Smart cities além dos sensores: o uso de dados para aproximar governo e cidadãos

AutorPablo Cerdeira - Renan Medeiros de Oliveira
Páginas63-87
63
SMART CITIES
ALÉM DOS SENSORES: O USO DE
DADOS PARA APROXIMAR GOVERNO E CIDADÃOS
PABLO CERDEIRA
RENAN MEDEIROS DE OLIVEIRA
INTRODUÇÃO
Com a reconf‌iguração da estrutura adotada pelos Estados ao longo do tempo,
a relação entre governantes e governados também foi alterada. Atualmente, ela
tem como um ponto de grande importância a utilização de dados produzidos
pelos cidadãos e sobre eles. Em outras palavras, o governo deve estar apto a
manejar dados relativos aos seus governados e sobre pontos que os afetam
cotidianamente para manter uma interação salutar. Mais do que uma relação
saudável, trata-se de um aspecto inerente à noção de democracia representativa:
é preciso que os governantes tenham consciência das demandas dos cidadãos
e pautem suas atuações para atendê-las, na medida do possível.
Diante disso, o presente estudo apresenta algumas experiências que ocor-
reram na cidade do Rio de Janeiro em que o governo se valeu de dados dos
cidadãos para implementar políticas públicas, o que ocorreu por meio do Big
Data – PENSA: Sala de Ideias, escritório de captura e processamento de dados
da Prefeitura do Rio de Janeiro. No primeiro item, abordamos brevemente o
fenômeno da crise democrática, seus aspectos interno – ligado à relação entre
governantes e governados – e externo – ligado à relação entre as instituições
de poder – e qual sua conexão com o uso de dados. No segundo, fazemos
o estudo do caso do Rio de Janeiro, apresentando ações que foram tomadas
com o uso de dados para implementar políticas públicas, como ocorreu nas
medidas adotadas para diminuição dos casos de dengue na cidade. Por f‌im,
tecemos algumas considerações sobre como as experiências de utilização de
dados para a formulação de políticas públicas e para a melhoria da gestão estatal
têm se mostrado de grande valia. Isso porque um dos fatores da insatisfação
geral com o estado de coisas no cenário político é a falta de proximidade entre
representantes e representados, e o uso de dados pode ser utilizado como for-
ma de promover uma gestão da coisa pública ef‌iciente e próxima do cidadão.
64 HORIZONTE PRESENTE
A CRISE DEMOCRÁTICA E O USO DE DADOS
Atualmente, vivemos em um cenário em que a atuação da administração
pública é, em grande parte, baseada no modelo weberiano, pelo qual o Estado
tem o monopólio do uso da força (WEBER, 1982, p. 98).
1
Esse conceito
aparece em vários momentos na teoria de Weber, tanto no domínio exercido
pelo líder sobre os membros da sociedade com base no poder carismático,
quanto nas imposições do poder legal (WEBER, 1982, p. 97 et seq.).
No entanto, a estrutura de relação vertical entre Estado e sociedade em
que a teoria weberiana se apoia, aparentemente, encontra dif‌iculdades de se
manter na atual organização social. Somente a título de exemplo, pode-se
apontar as surpresas com a eleição americana de Donald Trump, com o
Brexit (REDAÇÃO BBC BRASIL, 2016 e 2017) e com a eleição de Macron.
Esses acontecimentos parecem indicar que estamos vivendo em um mo-
mento de grande polarização, o qual tem, dentre as suas causas, a separação
do modelo de Estado weberiano – focado na burocracia, na hierarquia, na
gestão centralizada e na padronização com vistas a impedir a concessão
de benefícios a amigos do rei – da prática das relações sociais – focada no
compartilhamento de informações, no imediatismo e no individualismo.
É preciso dar atenção ao fato de que um afastamento intenso do governo
em relação às demandas específ‌icas de grupos da sociedade pode levar a
um cenário de tirania. Esse descompasso é um dos aspectos da crise glo-
bal do modelo de representatividade democrática (ACKERMAN, 2000).
A falta de identidade dos cidadãos com os representantes eleitos foi cres-
cendo ao longo do tempo, podendo-se citar alguns fatores que contribu-
íram para expandir a lacuna que há entre as vontades dos eleitores e dos
candidatos eleitos, como a prosperidade econômica de parcela da popu-
lação, que levou ao aumento de suas expectativas em relação ao governo;
a democratização, que fez declinar o respeito às hierarquias e os padrões
de deferência a superiores sociais; as crescentes pressões sociais por me-
lhorias localizadas; a complexibilidade da gestão estatal; e o aumento das
demandas sem o correspondente aumento da capacidade governamental de
respondê-las (MIGUEL, 2005). A democracia contemporânea, porém, tem
a ideia de funcionários eleitos investidos constitucionalmente para tomar
decisões governamentais sobre a política como um de seus pontos fulcrais
1 “Hoje, porém, temos de dizer que o Estado é uma comunidade humana que
pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um
determinado território”.

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