As associações sindicais como garantidoras de direitos e o papel do ministério público do trabalho: considerações e propostas de atuação

AutorBruno Gomes Borges da Fonseca
CargoProcurador do Trabalho lotado no Ofício Governador Valadares da Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região. Professor
Páginas183-229

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1. Introdução

As associações sindicais desde os primórdios até os dias hodiernos evoluíram significativamente. A ordem jurídica positiva concede a estas agremiações as representações das categorias econômica e profissional e uma série de prerrogativas e deveres1.

A coletividade necessita de associações sindicais fortes, isentas e conscientes do papel que devem desempenhar. Não basta a criação de tais agremiações; forçoso que elas cumpram com seu fito institucional, especialmente após a Constituição promulgada em 1988.

Isso não significa que o estuário normativo atual relativamente às associações sindicais é isento de críticas; obviamente, não. A CF/ 1988, lamentavelmente, manteve ranços do período corporativo (unicidade sindical, representação limitada por categoria, representação

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cingida ao território de um município, registro no Ministério do Trabalho e Emprego — MTE2 —, contribuição sindical obrigatória, representação classista3 e o poder normativo da Justiça do Trabalho4) que impedem o pleno desenvolvimento da atividade sindical no país.

É de se indagar: será que as associações sindicais cumprem — integralmente — com o papel de garantidoras de direitos das categorias que representam e, mesmo que indiretamente, da coletividade? A CF/1988 e a legislação infraconstitucional, ainda que limitadamente, concedem às agremiações sindicais mecanismos para tutelar esses direitos? E o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem como contribuir para que referidas entidades cumpram com seus desideratos?

O objetivo, portanto, é responder às problematizações propos-tas e ofertar sugestões de atuação do MPT, para propiciar uma efetiva representação das associações sindicais às categorias econômica e profissional e à própria sociedade.

A pesquisa é empírica, já que decorreu de fatos verificados no exercício de nossa atividade e tem fins pragmáticos, tendo em conta que o objetivo final é a apresentação de propostas — individuais e institucionais — para atuação do MPT.

2. Algumas considerações sobre a história do sindicalismo e das associações sindicais

Não é pretensão de a pesquisa relatar, pormenorizadamente, a história do sindicalismo e das associações sindicais no mundo e no Brasil. O capítulo tem o compromisso de reafirmar alguns acontecimentos e extrair algumas conclusões para subsidiar o ponto nevrálgico do estudo.

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A doutrina, geralmente, divulga que o surgimento das associações sindicais ocorreu com a Revolução Industrial na segunda meta-de do século XVIII. Em virtude deste movimento, alterou-se o sistema produtivo. As condições laborais eram péssimas (baixos salários, longas jornadas, etc.). A presença de operários nas fábricas ocasionou maior concentração de obreiros, o que favoreceu reuniões e associações. Ademais, como o número de vagas era superior à mão-deobra disponível, os laboralistas impunham condições à prestação de serviços (uma aplicação da lei da oferta e da procura)5.

José Claudio Brito Filho acrescenta que a supressão das corporações de ofício, também, favoreceu o surgimento das agremiações sindicais. Tais corporações foram abolidas em virtude do liberalismo decorrente da Revolução Francesa, em 1789, que era contrário à criação de agremiações que intermediassem os indivíduos e o Estado. Com a proibição das associações, os trabalhadores foram obrigados a reivindicar individualmente, o que fez surgir a necessidade de associarem-se para viabilizar suas pretensões6.

Não se nega, todavia, a presença destas agremiações — ainda que sem o perfil atual — na Antiguidade e mesmo em momentos posteriores; mas antes da Revolução Industrial7. Lembre-se das corporações de Roma, criadas em 736-671 a. C., dos colégios romanos dissolvidos no ano 64 a. C., das guildas na França, dos grêmios na Espanha e dos ofícios em Portugal. Mesmo no Brasil, o governo real criou grêmios com objetivos religiosos8.

Talvez, o embrião do sindicalismo antes da Revolução Industrial — considerando o perfil atual das associações sindicais — tenham sido as associações de companheiros, chamados de compagnonnages na França e Gesellenverbaende na Alemanha. Estas agremiações representavam um movimento contra os mestres das corporações de ofícios9.

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Com o término da 1ª guerra mundial, o Tratado de Versailles garantiu o direito de associação sindical10.

A constitucionalização do Direito do Trabalho deu-se com a Constituição Mexicana de 1917 e, posteriormente, com a Constituição de Weimar, em 1919. Estas Cartas previram o direito de associação dos operários e dos patrões.

Em 1948, na França, a Assembleia Geral das Nações Unidas editou a Declaração Universal dos Direitos dos Homens, que garantiu o direito de organização sindical11. Em 1966, em nova reunião, editou o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que reafirmou aquele direito1213.

No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre o tema, destacam-se as Convenções ns. 8714, 9815, 13516, 14117,

15118 e 15419.

Para simplificar, o sindicalismo passou por três fases: da proibição, da tolerância e do reconhecimento20.

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No Brasil, as previsões constitucionais e legais servem para ilustrar a história das associações sindicais.

A Constituição Imperial de 1824 não fez qualquer previsão acerca das entidades sindicais ou mesmo, de forma geral, sobre associações. Porém, extinguiu as corporações de ofício21, o que, como se viu, favoreceu a criação de sindicatos.

No Brasil, o sindicalismo tem seu nascimento em período posterior, comparado com o movimento europeu. Isto porque a economia era incipiente e a mão-de-obra basicamente escrava22 (somente findou com a Lei Áurea em 1888).

A inaugural Constituição da República (1891) conferiu liberdade de associação para fins lícitos23. A previsão constitucional não era específica para o associativismo sindical o que gerou dúvida quanto à interpretação do dispositivo. Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 1920, decidiu que a regra permitia a liberdade de agremiação sindical24.

O primeiro ato normativo de caráter sindical no país foi o Decreto n. 979/03, contudo, somente tratava dos sindicatos rurais25.

Em 1907, editou-se o Decreto Legislativo n. 1.637, que dispunha sobre a criação de sindicatos e sociedades cooperativas, que, para época, foi moldado com modernidade, por garantir a livre constituição de associações sindicais independente de autorização governamental e a liberdade sindical.

No início da década de 30, criou-se o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio que exerceu forte controle sobre a atividade sindical26. Para legitimar este controle, surgiu o Decreto n. 19.770/31.

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A CF/1934 deixou a cargo da legislação infraconstitucional a tarefa de reconhecimento das associações sindicais27. Ao mesmo tempo, garantiu a liberdade associativa para fins lícitos28. Surpreendentemente, previu que a lei assegurasse a pluralidade sindical e a completa autonomia dos sindicatos29. O ato normativo regulamentar foi o Decreto n. 24.694/34, que criou inúmeros requisitos para a constituição de agremiações sindicais. Na prática, tinha-se o sistema de unicidade sindical; na teoria (“letra morta da lei”), o sistema plural.

Por sua vez, a CF/1937 garantiu o direito de associação desde que não tivesse fins espúrios30. Relativamente às agremiações sindicais, também, patenteou a liberdade associativa; porém, conferiu apenas ao sindicato reconhecido pelo Estado o direito de representação da categoria, celebração de contratos coletivos de trabalho31, imposição de contribuições e exercício de funções delegadas do Poder Público32. Atribuiu ao então Conselho da Economia Nacional a incumbência de emitir parecer sobre todas as questões atinentes à organização e ao reconhecimento das associações sindicais33. Com

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supedâneo nesta nova Carta decorreu o Decreto n. 1.402/39, que volveu ao sistema de unicidade sindical.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)34, basicamente, manteve a diretriz anterior.

A CF/1946 reconheceu a liberdade associativa, inclusive sindical, para fins lícitos e delegou à legislação infraconstitucional o papel de regulamentar a Constituição, representação legal e exercício de funções delegadas pelas entidades sindicais35. A lei que deveria regulamentar os dispositivos desta novel Constituição não foi promulgada o que ocasionou manutenção do quadro sindical decorrente da Carta pretérita.

Similar previsão foi contemplada na CF/1967, com o acréscimo de que era obrigatório o voto nas eleições sindicais36.

A Constituição ou Emenda Constitucional (EC) n. 137, datada...

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