A Síndrome da Alienação Parental e o Direito à Convivência Familiar

AutorBárbara Maria Garcia Cortez; Raquel Stefane Costanti
Páginas262-271

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1. Introdução

As famílias da sociedade contemporânea apresentam, entranhadas em seus alicerces, a chamada “Síndrome da Alienação Parental”. Uma moléstia que germina, ordinariamente, em momentos de fragilidade da estrutura familiar, como por exemplo durante um processo de divórcio judicial.

Esta síndrome caracteriza-se por ser uma agressão ao psicológico da criança e do adolescente. Cuja natureza é gravíssima, uma vez que, os autores dos abusos morais são os próprios genitores da criança. Os mesmos que, por determinação coercitiva do Estado e pelos princípios morais que circunscrevem o preceito de “família”, praticam tamanha violência.

De acordo com os mandamentos de Direito Civil e os conceitos trazidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, as vítimas da alienação parental são os ditos relativamente ou absolutamente incapazes. Para os quais, cabe ao Estado e, principalmente, aos pais, garantir o desenvolvimento saudável e a proteção de eventuais riscos.

A sociedade contemporânea, caracterizada por suas contínuas mudanças, concretiza a incidência da Teoria Tridimensional do Direito, desenvolvida pelo renomado jurista brasileiro Miguel Reale. Explico; tais mudanças ininterruptas materializam o fato; no caso em tela, a síndrome da alienação parental.

Por fim, a norma, responsabilidade e dever do Estado soberano de Direito, tem por objetivo regulamentar as mudanças da sociedade, para que esta possa se desenvolver com estabilidade e segurança.

Nesse contexto, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que introduz genericamente a proteção nos casos de alienação parental, como por exemplo nos seus arts. 100 e 101. Já mais especificamente, a Lei n. 12.318/10, chamada Lei de Alienação Parental, tipificou a conduta do alienador e instituiu punições.

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Neste sentido é que serão analisados, a seguir, alguns dos detalhes da síndrome da alienação parental, levando em consideração principalmente a importância do debate do tema e a sua relação com o princípio do melhor interesse da criança.

2. Natureza jurídica da síndrome da alienação parental

O vernáculo da língua portuguesa proporciona inúmeros preceitos capazes de distinguir ou caracterizar algo. Portanto, preliminarmente, faz-se necessário esmiuçar o termo “Síndrome”.

Síndrome deriva da palavra grega “syndromé”, cujo significado é “reunião”. O termo é bastante utilizado pela Medicina e pela Psicologia, para fins de caracterização de um conjunto de sinais e sintomas que definem uma determinada patologia ou condição.

Entretanto a medicina faz sua ressalva, que “síndrome” não deve ser entendida como uma doença. E sim deve designar um conjunto de características, as quais, quando associadas a situações críticas, podem suscitar temor ou insegurança.

A Síndrome da Alienação Parental enquadra-se perfeitamente ao conceito adotado pela Medicina e pela Psicologia. Uma vez que a alienação parental nada mais é do que o resultado causado pela imaturidade emocional e psicológica dos pais de crianças ou adolescentes, ao dissolverem a socie-dade conjugal.

A alienação parental surge, principalmente, após a dissolução do casamento, durante a disputa judicial do menor. Quando um dos cônjuges a inconformado com os motivos que dilaceraram a relação entre o casal, utiliza os filhos como instrumento de vingança, seja de maneira consciente ou não.

Segundo o entendimento do psiquiatra americano Richard Gardner, a Síndrome da Alienação Parental “é o processo de programar uma criança para que odeie o genitor sem qualquer justificativa. Trata-se de verdadeira campanha para desmoralizar o genitor. A criança é utilizada como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro” (DIAS,
p. 2)1.

É perceptível que o mais prejudicado desta conflituosa relação é a criança, que, em função dos problemas mal resolvidos entre o casal, sofre as cóleras destes, que não são capazes de separar os problemas relacionados à relação conjugal e a obrigação do Poder Familiar.

Sob a óptica da Constituição Federal de 1988, o Poder Familiar compreende um conjunto de obrigações e direitos legalmente estabelecidos aos pais. Estes, de maneira equânime, detêm em relação aos filhos o exercício do Poder Familiar, tendo em vista o melhor interesse do menor2 (SCALQUETTE, 2014).

É obrigação dos pais, estejam eles casados ou não, proteger e resguardar seus filhos de possíveis males que possam comprometer sua formação moral e cultural.

3. Visão psicológica acerca da alienação parental

Segundo Maria Berenice Dias, o término da vida conjugal pode gerar inúmeros sentimentos nos cônjuges, como por exemplo o sentimento de abandono, rejeição e traição. Como consequência desta miscelânea sentimental, aquele que não consegue assimilar a separação tem uma forte tendência a desenvolver um desejo de vingança.

A alienação parental pode ser descrita como um jogo de manipulação, no qual o genitor alienador afasta a criança ou o adolescente do outro cônjuge, distorcendo a realidade e implantando nela as frustrações pessoais.

O cônjuge inconformado inicia um processo, objetivando a destruição e desmoralização do excônjuge perante seus filhos. Diante deste quadro, o menor é induzido a rejeitar o genitor, tornando-se, muitas vezes, agressivo.

Aos olhos da criança, o alienador passa a ser um modelo a seguir, praticamente herói, destituído

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de qualquer defeito. Em contrapartida, o genitor alienado torna-se um estranho, um intruso na relação afetiva, sendo alvo de ódio.

O menor, ao absorver as antipatias de seu guardião alienador, passa a repudiar o alienado, não mais identificando a existência de uma relação afetiva anterior.

Esta Síndrome da alienação parental, que assombra a sociedade contemporânea, deve ser entendida como uma forma de abuso emocional da criança e do adolescente. A alienação coloca em risco a saúde emocional destes, uma vez que esta tortura psicológica compromete o desenvolvimento saudável.

Os efeitos da alienação acompanham sua vítima até a fase adulta. Os resquícios deixados por este “joguete” emocional são irreparáveis. A pessoa que na infância sofreu este mal apresenta dificuldades nas relações interpessoais. Os adultos que um dia foram influenciados pelas decepções de seus pais demonstram dificuldade em abrir espaço para relações afetivas duradouras, uma vez que não conseguem confiar no outro.

4. Mecanismos de proteção da criança e do adolescente

Os mecanismos de proteção à criança e ao adolescente são recursos desenvolvidos pelo Estado no intuito de atenuar e neutralizar os impactos causados por agressões à integridade física e psíquica do menor.

No Brasil, existem diversos mecanismos que atuam como escudos nos interesses da criança e do adolescente. Dentre esses meios destacam-se a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (Decreto n. 99.710/90), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) e a Lei de Alienação Parental (Lei n. 12.318/10).

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990 por meio do Decreto n. 99.710/90, em seu art. 3.1, determina que todas as ações relativas às crianças devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 13 de julho de 1990, regu-lamenta o art. 227 da Constituição Federal de 1988, que dispõe, in verbis:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Por meio da regulamentação minuciosa, o Estatuto assegura, indistintamente, a proteção dos direitos fundamentais de toda e qualquer criança e todo adolescente, garantindo-lhes o pleno exercício da cidadania.

A Lei n. 12.8318/10 dispõe especificamente sobre Alienação Parental, conceituando-a como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”, como assim dispõe o art. 2º da referida lei.

Esta síndrome assombra a sociedade contemporânea desde o advento da possibilidade de dissolução da sociedade conjugal. Esta nova formação familiar, constituída por apenas um dos cônjuges, permitiu à alienação parental fazer-se presente na realidade das crianças e dos adolescentes.

Diante da crise estrutural familiar, a Lei de Alienação Parental objetiva coibir a prática do alheamento de um dos cônjuges. A Lei confere ao Estado-juiz mais poder, para dirimir as lides familiares, que têm como maior vítima a criança.

4.1. O estatuto da criança e do adolescente e o princípio do melhor interesse da...

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