Sindicância

AutorEdson Jacinto da Silva
Páginas369-383

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Para melhor entendimento desse instituto, partiremos da conceituação da palavra sindicância (derivada do grego “súndikós”), e que significa sindicação, averiguação, inquérito, função do síndico ou desempenho dessa função.

Conceituando sob o ponto de vista do direito administrativo, sindicância nada mais é que o procedimento pelo qual o sindicante, aquele que é incumbido de realizar a investigação administrativa, reúne num caderno processual as informações obtidas, com a finalidade de esclarecer determinado ato ou fato, cuja apuração é de interesse da autoridade que determinou a sua instauração.

Di Pietro produziu o seguinte entendimento:

No idioma de origem, os elementos componentes da palavra sindicância, de origem grega, são o prefixo syn (junto, com, juntamente com) e dic (mostrar, fazer ver, pôr em evidência), ligando-se este segundo elemento ao verbo deiknymi, cuja acepção é mostrar, fazer, ver. Assim, sindicância significa, em português, à letra, a operação cuja finalidade é trazer à tona, fazer ver, revelar ou mostrar algo, que se acha oculto.352Segundo o magistério dos grandes mestres Átila J. Gonzalez e Ernomar Octaviano:

A sindicância pode ser de natureza privada ou oficial, conforme se realize no campo da empresa particular ou no âmbito da administração pública. A sindicância é, acima de tudo, um meio preventivo e cautelar que evita decisões temerárias, ao mesmo tempo que poupa à empresa particular e a administração exporem seus empregados ou servidores a despedidas ou processos injustos, prevenindo despesas e danos eventuais de natureza moral.353

José Cretella Júnior assim define a sindicância administrativa:

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o meio sumário de que se utiliza a administração do Brasil para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço público, as quais, confirmadas, fornecerão elementos concretos para a imediata abertura de processo administrativo contra funcionário público responsável. (...) Não se trata de procedimento temerário da administração, consistindo, ao contrário, em operação preliminar, realizada “ad cautelam”, que inúmeras vezes poupa ao Estado processos demorados e dispendiosos, ao mesmo tempo em que livra o servidor público de se envolver, gratuitamente, nas malhas de processo administrativo dentro da qual teria de defender-se, quer fosse o causador de irregularidade ou não.354Assim, temos que a sindicância administrativa é o procedimento preliminar, que não possui rito obrigatório, mas cuja importância é tanta que Egberto Maia Luz afirma:

É absolutamente correto dizer que a sindicância está para o processo administrativo assim como o inquérito policial está para o processo criminal. É uma relação tão perfeita, que a similitude bem define as hipóteses. Ambos servem de base, respectivamente, para a instauração da apuração disciplinar regular, com recursos mais amplos e mais dilatados para a fase probatória processual, e o inquérito, de igual forma, possibilita a efetiva instrução penal com a precedente elucidação dos fatos imputados, e conveniente fixação da responsabilidade que será ou não julgada procedente.355

Segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles:

Sindicância administrativa é o meio sumário de elucidação de irregularidade no serviço para subsequente instauração de processo e punição ao infrator, pode ser iniciada com ou sem Sindicado, bastando que haja a indicação de falta a apurar, não tem procedimento formal, nem exigência de comissão sindicante, podendo realizar-se por um ou mais funcionários designados pela autoridade competente. Dispensa defesa do sindicado e publicidade no seu procedimento, por se tratar de simples expediente de verificação de irregularidade, e não de base para a punição equiparável ao inquérito policial em relação à ação penal. É o verdadeiro inquérito administrativo, que precede o processo administrativo disciplinar. Entretanto Sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade de defesa para a sua validade da sanção aplicada.356Diante dessas abalizadas conceituações, temos então que sindicância é, na verdade, uma peça informativa do processo disciplinar, e de seu interior normalmente surgem elementos que são fundamentais para se apurar a responsabilidade do sindicado, que é a pessoa objeto da sindicância.

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Como bem observa José Cretella Jr.:

A sindicância, não se confunde com o processo administrativo... sob a forma de precisão matemática, que a sindicância está para o processo administrativo do mesmo modo que o inquérito policial para o processo penal.357

Diante de tais conceituados magistérios, cabe-nos neste ato prestar alguns esclarecimentos que julgamos oportunos, pois, embora as colocações dos mestres citados deixem claro existir entre os dois procedimentos (Inquérito Policial e Sindicância) uma finalidade comum, que é servir de base para o processo penal e o processo administrativo disciplinar, na verdade cada procedimento possui outras peculiaridades que merecem serem destacadas. Por exemplo: o Inquérito Policial não poder ser arquivado pela autoridade policial, mesmo quando, depois de instaurado, aquela concluir que não há crime a ser apurado; já a Sindicância pode, a qualquer momento, ser arquivada pela autoridade que determinou a sua instauração.

A Sindicância Administrativa tem início com a Portaria da autoridade competente, que, determinando a sua instauração, deverá declarar na portaria se o procedimento a ser adotado pelo sindicante deverá ser sigiloso ou público. Caso não se declare o sigilo, a princípio tal procedimento será sempre público.

Ao se referir à relevância do instituto, José Cretella Jr. assim leciona:

Se por um lado, no moderno direito administrativo do Brasil, o singular instituto da sindicância assume valor incontestável, seja pela extraordinária frequência com que ocorre, seja pelas próprias notas características de que se reveste – como auxiliar das autoridades administrativas, interessadas na apuração de fatos que possam causar ou causaram entraves à continuidade perfeita do serviço público – por outro lado, é desolador o panorama que se oferece ao cientista do direito que procura fazer levantamento sistemático a respeito, diante da indigência quase completa de dados jurisdicionais, doutrinários ou mesmo do direito positivo. Nestas condições, ante os milhares de exemplos práticos de nossa vida administrativa, terá o doutrinador de proceder indutivamente, colhendo elementos aqui e ali, valendo-se depois da escassa contribuição doutrinária e normativa existente, para sistematizar em suas linhas mestras o instituto da sindicância administrativa ou simplesmente sindicância, “meio sumário” ou “processo sumário”, possível base para o verdadeiro processo administrativo.

Continua José Cretella Jr:

“Sindicância” não é “processo administrativo” e, por isso, não é informada pelo princípio da ampla defesa. “Sindicância” é medida cautelar, é procedimento prudente da administração para apurar irregularidades eventualmente existentes.358

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Portanto, impera na doutrina do direito administrativo disciplinar, nos mesmos moldes que impera, na distinção terminológica entre processo e procedimento, a definição do que seja sindicância e processo administrativo disciplinar.

Conforme bem observa o Prof. Eliezer Pereira Martins,

Parte da doutrina adota a noção de sindicância como correspondente a processo administrativo disciplinar; parte como procedimento preliminar ao processo, enquanto, uma outra corrente, chega a classificar as espécies de sindicância, admitindo uma modalidade apuratória e outra punitiva. Existe corrente doutrinária que, a par de tomar a sindicância com natureza de processo administrativo disciplinar, afirma que o elemento distintivo de ambos reside na sumariedade da sindicância.

E continua:

A Constituição da República, ao prever a ampla defesa e o contraditório para os acusados na esfera administrativa, como de resto para os acusados em geral, nivelou o status dos acusados e das modalidades apuratórias, de sorte que se pode afirmar que não há processo administrativo disciplinar, que do ponto de visto ontológico seja de consequências pouco gravosas para o acusado, mesmo que a punição para tal hipótese seja a simples repreensão verbal. A repreensão verbal ou escrita aplicada ao acusado, por mais destituída de potencial nocivo que possa parecer, sempre compromete a carreira do servidor ou, o que é pior ainda, seus brios.359Celso Ribeiro Bastos, ao referir-se ao instituto da Sindicância, assim se expressa:

A atividade administrativa não é constituída de atos tomados ex abrupto da cabeça de um agente administrativo, mas apresenta-se sempre numa seriação de comportamentos que envolvem a necessidade de uma documentação, uma vez que todo princípio do controle da administração pressupõe que haja um registro dos atos praticados. Este traço é muito característico da administração, e os particulares vêem mais o seu lado distorcido, dando até um tom pejorativo à palavra burocracia, vem precisamente desta circunstância: da necessidade de se processar o que está sendo feito. É dizer, não permitir que as decisões sejam tomadas sem ficarem constando em um ato documental, que também acaba por ganhar o nome de processo.

Nesta acepção muito ampla, de fato, todas as manifestações administrativas envolvem a necessidade da colocação em prática de um processo. Acontece que a palavra processo em si é um tanto inadequada para revelar este tipo de autuação, ou formação de autos, porque muitos dos atos administrativos são de menor importância, são formalidades pequenas cuja autuação se resume a...

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