Sistema financeiro imobiliário

AutorEduardo Salomão Neto
Páginas155-166

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I - Contratos de financiamento imobiliário
1. Introdução

A Lei n. 9.514, de 20 de novembro de 1997, criou o Sistema Financeiro Imobiliá-rio-SFI e dispôs sobre a concessão, a aquisição e a securitização de créditos imobiliários. O novo sistema busca fomentar os mercados primário (concessão do crédito) e secundário (negociação de títulos lastreados em recebíveis) de financiamentos imobiliários, através da criação de condições vantajosas de remuneração e de instrumentos especiais para a proteção dos direitos dos credores.

Estão compreendidas na nova sistemática as operações de financiamento imobiliário realizadas por caixas económicas, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos com carteira de crédito imobiliário, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e empréstimo, companhias hipotecárias e outras entidades que vierem a ser habitadas pelo Conselho Monetário Nacional (art. 49).

2. Condições contratuais

As condições do crédito imobiliário podem ser livremente pactuadas entre as partes, observados os seguintes princípios: (i) reposição integral do valor empregado e respectivo reajuste; (ii) remuneração do capital empregado às taxas convencionadas no contrato; (iii) capitalização dos juros; e (iv) contratação, pelos tomadores de financiamento, de seguros contra os riscos de morte e invalidez permanente (art. 59).

Continua aplicável, entretanto, a vedação à estipulação de correção monetária com período de referência inferior a um ano (art.29, § 1-da Medida Provisória n. 1.540-31, de 27 de novembro de 1997 e art. 59, § l9 da Lei n. 9.514/97).

Admite-se a capitalização dos juros (art. 59, III), ficando afastada, nesse contexto, a proibição estabelecida no artigo 49 do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933.

As operações de comercialização de imóveis com pagamento parcelado, de arrendamento mercantil de imóveis e de financiamento imobiliário em geral poderão ser pactuadas nas mesmas condições de remuneração do capital previstas para as operações de financiamento imobiliário (art. 59, § 29). Entidades não financeiras ficam portanto nessa hipótese autorizadas a aplicar, sobre as parcelas do preço, juros capitalizados e superiores a 12% a.a.

3. Garantias

A nova lei prevê cinco modalidades de garantias reais (art. 17): (i) hipoteca; (ii) cessão fiduciária de direitos creditórios

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decorrentes de contratos de alienação de imóveis; (iii) caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis; (iv) alienação fiduciária de coisa imóvel; e (v) anticrese.

A hipoteca é modalidade de garantia já utilizada em operações de financiamento. Segundo a nova sistemática, contudo, as hipotecas celebradas com pessoas físicas no âmbito do SFI podem ser constituídas através de escritura particular (art. 38), o que elimina os custos anteriormente associados à lavratura de instrumentos públicos.

A lei prevê ainda a cessão fiduciária de recebíveis imobiliários, através da qual o financiamento é garantido pela transferência efetiva de créditos ao financiador, que se torna desde logo seu proprietário, assumindo a obrigação de restituí-los assim que a dívida seja paga.

Nas cessões fiduciárias de recebíveis imobiliários fica dispensada a notificação dos devedores (art. 35). A dispensa de notificação, entretanto, tem por efeito apenas afastar a possibilidade de oposição de ex-ceções que os devedores eventualmente tenham contra o credor original (v.g. compensação). Não há, portanto, prejuízo ao devedor de boa-fé que, ausente a notificação, continue pagando ao antigo credor (cedente).

A título de comparação da cessão fiduciária com a caução de recebíveis, note-se que nesta última hipótese aplicam-se as regras gerais do penhor. A titularidade dos recebíveis não se transfere ao financiador, mas constitui direito real de garantia sobre o crédito caucionado. Exige-se a notificação do devedor para que a caução tenha efeito em relação ao mesmo, devendo o instrumento constitutivo da caução ser registrado em cartório de registro de títulos e documentos para ser oponível contra terceiros. Em caso de inadimplemento do financiado, não pode o financiador reter os créditos caucionados, devendo executá-los judicialmente (art. 765 do Código Civil).

A alienação fiduciária de bem imóvel, novidade introduzida pela Lei n. 9.514/97, é similar à alienação fiduciária de bem móvel, modalidade de garantia criada no fim dos anos sessenta e largamente utilizada no Brasil nos financiamentos para compra de bens duráveis de consumo. A alienação fiduciária de bem imóvel é definida como "negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, a propriedade resolúvel de coisa móvel" (art. 22).

Se a dívida é paga no modo ajustado, perde o financiador o domínio que lhe fora transferido, voltando o financiado a ser o proprietário do bem imóvel dado em garantia. Do contrário, vencida e não paga a dívida, consolida-se a propriedade fiduciária em nome do financiador, o qual deverá entretanto alienar o bem imóvel em leilão público para realizar o seu crédito (art. 27).

A consolidação da propriedade do bem imóvel na pessoa do financiador extingue a dívida do financiado mesmo que o valor do imóvel não baste para satisfazê-la (art. 27, § 59), diferentemente portanto da alienação fiduciária de bem móvel, em que o financiado continua pessoalmente obrigado pela quantia faltante.

De outro lado, o valor obtido com a alienação do imóvel em leilão público que exceder ao valor da dívida deve ser entregue ao financiado em cinco dias (art. 27 § 49).

A cessão do crédito garantido pela alienação fiduciária de bem imóvel transfere automaticamente a propriedade fiduciária do imóvel ao cessionário (art. 28) e dispensa notificação ao devedor (art. 35). Entretanto, a exemplo do que dissemos em relação à cessão fiduciária de créditos imobiliários, entendemos que a dispensa de notificação não prejudica os devedores de boa-fé que continuem pagando ao antigo credor.

Quando pactuada no âmbito do SFI com pessoa física, a alienação fiduciária de

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bem imóvel pode ser constituída através de escritura particular, a exemplo do que já dissemos em relação à hipoteca.

A alienação fiduciária de bem imóvel não é privativa das entidades que operam no SFI, podendo ser contratada por quaisquer pessoas físicas ou jurídicas (art. 22, parágrafo único).

Por fim, a nova lei prevê a possibilidade de utilização da anticrese como garantia de operações no âmbito do SFI que envolvam a locação de bens imóveis. Trata-se de modalidade de garantia de existência já secular mas pouco utilizada, em que o financiador adquire o direito à percepção dos frutos e rendimentos produzidos por bens imóveis a título de amortização do valor da dívida e/ou pagamento de juros.

II - Securitização de recebíveis imobiliários

A Lei n. 9.514, de 20 de novembro de 1997, que instituiu o Sistema Financeiro Imobiliário-SFI, incentiva a criação de um mercado secundário de créditos imobiliários mediante a disciplina da securitização desses créditos.

De acordo com o artigo 89 da referida lei, "a securitização de créditos imobiliários é a operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito". Embora já fosse possível a securitização de recebíveis antes da nova legislação, a disciplina introduzida tende a tornar a estrutura menos custosa e mais atrativa.

A securitização de créditos no âmbito do SFI é efetuada através de companhias securitizadas de créditos imobiliários, instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações, que tem por finalidade a aquisição e securitização dos referidos créditos. A atividade dessas companhias não é, contudo, adstrita à securitização, sendo-lhes admitido "realizar negócios e prestar serviços compatíveis com as suas finalidades" (art. 39).

Muito embora as companhias securiti-zadoras não estejam sob a fiscalização di-reta das autoriadades monetárias, uma vez que não são instituições financeiras, pode o Conselho Monetário Nacional fixar condições para o seu funcionamento (art. 39, parágrafo único).

As cessões de créditos imobiliários para companhias securitizadoras dispensam a notificação dos devedores (art. 35). A dispensa de notificação, entretanto, tem por efeito apenas afastar a possibilidade de oposição de exceções que os devedores eventualmente tenham contra o credor original (p. ex., compensação), não havendo, portanto, prejuízo ao devedores de boa-fé que continuem pagando ao antigo credor (cedente).

A captação de recursos pelas companhias securitizadoras pode ser efetuada através da emissão de quaisquer dos títulos já conhecidos (debêntures, notas etc), havendo sido criada ainda a possibilidade de emissão de novos títulos, denominados Certificados de Recebíveis Imobiliários -CRIs. Nos termos da lei, os CRIs são títulos de crédito de emissão exclusiva das companhias securitizadoras de crédito, com lastro em crédito imobiliário, livremente negociáveis, e que...

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