Sistemática de Solução de Controvérsias do Mercosul: o Protocolo de Brasília e o Protocolo de Olivos
Autor | Eliane M. Octaviano Martins |
Cargo | Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina - PROLAM/USP |
Páginas | 12 |
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O presente estudo objetiva analisar o sistema de solução de controvérsias no Mercosul e respectivas inovaçotilde;es advindas do Protocolo de Olivos (PO) cujos precedentes da sistemática do PO se consubstanciam na Decis&ão do Conselho do Mercado Comum (DEC. CMC nº 25/00).
Inicialmente, analisar-se-á o sistema originário de soluçotilde;es de controvérsias no Mercosul retratado pelo Protocolo de Brasília (PB) e pelo Protocolo de Ouro Preto (POP) indicando sua eficácia e sistemática procedimental.
Em subseqüência, será traçada abordagem do Protocolo de Olivos (PO), que institui um novo sistema de solução de controvérsias no Mercosul.
Finalizando a análise temática, pretende-se referenciar a eficácia da sistemática operacional atual consubstanciada no PO e sua contextualização prática.
O sistema originário de solução de controvérsias do Mercosul se baseava, inicialmente, no Protocolo de Brasília (PB), de 19911 , e no Anexo ao Protocolo de Ouro Preto (POP), de 1994.
Todavia, desde o julgamento dos três primeiros laudos arbitrais no Mercosul. foram detectadas algumas deficiências presentes no Protocolo de Brasília (PB) e se desponta a necessidade de instituição de uma nova sistemática visando à necessidade de garantir a correta interpretação, aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do processo de integração e do conjunto normativo do Mercosul2 .
Na DEC. CMC nº 25/00, adotada durante a XVIII Reuni&ão do Conselho do Mercado Comum (Buenos Aires, 29/ V/00), delegou-se ao Grupo Ad Hoc de Aspectos Institucionais (GAHAI) a feitura de uma proposta integral acerca do aperfeiçoamento do Sistema de Solução de Controvérsias do Protocolo de Brasília. Assim, a temática foi incluída na Agenda de Relançamento do Mercosul que encomendou ao Grupo Mercado Comum (GMC) a elaboração de propostas de alteração do sistema de solução de controvérsias.
Consubstanciada na análise do GAHAI acerca do aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias, foi adotada a DEC. CMC nº 65/00.
A partir de ent&ão, foi realizada uma série de encontros internacionais para proceder ao debate acerca do projeto de reformas ao sistema de solução de controvérsias no Mercosul.
Neste cenário, o texto do Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias no Mercosul foi assinado em 18 de fevereiro de 2002, derrogando expressamente o PB. O PO está em vigor internacionalmente desde janeiro de 20043. No Brasil o PO foi ratificado pelo Decreto Legislativo 712/03 e promulgado pelo Decreto 4.982/04.
Destarte, o Protocolo de Olivos (PO) objetivou implementar nova sistemática, de forma consistente, e, visando consolidar a segurança jurídica, uma maior juridicidade e a melhoria procedimental do sistema de solução de controvérsias no Mercosul.
Sob a égide da sistemática do Protocolo de Brasília (PB), permitia-se julgar alegaçotilde;es de incumprimento das normas do Mercosul4 feitas por um Governo contra outro Governo, ou por um agente privado, que acionava seu Governo e este encaminhava o caso ao Governo do país objeto da reclamação - se considerasse a demanda justificada5
O PB previa três fases: I) Negociaçotilde;es diretas entre as partes na controvérsia (15 dias); II) Intervenção do GMC (30 dias); e III) Tribunal Arbitral Ad Hoc (60 a 90 dias).
Nos termos do art. 21 do PB, os laudos arbitrais eram "inapeláveis, obrigatórios para os Estados-Partes na controvérsia a partir da respectiva notificação e tinham, relativamente a eles, força de coisa julgada". Deviam ser cumpridos em 15 dias, exceto se outro prazo fosse fixado pelo Tribunal6 .
O mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul foi acionado diversas vezes. Nove laudos arbitrais foram elaborados sob a vigência do PB7:
No âmbito da sistemática de solução de controvérsias no Mercosul prevista no PB, possibilitavase aos Estados-Partes do Mercosul submeterem seus litígios ao sistema arbitral do Mercosul e/ou solicitarem a instalação de um painel na Organização Mundial do Comércio (OMC). Caracterizava-se a duplicidade de foro, visto que as disputas surgidas entre Estados-Partes de organizaçotilde;es de integração podem ser solucionadas tanto no âmbito regional quanto no multilateral8
Existia, portanto, a possibilidade de que um litígio fosse julgado por diferentes sistemas de controvérsias, sendo que a opção, geralmente, é feita pela parte demandante. Destarte, ocorria o chamado forum shopping, ou seja, a possibilidade de escolha, por parte do demandante, de submeter o litígio à jurisdição que lhe fosse mais conveniente9 .
Tal hipótese ocorreu na casuística envolvendo a Argentina sobre a reclamação feita pela República Federativa do Brasil à República Argentina sobre a Page 13 "aplicação de medidas antidumping contra a exportação de frangos inteiros, provenientes do Brasil (Res. 574/2000) do Ministério de Economia da República Argentina."
O caso foi analisado pelo Quarto Tribunal Arbitral, que decidiu serem os procedimentos de investigação e aplicação antidumping da Argentina razoavelmente aceitáveis e n&ão desviavam de sua finalidade. Assim, o Tribunal decidiu que o procedimento argentino referido e a Resolução ME 574/2000 do Ministério de Economia da Argentina com a qual culmina, n&ão constituíam um descumprimento da regra de livre circulação de bens no Mercosul.
O Tribunal decidiu n&ão anuir ao petitório da Parte Reclamante (Brasil) quanto à solicitação para que fosse declarado o descumprimento, pela Parte Reclamada (Argentina), das normas do Marco Normativo (MN) e que por tal raz&ão lhe ordenasse a revogação da resolução impugnada.
O Brasil, inconformado com a decis&ão, levou o caso à OMC que decidiu, em 2003, que a Argentina deveria modificar sua legislação de acordo com o disposto no Painel e as normas da OMC, o que será objeto de posterior análise.
A casuística ora analisada consagrou a duplicidade de foro, visto que o mesmo litígio foi submetido ao sistema arbitral (IV Laudo Arbitral) do Mercosul e também ao Órg&ão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC, sendo proferidas portanto, duas decisões sobre a temática10
O Protocolo de Olivos (PO), artigo 4º, estabelece que os Estados-Partes, numa controvérsia, procurar&ão resolvê-la, antes de tudo, mediante negociaçotilde;es diretas. Estas n&ão poder&ão, salvo acordo entre as partes, exceder o prazo de quinze dias a partir da data em que uma delas comunicou à outra a decis&ão de iniciar a controvérsia11. Os Estados-Partes em uma controvérsia informar&ão ao Grupo Mercado Comum, por intermédio da Secretaria Administrativa do Mercosul, sobre as gestões que se realizarem durante as negociaçotilde;es e os resultados das mesmas. Se, mediante as negociaçotilde;es diretas, n&ão se alcançar um acordo, ou se a controvérsia for solucionada apenas parcialmente, qualquer dos Estados-Partes na controvérsia poderá iniciar diretamente o procedimento arbitral12.
O novo sistema de solução de controvérsias do PO apresenta avanços significativos em relação à sistemática anterior do PB, dentre os quais se destacam:
-
criação de um Tribunal Permanente de Revis&ão (TPR);
-
implementação de mecanismos de regulamentação das Medidas compensatórias;
-
criação de normas procedimentais inspiradas no modelo da OMC, como as que determinam que o objeto da controvérsia seja limitado na reclamação e resposta apresentadas ao Tribunal Ad hoc;
-
intervenção opcional do GMC; e ) possibilidade de eleição de foro; e
-
possibilidade de Reclamação dos Particulares.
Inspirado no modelo da OMC, o TPR foi instalado dia 13 de agosto de 2004, em Assunção, Paraguai.
Ele será responsável por maior homogeneidade nas decisões proferidas no sistema do Mercosul, delegando maior estabilidade e confiabilidade.
O PO, inobstante derrogue expressamente o PB, n&ão adota um sistema permanente à solução de controvérsias para o Mercosul, conforme a previs&ão originária do Tratado de Assunção (TA)13. Mantém a transitoriedade, condicionando essa nova revis&ão à futura convergência de uma Tarifa Externa Comum para o Mercosul14. Ademais, o mecanismo de solução de controvérsias instituído pelo PO n&ão derroga o mecanismo de solução de diferendos existente no âmbito da Comiss&ão de Comércio do Mercosul, estabelecido pelo anexo do POP15
Efetivamente, destacam-se três funçotilde;es significativas para o TPR16: a função de instância recursal, a de órg&ão de instância única e a consultiva.
A sistemática implementada pelo POP n&ão abandona a figura dos tribunais arbitrais ad hoc17...
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