Sistema Progressivo - Mecanismo de transformação e reintegração (ou o que se espera dele)

AutorAlexandre Pontieri
CargoAdvogado; Pós-Graduado em Direito Tributário pelo CPPG - Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo; Pós-Graduado em Direito Penal pela ESMP-SP - Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo

A Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, no tópico que disciplina a "Aplicação da Pena" assim dispõe: "sob a mesma fundamentação do Código vigente o Projeto busca assegurar a individualização da pena sob critérios mais abrangentes e precisos.

Transcende-se assim, o sentido individualizador do Código vigente, restrito à fixação da quantidade da pena, dentro de limites estabelecidos para oferecer ao arbitrium iudices variada gama de opções, que em determinadas circunstâncias pode envolver o tipo da sanção a ser aplicada".

E, continua a mesma Exposição de Motivos: "As penas devem ser limitadas para alimentarem no condenado a esperança da liberdade e a aceitação da disciplina, pressupostos essenciais da eficácia do tratamento penal. Restringiu-se, pois, no artigo 75, a duração das penas privativas da liberdade a 30 (trinta) anos, criando-se, porém, mecanismo desestimulador do crime, uma vez alcançado este limite. Caso contrário, o condenado à pena máxima pode ser induzido a outras infrações, no presídio, pela consciência da impunidade, como atualmente ocorre.

Daí a regra de interpretação contida no artigo 75, § 2º: "sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, computando-se, para esse fim, o tempo restante da pena anteriormente estabelecida".

A Constituição Federal em seu artigo 5º, XLI, assim dispõe: A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

  1. privação ou restrição da liberdade;

  2. perda de bens;

  3. multa;

  4. prestação social alternativa;

  5. suspensão ou interdição de direitos;

Das Penas

Como definição, temos que "pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos1".

A ressocialização do condenado dar-se-á de forma progressiva seguindo os critérios de mérito do condenado.

Isso é o que disciplina o art. 112 da Lei de Execução Penal2: "A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso a ser determinada pelo juiz quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão."

O art. 126 da LEP3 dispõe: "O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena."

Nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt, "a reforma penal adotou, como se constata, um sistema progressivo de cumprimento da pena, que possibilita ao próprio condenado, através de seu procedimento, da sua conduta carcerária, direcionar o ritmo de cumprimento de sua sentença, com mais ou menos rigor.

Possibilita ao condenado ir conquistando paulatinamente a sua liberdade, ainda durante o cumprimento da pena, de tal maneira que a pena a ser cumprida não será sempre e necessariamente a pena aplicada. A partir do regime fechado, fase mais severa do cumprimento da pena, possibilita o Código a conquista progressiva de parcelas da liberdade suprimida"4.

Essa posição vai de encontro com o pensamento preconizado pela Escola da Nova Defesa Social que, como ensina o Professor Mirabete, "tem buscado instituir um movimento de política criminal humanista fundado na idéia de que a sociedade apenas é defendida à medida que se proporciona a adaptação do condenado ao meio social (teoria ressocializadora). Adotou-se, como assinala Miguel Reale Júnior, outra perspectiva sobre a finalidade da pena, não mais entendida como expiação ou retribuição de culpa, mas como instrumento de ressocialização do condenado, cumprindo que o mesmo seja submetido a tratamento após o estudo de sua personalidade. Esse posicionamento especialmente moderno procura excluir definitivamente a retributividade da sanção penal"5.

Respeito à Dignidade Humana do Preso

Atualmente parcela considerável da população, com o grande reforço dos meios de comunicação, considera inadmissível que os presos do sistema carcerário tenham direitos. É muito comum ouvirmos a seguinte afirmação: "os direitos humanos só servem para os presos".

Conforme preceitua a Constituição Federal, em seu artigo 1º, III, um dos Princípios Fundamentais, é o da "dignidade da pessoa humana".

"Seja como for, a dignidade da pessoa humana é o carro-chefe dos direitos fundamentais na Constituição de 1988"6.

A própria Constituição Federal assegura o respeito à integridade física dos presos quando dispõe, em seu artigo 5º, XLIX, que "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral".

E o artigo 38 do Código Penal, "o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral".

O Estado não pode ser vingativo. Deve, sim, resgatar o preso ao convívio social, dentro dos ditames dos Direitos Humanos. Todo tipo de reintegração ou reinserção social do condenado faz parte dos escopos do estado democrático de direito7.

A execução da pena não pode ser visto como algo estático, inerte, sem dinâmica, sem vida.

A Lei de Execução Penal8, representa, como lembra René Ariel Dotti, "um marco divisório entre a marginalização absoluta do condenado e a oportunidade para que ele exerça os seus direitos.9

E o mesmo Professor René Ariel Dotti ensina que, "trata-se, portanto, de individualizar a observação como meio prático de identificar o tratamento penal adequado em contraste com a perspectiva massificante e segregadora, responsável pela avaliação feita através das grades: olhando para um delinqüente por fora de sua natureza e distante de sua condição humana"10. Assim, se o Estado deseja seguir sua Carta Política, deve atentar criteriosamente para que sejam cumpridos os Princípios que lhe servem de norte.

Chega a ser compreensível que um cidadão deseje que um criminoso receba penas cruéis, degradantes, humilhantes e, até mesmo venha a receber a pena de morte.

Agora, o que não se pode admitir de um Estado que se presta a ser Democrático de Direito, é que esse mesmo Estado descumpra os ditames erigidos em sua Constituição Federal, além de Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos - ratificadas e amparadas em nosso sistema legal.11

Sistema Progressivo

O sistema progressivo das penas faz parte de nossa estrutura penal, alimentando no preso a idéia de que poderá atenuar sua pena, desde que tenha comportamento adequado e mostre-se apto a reintegrar a sociedade, depois de haver cumprido sua pena.

A Exposição de Motivos do Código Penal de 1940 já tratava da matéria dispondo:

"Para a individualização da pena, não se faz mister uma prévia catalogação, mais ou menos teórica, de espécies de criminosos, desde que ao juiz se confira um amplo arbítrio da aplicação concreta das sanções legais. Neste particular, o projeto assume um sentido marcadamente individualizador. O juiz, ao fixar a pena, não deve ter em conta somente o fato criminoso, nas suas circunstâncias objetivas e conseqüências, mas também o delinqüente, a sua personalidade, seus antecedentes, a intensidade do dolo ou grau da culpa e os motivos determinantes (art. 42). O réu terá de ser apreciado através de todos os fatores, endógenos e exógenos de sua individualidade moral e da maior ou menor intensidade da sua mens rea ou da sua maior ou menor desatenção à disciplina social. Ao juiz incumbirá investigar, tanto quanto possível, os elementos que possam contribuir para o exato conhecimento do caráter ou índole do réu - o que importa dizer que serão pesquisados o seu curriculum vitae, as suas condições de vida individual, familiar e social, a sua conduta contemporânea ou subseqüente ao crime, a sua maior ou menor periculosidade (probabilidade de vir ou tornar o agente a praticar fato previsto como crime). Esta, em certos casos, é presumida pela lei, para o efeito da aplicação obrigatória de medida de segurança: mas, fora desses casos, fica ao prudente arbítrio do juiz o seu reconhecimento (art. 77)".

O Código Penal de 196912, que acabou não sendo recepcionado em nosso ordenamento jurídico assim dispunha:

Manteve-se o sistema de dupla pena privativa da liberdade (reclusão e detenção), não obstante as sérias objeções contra o mesmo apresentadas. As múltiplas conseqüências dessa distinção, inclusive em matéria processual, desaconselhavam a unificação das penas privativas da liberdade. Sem compromissos de natureza doutrinária, afirma-se que as penas devem ser executadas de modo que exerçam sobre o condenado uma individualizada ação educativa, no sentido de sua recuperação social.

Constitui tendência muito viva, e acertada, nas legislações penais, a da ampliação dos poderes discricionários do juiz na aplicação da pena, com vistas à realização de uma Justiça material e à escolha da medida adequada para que se cumpram os fins das penas, dos quais não se exclui a justa retribuição. O sistema da lei vigente, obrigando à imposição da pena de reclusão, sem alternativas, é um dos motivos determinantes das graves distorções que atualmente se verificam na aplicação das leis penais. Os juízes resistem à aplicação de penas inadequadas e injustas.

A experiência com as prisões abertas é definitivamente vitoriosa, em nosso País e no estrangeiro. O projeto expressamente declara que as penas de detenção e reclusão podem ser cumpridas em estabelecimento penal aberto, sob regime de semiliberdade e confiança, desde que o condenado seja primário e de nenhuma ou escassa periculosidade, e a duração da pena imposta não seja superior a seis anos. Fixou-se esse limite, amplo, tendo-se em vista os estudos recentes que revelam não ter o quantum da pena grande significação na escolha dos delinqüentes mais aptos ao regime de prisão aberta.

A internação em...

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