O sentimento de pertencimento social como um direito básico e universal

AutorRosana Carneiro Tavares
Páginas179-201
http://dx.doi.org/10.5007/1984-8951.2014v15n106p179
O sentimento de pertencimento social como um direito universal
The feeling of social belonging as a basic and universal right
Rosana Carneiro Tavares
1
Resumo
Este trabalho apresenta o estudo da condição humana elaborado por Doyal e Gough
(1994), fazendo interface com a Psicologia Social Crítica. Esses autores propõem
uma compreensão objetiva e universal das necessidades humanas, e incluem, na
esfera dos direitos sociais, que devem ser providos pelo Estado, necessidades que
extrapolam a necessidade material. Os referenciais sócio-históricos da desigualdade
social, pela perspectiva dialética, são estruturantes das discussões aqui
desenvolvidas. A interface com a Psicologia Social Crítica é possível quando os
autores incluem fatores psicossociais nas necessidades básicas de todo ser
humano, evidenciando que o enfrentamento da desigualdade social deve superar o
modelo de política pública, que transforma perversamente a exclusão social em
inclusão, sem considerar as diversas formas de legitimação social que determinam
ou que são determinadas pela desigualdade.
Palavras-chave: Autonomia pessoal. Desigualdade social. Psicologia social.
Políticas públicas.
Abstract
This paper presents the study of the human condition, developed by Doyal and Gough,
doing an interface with critical social psychology. These authors propose an objective
and universal conception of human needs and include on field of the social right that
must be provided by state, needs that go beyond material deprivation. The socio
historical references of social inequality in the dialectical perspective are the base of the
discussions that we developed. The interface with psychology can be possible when the
authors include psychosocial factors as human need basic and universal, showing that
coping of the social inequality must overcome the model of public policy that perversely
transforms exclusion in inclusion, without considering the different forms of social
legitimacy that determine the inequality or are determined by it.
Keywords: Personal autonomy. Social inequality. Social psychology. Public policies.
Este trabalho é um estudo bibliográfico que pretende associar duas
perspectivas teóricas que têm em comum um mesmo objeto: o direito de toda
população a políticas sociais de provimento do básico necessário para uma vida digna.
O objetivo é associar os estudos de Doyal e Gough (1994) com a Psicologia Social
Crítica desenvolvida no Brasil, que, na atualidade, tem atuado maciçamente no campo
1 Fundação Universidade do Tocantins. Professora e pesquisadora na Fundação Universidade do
Tocantins. E-mail: rosana.carneirotavares@gmail.com.
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não Adaptada.
Cad. de Pesq. Interdisc. em Ci-s. Hum-s., Florianópolis, Santa Catarina, ISSN 1984-8951
v.15, n.106, p. 179-201 jan./jun. 2014
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das políticas públicas, principalmente nas políticas de direitos sociais e na
compreensão dos processos de exclusão e inclusão na sociedade.
Doyal e Gough (1994) são autores ingleses consagrados na esfera da
economia política e da política social. Doyal por seus trabalhos sobre economia e
saúde, e Gough por seus estudos sobre a política social. O livro a que este artigo se
refere é resultado de um trabalho conjunto que buscou compreender os fundamentos
da crise do bem-estar durante os anos 1980. As ideias de Doyal e Gough (1994) já
foram disseminadas no Brasil, na área do serviço social, principalmente por autores
que estudam as necessidades humanas e o suprimento do básico que deve ser provido
à população pelo Estado. Destaca-se, como exemplo, Pereira (2000), que se
aprofundou nos estudos de Doyal e Gough e tem reproduzido suas concepções no
Brasil, criticando as políticas sociais, que, erroneamente, transformam o básico em
mínimos sociais quando estruturam suas políticas a partir do suprimento do mínimo
necessário à sobrevivência e à subsistência dos cidadãos.
A Psicologia Social Crítica que referenda este trabalho se fundamenta nos
estudos de Vigotski (2001), que compreende a subjetividade humana como sendo de
constituição sócio-histórica, com os sujeitos sendo determinados e, ao mesmo tempo,
determinantes da sua história. Essa perspectiva, embasada no materialismo histórico-
dialético, supera as dicotomias indivíduo e sociedade, objetivo e subjetivo, material e
abstrato. Para o contexto brasileiro, destaca-se o desenvolvimento de uma Psicologia
Social Crítica que tem a especificidade de atuar, cada vez mais, com os grupos
minoritários, exigindo a produção de um conhecimento que amplie a mera descrição da
realidade social, e que, fundamentalmente, assuma o papel de contribuir com a
transformação social (SAWAIA, 2010).
2
2 A Psicologia Social moderna se desenvolveu em solo americano e se estruturou nas bases da
Psicologia Experimental (devido ao b ehaviorismo de Watson) e da fenomenologia (devido à migração
de psicólogos gestaltistas para a América, no período da Segunda Guerra Mundial). A junção dessas
duas concepções, contrárias em sua essência, mas de bases positivistas, consolidou uma “forte
Psicologia Social Cognitiva” (FARR, 1999). Essa perspectiva se dissem inou em todo o mundo, mas
gerou, nos anos 1970, uma “crise na psicologia social”, que provoco u na Europa e na América Latina
um movimento contrário ao curso positivista da Psicologia Social norte-americana, propondo uma
psicologia mais comprometida com a transformação social. Essa psicologia acabou sendo
reconhecida no Brasil como Psicologia Social Crítica, e, na atualidade, se caracteriza por um a
composição de diversas teorias que têm como principal base a crítica às instituições, organizações e
práticas da sociedade que acarretam em padronização e perda da subjetividade autônoma. A
psicologia Sócio-Histórica, que embasa este trabalho, tem essa abordagem crítica e, na atualidade,
tem versado seus estudos para as políticas públicas e para o fortalecimento dos grupos minoritários.

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