O sistema constitucional brasileiro e a competência tributária

AutorMaria Ângela Lopes Paulino Padilha
Páginas175-263
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1. O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
E A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
1.1 Noções propedêuticas sobre o sistema constitucio-
nal e a competência tributária
Compreendido como um conjunto de elementos relacio-
nados sob um princípio unificador, o sistema jurídico é ex-
pressão empregada para designar conjuntos proposicionais
nomoempíricos distintos: o sistema do direito positivo, corres-
pondente ao plexo de normas existentes aqui e agora, desti-
nadas a regular condutas interpessoais, e o sistema da Ciência
do Direito, definido como a reunião de enunciados científicos
que descrevem e tornam compreensível as normas jurídicas.
A racionalidade sistêmica do direito positivo deriva da sua
própria tessitura linguística prescritiva, a qual, aplicada para
motivar e alterar o comportamento humano no seio da socie-
dade, há de portar mínima ordenação lógico-racional para ser
assimilada pelos destinatários das mensagens jurídicas. Inse-
rido num contexto comunicacional, em que o enunciador da
mensagem jurídica realiza um ato de fala direcionado ao enun-
ciatário, o material bruto dos comandos legislativos já pres-
supõe a condição de sistema.192 Deveras, tanto o conjunto de
192. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 27. ed. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 147.
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MARIA ÂNGELA LOPES PAULINO PADILHA
enunciados, que fazem parte do plano de expressão S1, quanto
o conjunto das normas jurídicas organizadas segundo relações
de coordenação e subordinação, no arranjo do plano S4,193 as-
sumem foros sistemáticos.
O sistema do direito positivo é constituído por diferentes
subsistemas, cujas unidades normativas, alinhadas numa es-
trutura hierarquizada pela fundamentação ou derivação, vin-
culam-se de diferentes maneiras, reunindo-se debaixo de seu
fundamento último de validade semântica, que é a Constitui-
ção da República. Esta, na qualidade de vetor comum, respal-
dando todas as manifestações jurídicas, atribui o caráter uni-
tário ao conjunto normativo posto. “Sem a definição de uma
hierarquia entre os enunciados prescritivos não há caminhos
para decidir sobre a solução de conflitos ou antinomias entre
os distintos conteúdos normativos”.194
A Constituição, a seu turno, também consubstancia um
subsistema que, dada a sua posição sintática no ordenamen-
to, de máxima hierarquia, figura como o mais proeminente,
ocupando a camada súpera do sistema e alojando os traços di-
retivos fundamentais a imperarem sobre a integralidade dos
diversos institutos a serem criados pelo legislador comum. Ao
abrigo do subsistema constitucional estatuíram-se os direitos
e garantias fundamentais, a base axiológica sólida dos princí-
pios, a disciplina básica da ordem econômica e social, o regi-
me político, as diretrizes que informam a estrutura do Estado,
a sua forma de governo, bem como o modo de aquisição e o
exercício do poder, a organização de seus órgãos e os limites
da sua atuação.195 Destarte, é no altiplano constitucional que
encontramos os aspectos fundantes das várias entidades e
193. Cf. percurso gerador de sentido dos textos jurídicos proposto por Paulo de Bar-
ros Carvalho (vide item 2.1. – Parte 2).
194. BARRETO, Paulo Ayres. Ordenamento e sistema jurídicos. In: CARVALHO,
Paulo de Barros (Coord.). Contructivismo lógico-semântico. V. 1. São Paulo: Noeses,
2014, p. 256.
195. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 36.
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TRIBUTAÇÃO DE SOFTWARE
instituições por quem os focos ejetores de normas infraconsti-
tucionais hão de zelar, minimizando conflitos e alcançando o
equilíbrio harmônico no exercício legislativo.
Do subsistema das normas constitucionais, extraímos
outro subsistema: o subsistema constitucional tributário. Na
organização do Texto Maior, o legislador constituinte, embora
não modele a totalidade da matéria tributária, optou por criar
um conjunto extenso e complexo de prescrições, desenhando,
em miúdos e de forma tesa, os contornos essenciais desse sub-
sistema jurídico. Cuidou, assim, de erigir princípios constitu-
cionais tributários e garantias fundamentais do contribuinte,
classificar as espécies de tributos, partilhar receitas fiscais,
destinar o produto arrecadado, discriminar competências,
dentre outros assuntos lindeiros da persecução tributária.
Em razão da particularizada e abundante disciplina tri-
butária plasmada pelo constituinte, assevera Geraldo Atali-
ba196 que a nossa Carta Republicana não se caracteriza pela
plasticidade e elasticidade jurídicas, próprias das constitui-
ções sintéticas e genéricas que autorizam o legislador a agir
em ampla esfera de liberdade para adaptar o sistema tributá-
rio às necessidades emergentes ou às solicitações das muta-
ções sociais e econômicas. Ao contrário, a nossa Constituição,
marcada pela rigidez em matéria de fixação de competência
tributária e formas de seu exercício, não deixou margem – ju-
rídica – para grandes desenvolvimentos e integração pela legis-
lação ordinária, e menos ainda, pelos costumes, colaborando
restritivamente o legislador infraconstitucional brasileiro no
delineamento jurídico das feições e traços fundamentais do
sistema tributário.
Do leque de assuntos fiscais versados pela Carta de 1988
estão os comandos específicos que repartem as competências
legislativas entre as pessoas políticas – União, Estados, Distri-
to Federal e Municípios – para instituir tributos e legislar, em
196. ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1968, p. 14-15.

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