A Efetivação de Servidores Precariamente Empossados Sub Judice em Cargos de Provimento Efetivo à Luz da Constituição Federal

AutorAntonio Carlos Alencar Carvalho
CargoProcurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público ? IDP
Páginas60-65

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1. Introdução

A questão sobre a qual se ocupa este artigo é a recorrente situação de candidatos de concurso público, reprovados em uma ou mais provas ou etapas do procedimento seletivo, que obtêm provimento judicial provisório para nomeação e posse precária no cargo público e que, posteriormente, com a cassação ou revogação da ordem judiciária anterior, se recusam a deixar o serviço público, tentando invocar, em seu socorro, a teoria do fato consumado como forma de legitimar uma inconstitucional "efetivação" no posto de provimento efetivo sem o lastro de aprovação em certame concursal público.

2. Não cabimento da teoria do fato consumado no caso

A teoria do fato consumado foi concebida pela doutrina, sendo endossada pela jurisprudência, com vistas a justificar, em hipóteses excepcionais, a manutenção dos efeitos de atos administrativos inválidos em consideração à justa e à legítima expectativa dos administrados, tendo como fundamento o princípio da segurança jurídica.

A teoria do fato consumado visa a preservar situação ilegal consolidada no tempo, em consideração à justa e à legítima expectativa dos administrados, o que não se afigura, contudo, nas hipóteses em que candidatos participaram de concurso público e tomaram posse no cargo público por força de liminar, ante a precariedade da decisão, a qual se submete aos riscos da reversibilidade do julgamento.

De fato, seria no mínimo contraditório e temerário que a Administração Pública, ainda que ao fundamento de eficiência e de economicidade quanto à pretensão de permanência no posto de provimento efetivo de candidatos reprovados em concurso público precariamente empossados por força de decisões judiciais provisórias, viesse a consolidar situações ainda precárias e pendentes de provimento jurisdicional definitivo, quando a própria jurisprudência dos tribunais pátrios, sobretudo do Supremo Tribunal Federal, passou a rechaçar a tese do fato consumado, comumente invocada por candidatos excluídos de certames em virtude do não preenchimento dos requisitos contidos no edital, o qual, por sua vez, deve espelhar as exigências constitucionais e legais para o ingresso nos cargos públicos.

Calha citar notícia jurídica (www.conjur.com.br) de acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça sobre a aplicação da teoria do fato consumado:

"Nomeação em concurso: Fato consumado não se aplica se decisão pode ser mudada

A teoria do fato consumado não pode ser aplicada nas hipóteses de nomeação de candidatos em concurso por decisão precária - sujeita à modificação. A conclusão é da 5a. Turma do Superior Tribunal de Justiça, que acolheu Recurso Especial do estado de Alagoas. Assim, o Estado está desobrigado de nomear candidatos que permaneceram em concurso para delegados apenas por força de liminares.

O concurso foi feito para preencher cargos de delegado de Polícia. Foram convocados 129 candidatos para a segunda etapa - teste de aptidão física, número correspondente a três vezes o total de vagas oferecido no edital. Apesar de não figurarem na lista de convocação para a fase seguinte, os candidatos entraram na Justiça com ação cautelar. Alegaram aprovação na prova subjetiva e pediram a participação nas fases subseqüentes do concurso. Em 30 de novembro de 2001, a liminar foi concedida pela 2a. Vara da Fazenda Pública estadual, assegurando a permanência no concurso até decisão do mérito da causa.

A liminar foi confirmada na sentença de mérito, garantindo aos candidatos a participação nas demais fases e etapas subseqüentes do certame previstas no edital, inclusive o Curso de Formação Policial, em igualdade de condições com os demais candidatos aprovados.

O estado apelou. O Tribunal de Justiça negou o recurso e determinou a adoção das medidas cabíveis para nomeação, no prazo de cinco dias úteis, de oito candidatos nos cargos de delegado de Polícia. Em Embargos de Declaração propostos pelo estado, o Tribunal afastou, ainda, a alegação de reformatio in pejus (reforma para pior) da sentença. Para o tribunal estadual, a decisão não extrapolou os limites do pedido. No Recurso Especial dirigido ao STJ, o estado pediu o reconhecimento da reforma para pior, alegando ocorrência da ofensa ao artigo 515 do Código de Processo Civil. A 5a. Turma acolheu parte do argumento. 'Resta patente a reformatio in pejus, porquanto a determinação de nomeação dos candidatos pelo Tribunal de origem, sem que houvesse pedido por parte dos candidatos, que sequer apelaram, extrapolou os limites da sentença monocrática, a qual determinou apenas e tão somente que os candidatos participassem das demais fases', considerou a relatora do caso, ministra Laurita Vaz. A relatora afirmou, ainda, que sequer constou da inicial da medida cautelar pedido para nomeação, mas apenas a participação nas etapas e fases seguintes. 'É imperioso esclarecer que o processo principal foi extinto sem julgamento de mérito, por ausência de interesse de agir, nos termos do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, uma vez que os candidatos ou não freqüentaram o Curso de Formação, ou não participaram das etapas subseqüentes', acrescentou.

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A ministra concluiu que não pode ser aplicada ao caso a teoria do fato consumado. 'Ora, os argumentos aventados não lhes garantem direito líquido e certo à manutenção do exercício dos cargos, tendo em vista que os atos de nomeações se deram de forma precária, por força de decisão judicial precária'. Ainda segundo a relatora, ao julgar a ação principal, o tribunal de origem afastou o pretenso direito, pois, apesar de terem alcançado a tutela jurisdicional, os candidatos não participaram integralmente do certame, uma vez que não foram levados às etapas subseqüentes dadas as suas módicas classificações, ou seja, não cumpriram ou não foram aprovados em todas as etapas do concurso. 'Assim, entendo que o caso ora examinado não se subsume à teoria do fato consumado, de modo a reconhecer o direito à nomeação de candidato aprovado sub judice', concluiu Laurita Vaz. REsp 662.711

Revista Consultor Jurídico, 29 de outubro de 2008" Julgou ainda o Superior Tribunal de Justiça:

Processual Civil e Administrativo.

Embargos de Declaração. Art. 535 do CPC. Ausência dos pressupostos.

Concurso público. Delegado de polícia.

Homologação final. Prescrição. Candidato no exercício do cargo. Aplicação da 'Teoria do Fato Consumado'.

Inadmissibilidade. Precedentes. Embargos rejeitados.

A Eg. Terceira Seção possui entendimento no sentido de afastar a aplicação da 'Teoria do Fato Consumado' nas hipóteses em que os candidatos tomaram posse sabendo que o seus processos judiciais ainda não haviam findado, submetendo-se aos riscos da reversibilidade do julgamento.

Cabe acrescentar o teor de decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios2, in verbis:

Direito administrativo. Ação declaratória. Concurso público. Agente penitenciário. Candidato matriculado em curso de formação profissional na condição sub judice. Pontuação mínima necessária à aprovação. Pretensão satisfeita na via administrativa. Perda superveniente do interesse processual. Nomeação e posse. Ausênciade provimento jurisdicional definitivo favorável. Prazo de validade do certame expirado.

1. (...)

2. Tratando-se de candidato que participou de Curso de Formação Profissional, na condição sub judice, e expirado o prazo de validade do certame, a sua nomeação e posse fica condicionada a comprovação da obtenção, em definitivo, de provimento jurisdicional garantindo-lhe o direito ao prosseguimento nas etapas do concurso ou mesmo a prorrogação/revigoração do prazo de validade do certame.

Impende corroborar que situações fáticas decorrentes de nomeações realizadas por ordem judicial, de caráter precário, não têm o condão de convalidar administrativamente situações ilegítimas pelo mero decurso do tempo.

  1. Precariedade da investidura determinada por ordem judicial provisória

Ainda sobre a matéria, é válido trazer à baila a prudente doutrina de José dos Santos Carvalho Filho:

"Trata-se de concurso público em que, a despeito de o candidato não preencher algum requisito para a aprovação (reprovação em exame, ausência no dia da prova, exame físico etc.), consegue, em ação judicial (normalmente o mandado de segurança), ser beneficiado com a concessão de medida liminar na qual se determina que o Poder Público dê posse ao candidato.

Esse tipo de decisão cautelar in limine é totalmente inconstitucional e carece de qualquer técnica jurídica. A medida cautelar pode, quando muito, ordenar a reserva de vaga, mas nunca impor a formação da relação funcional pela investidura, porque isso ofende diretamente a prerrogativa da presunção de legitimidade de que são dotados os atos da Administração. Se o juiz vem a acolher o pedido do candidato, todos os efeitos do erro administrativo deverão ser reparados, inclusive, se for o caso, a responsabilização funcional da autoridade. Mas daí não se pode extrair a conclusão de que o órgão judicial possa ordenar que a...

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