Os sentimentos eles nunca vão indenizar': tecendo memórias de mulheres ribeirinhas atingidas por barragens

AutorAna Daisy Araújo Zagallo - Marina Hainzenreder Ertzogue
CargoDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente da Universidade Federal do Tocantins - Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo
Páginas91-108
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.15, n.2, p.91-108 Set.-Dez. 2018
ISSN 1807-1384 DOI: 10.5007/1807-1384.2018v15n3p91
Artigo recebido em: 08.10.2017 Revisado em 17.05.2018 Aceito em: 03.06.2018
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
OS SENTIMENTOS ELES NUNCA VÃO INDENIZAR”: TECENDO MEMÓRIAS DE
MULHERES RIBEIRINHAS ATINGIDAS POR BARRAGENS
Ana Daisy Araújo Zagallo
1
Marina Hainzenreder Ertzogue
2
Resumo:
O presente artigo tem por objetivo abordar a vulnerabilidade emocional das mulheres
ribeirinhas atingidas pela Usina Hidrelétrica de Estreito (MA/TO), com ênfase no
registro da história de vida de mulheres idosas, remanescentes da Ilha de São José,
em Babaçulândia (TO). A desestruturação do modo de vida das comunidades rurais
tornou as mulheres desterritorializadas vulneráveis não apenas em relação aos
aspectos econômicos, mas, sobretudo, os aspectos emocionais e simbólicos
causados por perda do modo de vida tradicional. Analisamos a relação afetiva com o
rio, o lugar de vivência e a memória. Diagnosticamos que a vulnerabilidade afetiva
decorrente do deslocamento trouxe para elas, além do sentimento de incertezas
quanto ao futuro, tristeza e depressão. Tais impactos não são relevantes em estudos
ambientais apresentados por empreendedores do setor hidrelétrico e tampouco
mitigação prevista, embora, estudos na área do direito ambiental apontem para a
necessidade de indenização por danos de valor afetivo.
Palavras-chave: Barragens. Território. Mulheres Ribeirinhas. Vulnerabilidade Afetiva.
1 INTRODUÇÃO
Os sentimentos eles nunca vão indenizar. Tomando de empréstimo as palavras
de Claides Helga Kowahld
3
este artigo demonstra como o deslocamento de pessoas
de seu habitat, em razão da construção de grandes barragens, causou danos
irreparáveis às comunidades rurais tais como o rompimento de laços afetivos de
vizinhança e a desestruturação do modo de vida das populações tradicionais que
utilizam os recursos naturais para subsistência.
Em 1980, quando a comunidade Água Verde, em Marcelino Ramos (RS),
recebeu a notícia da construção de 25 barragens na bacia do rio Uruguai, a
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente da Universidade Federal do
Tocantins e docente da mesma universidade, Araguaína, TO E-mail: anadaisy@uft.edu.br
2
Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. Professora no curso de História, no
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente, em Comunicação e Sociedade da
Universidade Federal do Tocantins, Araguaína, TO E-mail: marina@uft.edu.br
3
Primeira mulher integrante da Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (CRAB) no Rio
Grande do Sul.
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inquietação de Claides Helga, vivendo 38 anos na mesma comunidade,
representava a incerteza dos moradores de Água Verde: Para onde nós vamos?
(WEIMANN, 2013, p. 1). Diante daquele cenário, destacamos a atuação da CRAB em
relação à concessionária Eletrosul
4
.
A CRAB buscava questionar o conceito de ambiente utilizado pela Eletrosul
que se restringia ao manejo dos meios físico e biótico, como controle da água,
para que não comprometesse a vida útil das turbinas, e controle do
assoreamento do reservatório, para garantir que fosse acumulada a
quantidade de água necessária para a geração de energia. Nesta
perspectiva. O ambiente que a Eletrosul destacava era o “am biente do setor
elétrico”, no qual a população humana afetada era apenas mais um elemento
constituinte desse ambiente (FOSCHIERA, 2010, p. 119).
Segundo o Plano Diretor de Meio Ambiente para o Setor Hidrelétrico, o
deslocamento da população afetada e os acréscimos de infraestrutura que nortearam
o Plano Global de Remanejamento das Populações Atingidas pela UHE Itá - SC
(1987) foi resultante de longo processo de negociação com a Comissão Regional dos
Atingidos por Barragens (ELETROBRAS 1990, p. 114). Nesse cenário da região Sul,
a CRAB foi um movimento pioneiro que abriu espaços de negociações com a
estatal federal Eletrobras. Depois da CRAB, a luta dos atingidos por direitos continuou
com a criação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em março de 1991,
durante o 1º Congresso Nacional de Atingidos por Barragens.
A abrangência desse movimento tornou-se palpável também na região Norte
do país a partir de 2011, início da construção da Usina Hidrelétrica de Estreito
(TO/MA). O MAB mobilizou as comunidades rurais e organizou a resistência dos
atingidos, mas aproximadamente 42 famílias que não tiveram acesso à terra ou
indenizações pagas pelo consórcio da UHE de Estreito permanecem acampadas em
uma área verde, próxima do reservatório da usina. Parte dos acampados é
remanescente da Ilha de São José, submersa pela barragem
5
.
2 ITINERÁRIO DA PESQUISA
Caracterização da área de estudo: o município de Babaçulândia fica na região
do Bico do Papagaio (TO). O município teve sua origem no povoado Nova Aurora do
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Empresa pública controlada pela Eletrobrás e vinculada ao Ministério de Minas e Energia. É uma
sociedade de econom ia m ista de capital fechado. Atua nas áreas de geração, transmissão,
comercialização de energia.
5
A UHE de Estreito fez parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal.
Em 2002, o grupo Consórcio Energia Estreito (CESTE) venceu o leilão da Agência Nacional de Energia
Elétrica para execução do empreendimento.

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