A sentença trabalhista e sua fundamentação: uma análise à luz do código de processo civil de 2015

AutorNatália Xavier Cunha
Páginas175-184

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1. Introdução

O Código de Processo Civil de 2015, instituído pela Lei n. 13.105/2015, entrou em vigor em 18 de março de 2016, objetivando a construção de um novo modelo constitucional de processo e, mesmo após um ano de sua vigência, ainda provoca profundas reflexões, sobretudo no que tange à sua aplicação na seara laboral.

Inspirado em pilares do Direito Processual do Trabalho, como a simplicidade, informalidade e celeridade, o Novo CPC nasceu de acordo com o ideário do princípio da razoável duração do processo1, consagrando-o como Norma Fundamental em seu art. 4º.

Nesse sentido, todos os estudos e interpretações do novo diploma devem observar as Normas Fundamentais norteadoras do processo, bem como as disposições e princípios constitucionais, ápice do ordenamento jurídico.

A análise ora proposta versa sobre as inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 acerca da fundamentação das decisões judiciais, cuja preocupação sempre se fez presente, e encontra-se constitucionalmente prevista (art. 93, IX) por corresponder a um direito fundamental do jurisdicionado, consectário do devido processo legal (DIDIER; BRAGA; OLIVEIRA, 2015,
p. 314).
É justamente por meio da fundamentação de suas decisões que o Estado-Juiz garante a legitimidade de sua atuação perante o jurisdicionado e a sociedade de uma forma geral, razão pela qual imperiosa se faz a análise da temática.

Nas palavras de José Emílio Medauar Ommati:

Se a legitimidade dos órgãos executivo e legislativo se dá pelo processo político-eleitoral, ou seja, através da regra da maioria, o caso do judiciário sua legitimidade advém de dois elementos complementares: a participação daqueles que serão afetados pela decisão a ser produzida com iguais liberdades, apresentando suas razões, argumentos e provas, de modo a que o órgão que tomará a decisão deverá necessariamente responder com base nos fatos acertados e nos argumentos produzidos por esses cidadãos, qual a decisão correta para situação; e a fundamentação exaustiva do órgão jurisdicional (OMMATI, 2014, p. 115).

Nesse cenário, pode-se afirmar que o art. 8º do novo diploma processual está em consonância e dá concretude ao dever constitucional de motivar as decisões ao estabelecer que o Juiz, ao atuar, atenderá aos fins sociais e as exigências do bem comum, sempre resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana, e observando os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência.

Para tratar do assunto, imperiosa uma breve análise da aplicabilidade do Novo CPC ao Direito Processual do Trabalho para possibilitar, em momento posterior, o estudo da Sentença Trabalhista e sua fundamentação.

Consoante dispõe o art. 769 da CLT, nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível. O art. 15 do NCPC, por sua vez, ampliou a aplicação ao dispor que na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente, sem nada dispor sobre a necessária compatibilidade das normas.

Nesse cenário, considerando as particularidades do Processo e do Direito do Trabalho, este estudo rege-se pelo posicionamento doutrinário no sentido de que o art. 769 da CLT continua em vigor, sendo imperiosa a

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análise crítica dos dispositivos do Novo CPC a fim de aferir a sua compatibilidade, caso a caso, com o Processo do Trabalho.

Conforme esclarece Élisson Miessa, cujo entendimento é no mesmo sentido:

(...) a inserção de normas comuns em um microssistema jurídico sempre impõe a compatibilidade com o sistema em que a norma será inserida, sob pena de se desagregar a base do procedimento específico, para concluir que [...] os arts. 769 e 889 da CLT sobrevivem à chegada do art. 15 do NCPC (MIESSA, 2015, p. 28).

No mesmo sentido, completa o Juiz Murilo Oliveira do TRT da 5ª Região:

Numa tentativa exegética de coexistência destas regras, pode-se afirmar que o art. 15 almeja a aplicação das regras do NCPC como maior amplitude do que antes ocorria, sendo esta a interpretação mais sistemática da sua redação. No entanto, a regra do art. 769 da CLT se mantém firme, tendo a noção de “compatibilidade” o papel de filtro para a recepção destas novas regras do NCPC. Numa ilustração gráfica, o art. 15 do NCPC seria um primeiro e mais largo portal de acesso do Novo Processo Civil ao Processo do Trabalho, entretanto, há, felizmente, um segundo e menor portal: o art. 769 da CLT com a sua cortina-rede da “compatibilidade” (OLIVEIRA, 2016, p. 241).

Esclarece-se ainda, que o Colendo Tribunal Superior do Trabalho editou a Instrução Normativa n. 39, por meio da Resolução n. 203/2016, dispondo sobre as normas do NCPC aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho. Sem entrar no mérito da constitucionali-dade e da força normativa desse ato2, referida instrução mostra-se, hoje, como norteadora do entendimento do
C. TST, ainda que não possua caráter vinculativo3.

Feitas as devidas considerações, passa-se à análise da sentença trabalhista sob a égide do novo diploma processual civil.

2. Da prestação jurisdicional pelo estado

Dentre as funções do Estado, encontra-se o poder de dirimir conflitos de interesses comprometedores da paz a fim de restabelecer a ordem jurídica vigente e o império da Lei. Trata-se da função jurisdicional, exercida pelo Judiciário quando provocado.

Ao invocar a prestação da tutela jurisdicional do Estado por meio de uma ação, o indivíduo exerce seu direito público subjetivo público, com vistas a obter a reparação de um direito supostamente lesado ou ameaçado. Espera-se, objetivamente, um pronunciamento quanto aos pleitos formulados na inicial. A resposta à pretensão jurisdicional manifesta-se por três formas: pela decisão, pela execução, e pelas medidas preventivas ou cautelares (SANTOS, 2009, p. 70).

O poder de decisão, objeto do presente estudo, consubstancia-se na aplicação das normas ao caso concreto, observadas a regularidade da fase de conhecimento que culminam na Sentença, cujo objetivo principal é a resolução da lide.

Nas palavras do Ministro do TST Aloysio Corrêa da Veiga:

A sentença, como um ato processual, tem por finalidade resolver a relação jurídica processual, com ou sem resolução do mérito. Diferencia da decisão interlocutória porque põe termo ao processo enquanto que, na interlocução, o que se resolve é a questão incidente. Daí a importância da sentença. Nela se revela e contém toda a atividade jurisdicional, com análise da pretensão e da resistência; a demonstração da verdade e a preservação e garantia do mais amplo debate, a alimentar a convicção do juiz na entrega da decisão justa, de modo a convencer a sociedade e ao jurisdicionado do acerto da decisão. Trata-se do pronunciamento do Estado na solução do conflito de interesses, de modo obrigatório, soberano, como resposta ao jurisdicionado e à sociedade em geral de que foram analisados e respondidos os fundamentos que estiveram os contendores em juízo, convencendo as partes de que a decisão judicial é justa e põe fim ao conflito (VEIGA, 2016, p. 23).

Não obstante, atualmente espera-se do Estado-Juiz uma postura mais ativa na busca da mais justa solução dos litígios, que devem estar de acordo com as disposições e normas constitucionais, o que exige, por consequência, a devida e completa motivação da decisão.

Para que a sentença seja dotada de validade e eficácia, precisa preencher requisitos legalmente estabelecidos, sendo fundamental a análise de sua previsão no atual Código de Processo Civil (Livro I, Título I, capítulo

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XIII da Parte Especial), na Consolidação das Leis do Trabalho (Título X, Capítulo II, Seção X), bem como observados os princípios constitucionais a ela atrelados.

Nos termos do art. 832 da CLT, a sentença, enquanto ato jurídico complexo, deve conter: o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão. No mesmo sentido dispõe o art. 489 do NCPC ao elencar como requisitos: I) o relatório; II) os fundamentos; III) o dispositivo, inexistindo, até este ponto, novidades.

No que tange ao relatório, imperioso esclarecer que no direito processual do trabalho, esse é dispensado pelo art. 852-I da CLT que trata do rito sumaríssimo (dissídios individuais cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo).

A par de não ser esta a discussão do presente trabalho, salienta-se que a ausência de relatório tem sido criticada face a crescente valorização dos precedentes no nosso ordenamento jurídico, que carece desse para extração dos elementos fáticos que consubstanciam determinada decisão paradigma.

Nesse sentido expõe Didier:

Em um sistema que valoriza o precedente judicial, como o brasileiro, o relatório possui um papel relevantíssimo na identificação da causa e, com isso, dos fatos relevantes (material facts), sem os quais não é possível a aplicação do precedente judicial. Não se pode aplicar ou deixar de aplicar um precedente, sem saber se os fatos da causa a ser decidida se assemelham o use distinguem dos fatos da causa que gerou o precedente. Daí a importância do relatório, onde deve estar a correta e minuciosa exposição da causa. (DIDIER, 2015, p. 313).

No que tange à fundamentação, conforme exposto alhures, tanto o NCPC quanto a CLT elencaram como requisito da Sentença consagrando o princípio constitucional imposto ao Judiciário, a saber, o Princípio da Motivação das Decisões Judiciais, previsto no art. 93, IX, da CR/1988, sendo que a ausência desse implica nulidade do pronunciamento jurisdicional.

Consoante dispõe Teixeira Filho:

O art. 93, IX, da Constituição Federal – impõe ao órgão jurisdicional...

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