A sistemática da progressividade tributária como mecanismo de igualdade

AutorSirley Aparecida Lopes Rodrigues
CargoMestranda em Direito Tributário na PUC/SP. Advogada da área tributária em instituição Þ nanceira (contencioso administrativo e judicial)
Páginas229-243

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Introdução

A progressividade é um mecanismo constitucional importante que busca a justiça, a igualdade, na tributação, a partir da limitação do poder de tributar. Isso porque obriga observar a capacidade contributiva, preservar os direitos dos cidadãos enquanto contribuintes, protegendo dos abusos confiscatórios.

Com base nos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, os impostos proporcionais e progressivos, chega-se na adequação do tributo à capacidade econômica do contribuinte que encontra amparo no princípio da proporcionalidade, em face do qual a carga tributária deve ser diretamente proporcional à riqueza do contribuinte. A mera ideia de proporcionalidade, porém, expressa apenas uma relação de cálculo entre o crescimento da base de cálculo e o do imposto, ou seja, a tributação ocorre na medida da riqueza de cada um ou de determinado segmento econômico.

Por outro lado, a capacidade contributiva exige que se tenha a justiça da incidência em cada relação isolada, ou seja, o princípio da capacidade contributiva cumulado com o princípio da igualdade direciona os impostos para a proporcionalidade, mas não se esgota nesta.

Assim é possível evoluir muito na utilização desse mecanismo da proporcio-

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nalidade, considerando que com o apoio nos princípios da capacidade contributiva e da igualdade tem sido discutida a constitucionalidade dos tributos, pautas de valores não atualizadas com o mercado, assim chamados porque seu montante não se gradua em função da maior ou menor expressão econômica revelada pelo seu fato gerador.

Nesse sentido, o princípio da proporcionalidade se aproxima do princípio da capacidade contributiva, previsto para certos impostos, como o sobre a renda. A progressividade não é uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas sim um refinamento deste para alcançar a justiça. A proporcionalidade implica que riquezas maiores gerem impostos proporcionalmente maiores. Já a progressividade faz com que a alíquota seja maior para a riqueza maior.

Assim, a tributação progressiva é um instrumento mais eficiente do que a tributação proporcional e deve ser aplicada indistintamente aos impostos. De acordo com doutrinadores, é uma característica de todos os impostos, da mesma forma que a todos eles se aplicam os princípios da legalidade, da generalidade e da igualdade tributária, que não são expressamente referidos na Constituição Federal, quando inclui hipóteses de incidência genéricas. Com isso, inexistindo progressividade nos impostos descumpre-se o princípio da isonomia, igualdade tributária, eis que a aplicação só da proporcionalidade não alçada totalmente a igualdade tributária.

Com efeito, a aplicação do princípio da progressividade a todas as espécies de impostos, como forma de redução das desigualdades sociais e meio de construção de uma sociedade justa e solidária, considerando a sua natureza e característica demonstra que alguns impostos são mais passíveis de tratamento progressivo e outros menos, o que implica, sem nenhuma exceção, necessariamente que são baseados no princípio da capacidade contributiva, onde todos os impostos são passíveis de tratamento progressivo.

A Constituição da República Federal do Brasil põe especial ênfase na necessidade de tratamento desigual às situações desiguais, na medida dessa desigualdade, art. 150, II, e art. 3º, além de propor normativamente serem objetivos fundamentais da República, o "construir uma sociedade justa e solidária".

Nesse sentido, pode-se dizer o princípio constitucional tributário da progressividade é um mecanismo importante que busca a justiça, igualdade, na tributação, a partir da limitação do poder de tributar eis que impõe observar a capacidade contributiva, a proteção ao mínimo existencial. Em outras palavras, é princípio norteador das normas tributárias que visa preservar os direitos dos cidadãos enquanto contribuintes, protegendo dos abusos confiscatórios e proporcionando eficiência na tributação.

Com esses novos mecanismos de igualdade tributária, nova tendência, pode-se dizer que os órgãos devem respeitar a capacidade contributiva dos contribuintes. Trata-se, portanto, de acordo com doutrina, da necessidade da implantação da cultura do respeito aos princípios constitucionais e da imposição da obediência a eles.

A segurança jurídica é reconhecida como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta, é indispensável para um Estado que pretenda ser Estado de Direito. Por outro lado, considerando a estrutura dos Poderes sabemos que pode influenciar na dispersão ou no respeito aos princípios constitucionais.

1. A importância dos princípios constitucionais e a sua natureza jurídica

A jurisprudência é instrumento imprescindível para assegurar a isonomia, segurança jurídica e a previsibilidade do direito. É, ainda, mecanismo de orientação de conduta para as pessoas.

Nesse sentido, os princípios constitucionais prestigiados em jurisprudências consolidadas tornam-se previsíveis fontes de pauta de conduta, ou seja, direcionam comportamentos.

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Para melhor compreensão, é importante dizer que princípio significa a origem, o início de alguma coisa, onde em matéria filosófica Platão definia o princípio como fundamento de raciocínio e Aristóteles entendia princípio como a premissa maior de uma demonstração. Por outro lado, para Kant o entendimento que princípio é "toda proposição geral que pode servir como premissa maior num silogismo".1Os princípios são uma orientação de caráter geral, inicial, que servem de fundamento para o desenvolvimento de um raciocínio.

Para Roque Carrazza, princípio pode ser enunciado: "princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam".2A ideia fundamental dos princípios jurídicos é servir de base e orientação para construção e aplicação das normas jurídicas estabelecidas em dado ordenamento.

Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que os princípios jurídicos são os enunciados fundamentais que regem os ordenamentos jurídicos, que: "tem definição invulgar sobre estes princípios, que merece ser sempre lembrada. Para ele, princípio é mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativa, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico".3A maioria da doutrina tem entendimento uníssono sobre a definição dos princípios jurídicos, como uma norma dotada de grande abrangência, vale dizer, de universalidade e de perenidade. Os princípios jurídicos constituem, por isto mesmo, a estrutura do sistema jurídico. São os princípios jurídicos os vetores do sistema.

Nesse sentido, sobre a importância e função dos princípios jurídicos, o mestre Roque Antonio Carrazza tem brilhante definição:

"(...) por comodidade didática, de uma analogia sempre feita por Geraldo Ataliba e Celso Antônio Bandeira de Mello, podemos dizer que o sistema jurídico ergue-se como um vasto edifício, onde tudo está disposto em sábia arquitetura. Contemplando-o, o jurista não só encontra a ordem, na aparente complicação, como identifica, imediatamente, alicerces e vigas mestras. Ora, num edifício tudo tem importância: as portas, as janelas, as luminárias, as paredes, os alicerces etc. No entanto, não é preciso termos conhecimentos aprofundados de Engenharia para sabermos que muito mais importante que as portas e janelas (facilmente substituíveis) são os alicerces e as vigas mestras. Tanto que, se de um edifício, retirarmos ou destruirmos uma porta, uma janela ou até mesmo uma parede, ele não sofrerá nenhum abalo mais sério em sua estrutura, podendo ser reparado (ou até embelezado). Já, se dele subtrairmos os alicerces, fatalmente cairá por terra. De nada valerá que portas, janelas, luminárias, paredes etc. estejam intactas e em seus devidos lugares. Com o inevitável desabamento, não ficará pedra sobre pedra. Pois bem, tomadas as cautelas que as comparações impõem, estes ‘alicerces’, ‘vigas-mestras’ são os princípios jurídicos, ora objetos de nossa atenção".4Os princípios jurídicos, entretanto, não devem ser considerados isoladamente, mas sim em conjunto, dentro da noção de sistema

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jurídico. Carrazza conceitua sistema como sendo "a reunião ordenada de várias partes que formam um todo, de tal sorte que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras. As que dão razão às outras chamam-se princípios e o sistema é tanto mais perfeito, quanto em menor número existam".5

No mesmo sentido, Geraldo Ataliba sustenta que "os elementos de um sistema não constituem o todo, com sua soma, como suas simples partes, mas desempenham cada um sua função coordenada com a função dos outros".6O sistema jurídico é um conjunto coeso de normas e princípios, que se compatibilizam mutuamente e se materializam no ordenamento jurídico. Na sua caracterização realmente visualiza-se um conjunto, entretanto seus elementos devem estar coordenados, formando um todo unitário. Tratando-se de um sistema, o ordenamento jurídico não é um amontoado de normas, mas sim um conjunto de normas e princípios, em coerência...

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