
vil pública, seu escopo e cabimento, bem como
o instituto dos direitos fundamentais, para se
chegar a uma resposta sobre a possibilidade
ou não da defesa coletiva de tais direitos.
1. MICROSSISTEMA PROCESSUAL
COLETIVO
Até o ano de 1985, com a promulgação da Lei
7.347/85, não existia a defesa coletiva de direi-
tos. Utilizava-se apenas a ação popular, cujo
escopo é a anulação de ato administrativo pró-
prio, conforme veremos adiante. Já em 1985,
criou-se a ação civil pública, que previu a de-
fesa coletiva de determinados direitos, como o
meio ambiente e o direito ao consumidor.
O processo coletivo somente se consolidou
em 1990, com o advento do Código de Defesa
do Consumidor, que ampliou o instituto da
defesa coletiva, conceituando os direitos di-
fusos e coletivos, criando a figura dos direitos
individuais homogêneos e delimitando a coi-
sa julgada. Outras normas legais trouxeram o
instituto da defesa coletiva de direitos em seu
corpo, limitando-o aos direitos trazidos pela
própria lei e repetindo, com poucas modifica-
ções, os textos da Lei 7.347/85 e do Código de
do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), da Lei
7.853/89, com a modificação dada pelo Estatu-
to da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15) e
da Lei 7.913/89.
Ademais, a legislação consumerista deter-
minou, em seu artigo 90, a utilização da Lei de
Ação Civil Pública, de maneira subsidiária, na-
quilo que não a contrariar. De mesmo modo,
o artigo 117 do mesmo diploma legal acrescen-
tou o artigo 21 na Lei 7.347/85, prescrevendo a
utilização do Código de Defesa do Consumi-
dor igualmente de maneira subsidiária, naqui-
lo que não a contrariar. Na redação dos pró-
prios artigos:
Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título
as normas do Código de Processo Civil e da Lei n°
7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que
respeita ao inquérito civil, naquilo que não contra-
riar suas disposições (BRASIL, 1990).
Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interes-
ses difusos, coletivos e individuais, no que for cabí-

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