Sinergias e conflitos entre dinâmicas territoriais de desenvolvimento no litoral do Estado de Santa Catarina

AutorClaire Marie Thuillier Cerdan - Mariana Aquilante Policarpo
CargoDoutora em Geografia Humana, Econômica e Regional pela Universidade de Paris-Nanterre,França - Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas142-180
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2013v10n2p142
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
SINERGIAS E CONFLITOS ENTRE DINÂMICAS TERRITORIAIS DE
DESENVOLVIMENTO NO LITORAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA
1
Claire Marie Thuillier Cerdan2
Mariana Aquilante Policarpo3
Resumo:
O artigo oferece uma síntese dos principais resultados de um projeto vinculado a um
programa de pesquisas comparativas sobre Dinâmicas Territoriais Rurais na
América Latina. A zona costeira do Estado de Santa Catarina foi assumida como
unidade experimental de análise, com base num modelo que leva em conta as
complexas inter-relações envolvendo stakeholders, arranjos institucionais e
modalidades de apropriação e uso da base de recursos naturais costeiros. As
autoras caracterizam os múltiplos efeitos das dinâmicas processadas no litoral
catarinense em termos de crescimento econômico, de inclusão social, de
descentralização política, de valorização da bio/sociodiversidade e, também, de
viabilidade socioecológica. Num primeiro momento, são mapeadas as principais
características do litoral catarinense, levando em conta as profundas transformações
que têm marcado sua evolução nas últimas décadas. Em seguida, são evidenciados
(i) a coexistência de três dinâmicas territoriais bem articuladas; e (ii) os fatores
explicativos dessas dinâmicas, sob o pano de fundo da especificidade da trajetória
de desenvolvimento do litoral catarinense. O texto coloca em destaque as relações
de sinergia/dependência/concorrência entre essas dinâmicas e reúne evidências que
atestam que esse fenômeno tem favorecido o surgimento de novas coalizões, de
novas iniciativas públicas ou privadas, de novos projetos coletivos e de dinâmicas
territoriais híbridas. Neste sentido, as autoras identificam um conjunto de iniciativas
de valorização do patrimônio cultural, num processo voltado para a melhoria das
oportunidades de inclusão socioeconômica e sociopolítica das comunidades
tradicionais de pescadores e agricultores familiares de origem açoriana sediados na
1 Artigo apresentado oralmente no VI Congresso Internacional sobre Sistemas Agroalimentares
Localizados - os SIAL face às oportunidades e aos desafios do novo contexto global, realizado em
maio de 2013, em Florianópolis, SC, Brasil. Os autores agradecem à equipe que colaborou na
implementação deste estudo: Melissa Vivacqua, Adinor Capellesso, Helio Castro Rodrigues,
Benjamin Martinel, Eduardo Cordeiro, Anais Lesage, Francisca Meynard, Aglair Pedrosa, Caetano
Beber, Maiara Leonel Pereira, Sérgio Pinheiro e Paulo Freire Vieira, sem esquecer as contribuições
de várias lideranças comunitárias sediadas no litoral catarinense.
2 Doutora em Geografia Humana, Econômica e Regional pela Universidade de Paris-Nanterre,
França. Professora do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, SC, Brasil e pesquisadora do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa
Agronômica para o Desenvolvimento (CIRAD), França. E-mail: claire.cerdan@cirad.fr
3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de
Santa Catarina e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES). E-mail: mariana_policarpo@hotmail.com
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zona costeira. Finalmente, ressaltam que as novas políticas de desenvolvimento
territorial rural em curso, atualmente, estão apontando no sentido da formação de
um novo padrão de ação pública que parece depender, para a sua efetivação, de um
incremento substancial da qualidade das iniciativas locais e também da
consolidação de uma autêntica comunidade cívica.
Palavras-chave: Desenvolvimento territorial sustentável. Recursos territoriais
costeiros. Sistemas produtivos localizados. Comunidades tradicionais. Comunidade
cívica.
Introdução
Neste artigo, estão condensados os principais resultados alcançados por um
projeto vinculado a um programa latino-americano de pesquisas comparativas sobre
Dinâmicas Territoriais Rurais-DTR. A zona costeira do Estado de Santa Catarina, no
sul do Brasil, foi assumida como unidade de análise de dinâmicas inovadoras de
desenvolvimento rural com identidade cultural (RANABOLDO; SCHEJTMAN, 2009).
Procuramos avaliar em que medida as comunidades tradicionais de
pescadores/agricultores de origem açoriana que habitam essa região vêm se
inserindo no atual contexto de dinamização socioeconômica do litoral catarinense.
Neste sentido, as complexas inter-relações envolvendo (i) os padrões de
interação dos vários atores sociais em jogo; (ii) os arranjos institucionais em vigor; e
(iii) as modalidades de apropriação e uso da base de recursos naturais e culturais,
constituíram as variáveis centrais utilizadas na busca de compreensão dos múltiplos
efeitos dessas dinâmicas relativamente ao ideal-regulativo de compatibilização de
critérios econômicos, sociais e ecológicos. Neste sentido, o enfoque analítico foi
construído com base numa revisão da literatura recente sobre os conceitos de
ecodesenvolvimento e desenvolvimento territorial.
No período de 2009 a 2010, foi realizado, inicialmente, um diagnóstico
panorâmico da região em pauta, apoiado em pesquisas bibliográficas e análise
documental. Na etapa seguinte, a equipe se concentrou na identificação de
inovações sociotécnicas que poderiam ser consideradas pertinentes do ponto de
vista do enfoque híbrido de desenvolvimento territorial sustentável (DTS) que
adotamos. Investigamos também os padrões de interação envolvendo atores
vinculados aos setores governamental, empresarial e da sociedade civil, como parte
de uma análise prospectiva de alternativas de DTS. A coleta de dados primários
contemplou a aplicação de questionários, a realização de entrevistas e a
participação da equipe em eventos (seminários e oficinas comunitárias) em duas
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áreas com perfis contrastantes: o litoral centro-norte (LCN) e o litoral centro-sul
(LCS). Ambos abrigam, respectivamente, quatro e três municípios, com uma
população estimada atualmente em 249.387 habitantes (IBGE, 2010).
1 Características do modelo catarinense de desenvolvimento
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territorializadas de desenvolvimento sustentável no Brasil, a singularidade da
trajetória verificada no estado de Santa Catarina tem sido amplamente reconhecida,
tanto na comunidade científica quanto na esfera governamental (VIEIRA, 2002).
Trata-se de um dado importante na busca de compreensão dos fatores
condicionantes das dinâmicas consideradas economicamente positivas
4 no País.
Na literatura, três fatores condicionantes desses avanços têm sido
destacados sobre o assunto.
Inicialmente, a singularidade do processo de colonização e a formação
de um tecido social coesivo. A ocupação do território catarinense iniciou-se com a
instalação de imigrantes dos Açores (Portugal), entre os séculos XVII e XVIII,
impondo suas características culturais à população indígena ali sediada. A partir da
segunda metade do século XIX, ocorreu uma expressiva corrente imigratória
europeia em Santa Catarina, composta de agricultores e artesãos, principalmente
italianos e alemães. O espaço rural foi assim organizado com base em práticas
agrícolas trazidas por estes imigrantes e caracterizadas pela predominância de
pequenas explorações familiares (em lotes de até 30 hectares) de policultura-criação
e artesanato-domiciliar. Ao longo dos vários ciclos econômicos, foram se
intensificando as interações entre as diferentes comunidades (europeias e
açorianas), sediadas no litoral e no interior do Estado. Esses processos favoreceram
a formação de comunidades relativamente homogêneas, do ponto de vista da
organização sociocultural, compartilhando uma história e uma ética do trabalho
marcada pela valorização da autonomia local e das relações de ajuda mútua na
esfera interfamiliar. Esse tecido social coesivo é considerado na literatura existente
4 O Produto Interno Bruto (PIB) de Santa Catarina se destaca pelo montante estimado, em 2006, em
R$ 93.173.498,37, correspondendo a um PIB per capita de R$ 15.814, superior ao da média nacional
(R$12.688) (IBGE, 2006).

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