Direito ao Desenvolvimento e Terceirização: Interrelações entre os Sistemas Econômico, Jurídico, Político e Moral

AutorSaulo Tarcísio de Carvalho Fontes
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho, Mestre em Direito Público pela UFPE e Doutorando pelo Uniceub.
Páginas124-141

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I Introdução

O Ministro Arnaldo Süssekind tem história de vida e obra umbilicalmente ligada ao Direito do Trabalho no Brasil, tendo papel destacado no cenário do Direito Internacional do Trabalho, em especial por sua participação ativa na Organização Internacional do Trabalho.

Sendo um dos integrantes da Comissão que elaborou o projeto da Consolidação das Leis do Trabalho, sua obra marcou profundamente o Direito do Trabalho brasileiro, deixando vastas lições que servem de referencial teórico importante para abordagem do tema da terceirização, principal-mente pelo enfoque dos princípios do Direito do Trabalho, da constitucionalização do dos direitos sociais, que são trincheiras de resistência às condutas flexibilizantes que rompem com a estrutura de garantias, que, em última análise, representam, dentro do pacto constitucional, a preservação do pr incípio protofundamental da dignidade da pessoa humana.

A vasta obra acadêmica do Ministro Süssekind traz inúmeras abordagens sobre a terceirização, a responsabilidade do tomador da mão de obra e os princípios que norteiam o Direito do Trabalho, serviu de guia para os estudos do tema e prossegue iluminando as reflexões sobre a conjuntura atual e as perspectivas do futuro, podendo-se mencionar apenas exemplificativamente a obra coletiva Instituições de Direito do Trabalho1, Curso de Direito do Trabalho2, o enfoque constitucional no livro

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intitulado Direito Constitucional do Trabalho3, além de inúmeros artigos sobre princípios do Direito do Trabalho e a respeito do tema da terceirização, tais como: Cooperativas de Trabalho4 e Nova regulamentação do trabalho temporário e da terceirização dos serviços5.

Neste artigo de homenagem, aborda-se o tema específico da terceirização no ordenamento jurídico brasileiro diante das perspectivas de modificação da base normativa, bem como da interpretação e da aplicação do direito posto pelos tribunais6.

Adota-se metodologicamente uma análise através da Teoria dos Sistemas7, fazendo um corte epistemológico, com referência aos possíveis sistemas mais diretamente envolvidos no que tange ao tema objeto de investigação: a terceirização.

Aprofunda-se a análise para transpor o quadrante meramente jurídico, buscando-se uma abordagem intersistêmica, verificando as interações e inter-relações dos sistemas econômicos, jurídico, político e moral em suas influências recíprocas.

Examina-se a influência da economia na formação das normas legais disciplinadoras das relações de trabalho, em especial as que norteiam a terceirização, bem como a influência sobre a própria jurisprudência, mas também, o reverso, ou seja, a delimitação que o sistema jurídico impõe ao sistema econômico e, ainda, de que ponto de vista moral essas restrições se justificam.

Tenta-se demonstrar a influência dos valores morais do pacto político constitucional, concretizados na ideia de garantias sociais, um limite para as diferenças entre os homens, delineado pela inserção do mínimo de garantias e limite máximo para diferenças, que decorre do pacto fundante, que concretamente induz a que se estabeleça o denominado patamar mínimo de igualdade real e a ordem político-social dentro de um regime capitalista, que assegurou o direito de propriedade e a livre-iniciativa, mas impôs dentro desta ordem contrapartidas em atendimento a ideia de justiça distributiva.

Analisa-se a existência de balizas constitucionais para alteração ou aplicação de normas que versam acerca da intermediação de mão de obra, tratando do aspecto da responsabilidade jurídica do tomador da mão de obra, como também da formação da relação de emprego com aquele que se apropria da mais-valia sob a ótica dos direitos constitucionais assegurados no art. 7º da Constituição Federal e que decorre do pacto político que, em concessões recíprocas, dá sustentação à livre-iniciativa e à proteção da propriedade com garantias mínimas aos não detentores do capital.

Enfim os limites da terceirização são investigados para além de uma visão simplista, do que juridicamente está fixado ou possa vir a ser fixados nas regras legais ou ainda em seu quadrante de interesses meramente jurídicos. Analisa-se estes limites sobre o foco normativo constitucional em sua dimensão fundamente do sistema jurídico, assim como os fundamentos de justiça econômica e social, vinculado a repartição dos bens na sociedade, afastando-se de concepções econômicas imediatista e utilitaristas do crescimento a qualquer preço, da simples regência do mercado, para buscar-se fundamento econômico, ético e solidário para a vedação da terceirização ilimitada.

II Direito ao desenvolvimento e sua dimensões

Ao longo da história ocidental, tradicionalmente a pobreza e a riqueza foram tratadas como um fato que independia da correlação entre as pessoas

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e do pacto de sua convivência em uma sociedade organizada. De início, representava um verdadeiro destino traçado por Deus, ser pobre era uma fatali-dade, algo em relação ao qual o homem haveria de resignar-se, deveria apenas cumprir na terra aquilo que lhe fora destinado8.

Ainda quando ocorreu o deslocamento deste enfoque transcendental para justificar a pobreza e a riqueza, não se tinha uma visão muito clara de que ela decorria do sistema econômico, de opções políticas e sociais de estruturação da sociedade9.

Atribuía-se então à pobreza uma origem atávica, o pobre demonstrava ser inferior e impregnado de defeitos que resultavam em sua inadequação social, ressaltando-se a indolência, a ignorância, a predisposição para o vício10.

Apenas em fase posterior, como desenvolvimento científico da ciência econômica e social é que a questão da pobreza e da distribuição dos bens dentro da sociedade organizada passou a ser estudado de forma sistemática e racional, buscando-se as origens destes fatos, bem como se apontando soluções concretas para erradicação da pobreza11.

Ocorre que, mesmo diante desse prisma racional, soluções as mais diversas foram apontadas, especialmente na gestão econômica, como instrumento de desenvolvimento que permitisse a elevação da qualidade de vida das pessoas e a minimização dos problemas sociais.

Surgiram diversas correntes de pensamento, no entanto, grosso modo, podemos dividir em duas grandes linhas, quando fazemos referência às sociedades organizadas sobre o sistema capitalista e de livre-iniciativa: uma defende a posição econômica liberal, com menor intervenção do Estado, o que levaria ao crescimento econômico, ao aumento da riqueza, o que por si só elevaria a qualidade de vida de todos os integrantes da sociedade e, consequentemente, ao final, eliminaria a pobreza12.

Outros defendem uma atuação positiva e impositiva do Estado, com políticas de desenvolvimento, que permitam fomentar o crescimento global, direcionar o crescimento econômico para áreas estratégicas, conforme opção de política socioeconômica e, em especial, atender a uma política distributiva, com a melhor repartição da renda e da riqueza nacional13.

Esses debates levaram a uma diferenciação muito clara entre crescimento econômico e desen-

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volvimento econômico14, ficando demonstrado ao longo da história econômica recente que, os índices de crescimento econômico de determinado país ou região especificamente estudada, não implicam de um modo direto a melhoria da renda das pessoas, acontecendo algumas vezes, inclusive, durante períodos de rápido crescimento, a paradoxal situação de aumento da pobreza e da miséria, em decorrência da maior concentração de renda.

Outra nuance importante é entender-se o desenvolvimento econômico não apenas como o aumento da renda do país ou da renda pessoal dos seus habitantes, mas sim como desenvolvimento social, que envolve fatores múltiplos, de aferição mais complexa, que se vinculam à ideia de qualidade de vida, como o acesso à saúde, educação, a condições adequadas de trabalho digno, a possibilidade de desenvolvimento pessoal, ao meio ambiente saudável, dentre outros inúmeros fatores15.

A mensuração desta nova visão do desenvolvimento econômico é bem mais difícil e sujeita a variáveis e críticas estatísticas, mas alguns índices reconhecidos internacionalmente têm permitido uma visão bem aproximada da realidade e autorizando abordagens mais concretas sobre os efeitos das políticas públicas, como ocorrem com o conhecido IDH16.

Outra questão relevante ainda é a ideia de que o conceito de pobreza atualmente não pode ser parametrizado de modo estático, ou seja, que a elevação do nível de renda ou do mínimo de segurança alimentar, da saúde ou da educação, considerados em absoluto, não devem ser necessariamente interpretados como uma situação de erradicação da pobreza.

Os parâmetros devem ser dinâmicos, ou seja, em uma sociedade com maior riqueza, onde haja opulência das classes abastadas, com farta presença do capital, com elevados níveis de vida, não se pode estabelecer critérios para aferir aqueles que estariam fora da linha da pobreza, idênticos aos de países subdesenvolvidos, em situação precária, onde o acesso a alguns bens de consumo estão impossibilitados de um modo generalizado. Tampouco faz sentido se adotar critérios históricos de acesso a bens e serviços que correspondam às exigências de uma vida de outra época, de décadas passadas, e não à atual realidade econômica e social.

A conclusão a que se chega é que a definição do próprio nível de pobreza é relativa e comparativa, sem prejuízo do estabelecimento de critérios globais como referencial...

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