Os sistemas produtivos localizados: da definição ao modelo

AutorClaude Courlet
CargoProfessor de economia e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica sobre a Produção e o Desenvolvimento (Irepd) da Université Pierre-Mandès-France de Grenoble - França.
Páginas33-69
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2013v10n2p33
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
OS SISTEMAS PRODUTIVOS LOCALIZADOS: DA DEFINIÇÃO AO MODELO
1
Claude Courlet2
Resumo
Neste artigo, a disseminação de experiências de formação de sistemas produtivos
localizados é considerada como uma verdadeira mutação econômica, no atual
cenário de globalização. O autor apela à noção de território, entendida como uma
variável que nos permitiria explicar o êxito alcançado por esses novos sistemas
produtivos. A linha de argumentação adotada contesta a utilização de um conceito
de espaço visto como um simples suporte neutro, abrigando agentes econômicos
submetidos passivamente a leis externas de funcionamento que subestimam a
importância da dimensão territorial. O texto sugere que esse conceito pode ser
redefinido levando-se em conta a viabilidade de uma reestruturação econômica
baseada em inovações tecnológicas e num novo tipo de desenvolvimento para o
setor industrial.
Palavras-chave: Sistema produtivo localizado. Inovação tecnológica. Produção
flexível. Distrito industrial. Desenvolvimento territorial.
Introdução
Desde o início dos anos 1970, parece incontestável que assistimos a uma
nova distribuição espacial das atividades econômicas. Certamente, não se trata de
um fenômeno novo. Em outras “crises” no passado, emergiram zonas de
desenvolvimento entendidas como opção de enfrentamento das dificuldades
percebidas no nível do planejamento territorial. Porém, a amplitude da mudança é,
nos tempos atuais, especialmente importante. Ela influencia a redistribuição das
atividades econômicas entre os países e no interior de cada um deles. Ao longo das
três últimas décadas, novas abordagens vêm sendo propostas. O êxito que
encontram está diretamente relacionado ao seu poder de colocar em dúvida as
1 Este artigo foi apresentado oralmente no VI Congresso Internacional Sistemas Agroalimentares
Localizados - os SIAL face às oportunidades e aos desafios do novo contexto global em maio de
2013, na cidade de Florianópolis, SC, Brasil.
2 Professor de economia e p esquis ador do Instit uto de Pesquisa Ec onômica s obre a Produçã o e
o Desenv olvim ento (Irepd) da Universit é Pierre -Mandès-F rance de Grenobl e, Franç a. E-m ail:
claude .courlet@upmf-g renobl e.fr
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dicotomias tradicionais e, para muitas delas, de incorporar um viés prescritivo capaz
de favorecer o enfrentamento das causas estruturais da crise contemporânea.
Nesse contexto, marcado pela busca de renovação das estratégias de
pesquisa sobre o assunto, as análises dos distritos industriais ocupam um lugar de
destaque, mas as problemáticas se caracterizam por uma certa plasticidade teórica
e conduzem a uma reflexão a respeito do papel do território na dinâmica econômica,
com a aplicação da noção mais abrangente de Sistema Produtivo Localizado
(SPL).
1 A análise dos distritos industriais
Na literatura econômica mais recente, a noção de distrito industrial representa
um dos principais eixos com base, nos quais se cristalizou a reflexão consagrada às
relações entre as dinâmicas industriais e as dinâmicas territoriais. Herdado da
análise marshalliana, o conceito de distrito originou-se de duas fontes
complementares: uma, essencialmente teórica, proveniente da releitura da obra de
Alfred Marshall, em especial de uma parte dos seus trabalhos consagrados mais
especificamente à análise das realizações industriais; a outra, mais empírica,
originária principalmente da Itália, aborda o estudo das formas espaciais dos
processos de industrialização difusa, surgidas nas regiões do centro e do nordeste
da Itália, ao longo das décadas de 1960 e 1970.
2 A análise de Alfred Marshall
Apesar do interesse de Marshall pela questão dos distritos industriais estar
ligado ao enfrentamento do problema da localização das firmas, o enf oque analítico
que ele propõe mostra-se também apropriado para a compreensão da dinâmica
industrial (LECOQ, 1993). A questão da localização das atividades foi abordada ao
mesmo tempo no capítulo X do livro IV dos Principes d’économie politique (1890) e,
de maneira recorrente, em The economic of industry (1879) e Industry and trade
(1919). Nessas obras, o autor trata dos distritos industriais e das cidades
manufatureiras, valorizando a combinação dos fatores endógenos e exógenos
envolvidos na organização e no desenvolvimento das empresas.
Marshall indica as chances de funcionamento eficaz de uma dada
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organização industrial caracterizada pela existência de uma rede de pequenas
empresas: trata-se dos distritos industriais, que podem existir ao lado da produção
em larga escala. Na sua opinião, os primeiros indícios dessa forma de organização
industrial decorrem da existência de características específicas geográficas,
históricas, psicossociais e político-institucionais da região. Mas, sua consolidação ao
longo do tempo depende da formação das chamadas economias externas de
aglomeração, ou seja, das economias de produção e de transação capazes de
beneficiar uma dada empresa se ela estiver inserida numa aglomeração industrial
suficientemente grande.
A reflexão de Marshall sobre as empresas integradas em distritos é feita,
essencialmente, em termos de eficiência. Antes de mais nada, um distrito industrial
pode ser considerado eficiente se a divisão de trabalho nas empresas
especializadas estiver sendo bem organizada. Isso coloca em evidência um
elemento de importância fundamental que pode explicar o funcionamento eficaz de
um distrito, mas deixando a descoberto as vantagens de uma configuração territorial
concentrada. Com efeito, Marshall constata que existe em certos casos uma relação
entre a percepção das vantagens da especialização e a proximidade territorial, na
forma de uma localização comum das empresas num mesmo distrito (BELLANDI,
1987). Graças ao estabelecimento de contatos diretos e pessoais entre os agentes,
essa localização facilita as trocas, a circulação de novas ideias e a difusão das
inovações. O autor incorpora à análise elementos menos tangíveis, que se traduzem
pela expressão do ambiente industrial, fenômeno ligado à competência e à
experiência profissional dos trabalhadores de uma indústria concentrada num dado
local.
Finalmente, as economias externas de aglomeração são serviços gratuitos
que as empresas com esse perfil oferecem umas às outras, a saber: luta contra os
custos de transações, economias de escala, formação da mão de obra, circulação
das inovações, etc. Na opinião do autor, essas economias externas estão
firmemente implantadas territorialmente. O distrito configura, nesse sentido, uma
construção efetivada a partir de vantagens criadas e não herdadas (GAFFARD;
ROMANI, 1990). Em outras palavras, a eficácia de um sistema localizado formado
por pequenas empresas seria, em grande parte, o produto de sua inscrição
socioterritorial, não resultando exclusivamente do jogo conduzido entre as empresas
propriamente ditas como no caso da teoria dos polos de crescimento.

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