Registro sindical à luz dos direitos fundamentais

AutorTirza Coelho de Souza
Ocupação do AutorAdvogada trabalhista. Professora Assistente do Curso de Especialização em Direito do Trabalho no COGEAEPUC/SP
Páginas128-140

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Ver nota 1

1. Introdução

Tratar da questão referente ao sindicalismo brasileiro sempre nos remete a constatações um tanto desanimadoras e desafiadoras, diante de um cenário de crise e enfraquecimento destas instituições, de questionamentos e severas críticas geradas pela falta de representatividade das entidades sindicais em relação aos seus representados.

É fato que ao longo de toda a história os sindicatos passaram por inúmeras transformações, em alguns países mais e em outros menos, sendo que no Brasil embora a Constituição de 1988 tenha abandonado a figura do sindicato como "braço" do Estado restaram ainda resquícios da Carta del Lavoro, principalmente no que diz respeito à organização sindical e à Justiça do Trabalho.

Como diz Arion Sayão Romita (2001, p. 54) ao citar a Carta Brasileira de 1937 :

As ideias corporativistas encontram seu mais alto grau de expressão na Carta outorgada de 10 de novembro de 1937, cujo art. 138 constitui transcrição quase ipis verbis da declaração III da Carta del Lavoro: A organização profissional ou sindical é livre. Somente, porém, o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que participam da categoria de produção para que foi constituído, e de defender-lhes os direitos perante o Estado e as outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho obrigatório para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a eles funções delegadas de poder público.

Naqueles anos, os sindicatos eram criados pelo Estado e somente estes detinham o poder de representação legal, portanto, existia uma falsa ideia de liberdade de organização que na prática não se concretizava.

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Nas palavras de Mussolini: "Tudo no Estado; nada contra o Estado, nada fora do Estado". (ROMITA, 2001, p. 54)

No Brasil, no mesmo período, foi criada a Justiça do Trabalho com o objetivo de dirimir conflitos oriundos das relações entre empregados e empregadores, mantendo o poder no Estado. A greve e o lock-out eram declarados recursos antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital, e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional.

Somente com a promulgação da Constituição de 1988 os sindicatos passaram a ter autonomia em face do Poder Público, porém, foram mantidos a unicidade sindical, a contribuição compulsória e o conceito de sindicato por categoria, resquícios do modelo fascista, segundo o mesmo autor.

Tais fatores, somados às profundas transformações econômicas, as terceirizações, o surgimento de novas atividades e profissões decorrentes das novas tecnologias, circunstâncias que colocam em completa destruição as categorias tradicionais e alteram as bases da sua representação sindical (MARTINS apud MASSONI, 2007, p. 156), contribuíram para a existência de um grande número de sindicatos não representativos, para a queda das taxas de sindicalização e o declínio das taxas de greve, e que hoje passam por uma transformação muito grande, imprevisível e sem controle.

Até que seja discutida e retomada a tão esperada reforma sindical, infelizmente frustrada no Governo Lula, precisaremos conviver com esta realidade e buscar meios de preservar o que de fato a Constituição de 1988 buscou primar como direito fundamental: a liberdade e a autonomia sindicais (art. 8º da CF/88) (BRASIL, 1988).

Embora grande parte dos doutrinadores diga que no Brasil a liberdade sindical se constituiu em "meia liberdade", reduzida à autonomia do sindicato em face do Poder Público (Constituição de 1988, art. 8º, inciso I), e à liberdade individual (negativa) de associação (art. 8º, inciso V) (ROMITA, 2001, p. 56), e sobre o que concordamos, fato é que a liberdade sindical foi garantida pela Constituição de 1988 como direito fundamental social e é sob este prisma que pretendemos discorrer, após esta breve introdução.

Será apontada inicialmente a questão do registro sindical na visão da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o registro sindical em Portugal, Espanha e no Brasil e, por fim, será feita a análise da Portaria n. 186/2008 que se manteve inalterada diante da Portaria n. 326/2013 no tocante ao registro de Federações e Confederações, sob a ótica dos direitos fundamentais.

2. Criação e registro sindical sob a ótica da OIT

A Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe sobre liberdade de associação sindical e a proteção do direito sindical, aprovada em 9 de julho de 1948, ainda não ratificada pelo Brasil, reflete os padrões desenvolvidos

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nos países europeus com o sindicalismo pós-regimes totalitaristas e de sindicatos corporativistas (MARTINS, 2013).

Em seu art. 2º, a Convenção dispõe que:

Os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas. (OIT, 1948 apud MARTINS, 2013, p.15).

E no art. 3º, 2, menciona que "As autoridades públicas deverão abster-se de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou entravar seu exercício legal". (OIT, 1948 apud MARTINS, 2013, p. 15).

No mesmo ano, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, proclamou no artigo XXIII, n. 4, que: "Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses." (ONU, 2000).

Em 1950, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem reafirma o direito de fundação de sindicatos, dispondo, em seu art. 11 que:

  1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação, incluindo o direito de, com outrem, fundar e filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses. 2. O exercício deste direito só pode ser objecto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros. O presente artigo não proíbe que sejam impostas restrições legítimas ao exercício destes direitos aos membros das forças armadas, da polícia ou da administração do Estado. (CONSELHO DA EUROPA, 1950).

Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2012) os Verbetes ns. 294, 295, 298, 299, 300, 301, 302, 303, 304, 305, 306, 307 e 308 reafirmam que a Portaria n. 186/2008, não contraria a Convenção n. 87 da OIT, uma vez que não interfere na liberdade sindical e as exigências formais que faz são de mera forma e não de fundo, embora os documentos necessários para o registro e alterações estatutárias sejam minuciosos, mas não impeditivos dos atos que irão praticar.

Santos (2006, p.160), citando Arion Sayão Romita, salienta que este autor trata do tema como exames de requisitos de fundo e de forma, e afirma que os requisitos de forma devem restringir-se à publicidade do ato de constituição do sindicato, de modo que:

se o poder público subordina a constituição do sindicato à prévia autorização, na realidade nega o princípio da liberdade de fundação (Convenção n. 87 da OIT), do que se depreende que dois são os regimes possíveis: a) o da prévia autorização, no qual o poder público procede a uma análise de mérito, não se tratando de requisito de cunho meramente formal; e

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  1. o do registro ou depósito dos estatutos, tratando-se apenas de medidas de publicidade.

3. Criação e registro sindical em outros países

Segundo Nascimento (2012) a exigência legal de registro é discutida sob mais de um prisma. Primeiro, pode ser vista como assim entendeu o movimento sindical italiano, como uma restrição à liberdade de organização sindical, uma herança do corporativismo e, segundo, como um fator de valorização sindical, indispensável para que o sindicato adquira personalidade jurídica, sendo que nos países em que o registro é necessário este poderá existir como ato de mera publicidade ou de concessão de personalidade jurídica.

Itália

No ordenamento jurídico italiano corporativista (1926-1944), constituído pelo regime fascista, o enquadramento das organizações era realizado pelo Estado e submetido a um rígido controle que previa um modelo de composição dos interesses coletivos, substancialmente estranho à livre, direta e ativa participação dos sujeitos interessados (NASCIMENTO, 2012).

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