OS SENTIDOS DE AMOR EM FRITZ KAHN: A PEDAGOGIA DA SEXUALIDADE COMO UMA PEDAGOGIA DO SENTIMENTO AMOROSO

AutorAntônio Fontoura
Páginas178-203
GÊNERO|Niterói|v.18|n.2|178 |1. sem.2018
OS SENTIDOS DE AMOR EM FRITZ KAHN: A
PEDAGOGIA DA SEXUALIDADE COMO UMA
PEDAGOGIA DO SENTIMENTO AMOROSO
Antônio Fontoura1
Resumo: Os estudos sobre a sexualidade produziram vasta bibliografia a respeito
das formas pelas quais os conhecimentos institucionalizados, particularmente
a medicina, contribuíram para construir modelos considerados adequados de
comportamento sexual. Nesse artigo busca-se discutir como determinadas obras
de autoajuda sexual, os manuais sexuais conjugais, participaram do processo de
ensinar homens e mulheres a se adequarem, do ponto de vista sexual, a seu papel
social de maridos e esposas. Para isso analisará como A nossa vida sexual, escrito
pelo médico alemão Fritz Kahn, participou da popularização desses conhecimentos
sexológicos, a partir da relação entre as ideias de amor e ato sexual.
Palavras-chave: Nossa vida sexual; Fritz Kahn; amor; ato sexual.
Abstract: Studies on sexuality have produced a vast bibliography about the ways in
which institutionalized knowledge, particularly medicine, have contributed to the
construction of appropriate models of sexual behavior. This article aims to discuss
how certain sexual self-help books, the marital sexual manuals, participated in the
process of teaching men and women to adapt, from a sexual point of view, to their
social role as husbands and wives. For this, it will analyze how Our sexual life, written
by the German doctor Fritz Kahn, participated in the popularization of this sexological
knowledge, from the relation between the ideas of love and sexual intercourse.
Keywords: Our sex life; Fritz Kahn; love; sexual intercourse.
Introdução
Em seu romance Madame Bovary, de 1857, Flaubert descreve como Emma
sofria com dúvidas logo após seu casamento com o inexpressivo Charles,
decepcionada com os poucos ganhos financeiros que não poderiam sustentar
1 Doutorando em história pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: antoniofontourajr@gmail.com
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bailes luxuosos, e insatisfeita com a vida tediosa em pequenas vilas como Tostes
ou Yonville, e não na excitante Paris. Aquele que deveria ser o momento de maior
realização da vida de uma mulher, definitivamente não cumpria as promessas de
paixão, de romantismo, de aventuras, que Emma Bovary admirava, ansiava e conhecia
a partir da leitura de seus romances preferidos (FLAUBERT, 1969 [1857]).
Esta frustração poderia ser explicada pela dupla, e talvez contraditória,
concepção de amor a que Emma Bovary estava sujeita.
O romance alimenta-se de obstáculos, de breves excitações e de separações; o
casamento, ao contrário, é feito de hábitos, de convívio quotidiano. O romance
quer o ‘amor distante’ dos trovadores; o casamento, o amor do ‘próximo’. Por
conseguinte, se nos casamos por causa de um romance que já se desvaneceu, é
normal que, à primeira constatação de um conflito de temperamentos ou de gostos,
nos façamos a pergunta: por que me casei? (ROUGEMONT, 2003, p. 241-2)
Em sua clássica obra sobre o amor no ocidente, o suíço Denis de Rougemont
afirma a novidade histórica, própria do romantismo, que procurou unificar o “amor
romântico” dos trovadores, marcado pela paixão, e o “amor próximo”, recheado
pelo cotidiano e a convivência, característico do casamento. Dois elementos
que seriam necessariamente incompatíveis entre si, e que, explicitadas as
diferenças pelo dia-a-dia do relacionamento conjugal, acabariam por gerar as
dúvidas em relação ao próprio casamento.
Durante as primeiras décadas do século XX, porém, surge uma literatura que
toma para si a responsabilidade de ensinar os casais a unir estas duas formas de amor
– seguindo a definição de Rougemont – que pareciam incompatíveis. Trata-se dos
chamados manuais sexuais conjugais, um tipo de literatura preponderantemente
heterossexual, dirigida particularmente a homens e mulheres prestes a casar, que
objetivava oferecer “conhecimento a respeito de seu próprio corpo e do corpo do
sexo oposto, e sobre prática sexual, primariamente o intercurso sexual (ou coito)”
(COOK, 2004, p. 187). Entre descrições anatômicas dos corpos masculinos
e femininos, detalhes sobre posições sexuais, descrição de perversões, havia a
incessante busca por definir o que era o amor, como a sexualidade integrava a
verdadeira concepção amorosa, e como maridos e esposas poderiam aprender
a construir, em seus cotidianos, este ideal amoroso que uniria paixão e devoção
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