Sentença do Tribunal Arbitral de Conflitos de Consumo do Porto (16.03.2015)

AutorPaulo Duarte
Páginas310-319

Page 310

PROCESSO n. «««

REQUERENTE: «««

REQUERIDA: «««

1. Relatório

1.1 o requerente, alegando que a requerida lhes exige, para execução do ramal de ligação da sua residência ao sistema público de abastecimento e drenagem de águas residuais, a quantia de € 1 556,77, e defendendo que se trata de "custos de um acto cuja responsabilidade é da requerida enquanto entidade gestora do serviço de exploração dos sistemas públicos", pede: a título principal, que a requerida seja condenada a executar a ligação do sistema de distribuição e drenagem de águas residuais da sua habitação ao sistema pública, sem custos; e, a título subsidiário, que se declare que não é (o requerente) devedor da quantia de € 1 556,77.

1.2 Durante a audiência de julgamento, o requerente revelou, por um lado, que a ligação da sua residência à rede pública de abastecimento e de saneamento de águas residuais fora já efectuada havia cerca de dois anos, e, por outro lado, que, quanto à quantia de € 1 556,77, a sua discordância se limitava à parte dela que se referia ao alegado custo do ramal de ligação do saneamento das águas residuais,

Page 311

no montante de € 810,68, não pondo em causa nem a tarifa de ligação (no montante de € 446,72), nem a tarifa da primeira vistoria (no montante de € 9,27).

1.3 são os seguintes os factos essenciais alegados pelo requerente:

  1. o requerente é consumidor dos serviços prestados pela requerida, à qual se acha ligado pelo contrato n. «««;

  1. por carta datada de 19/06/2014, a requerida informou o requerente que este teria de pagar "um orçamento no valor global de € 1 556,77, a título de execução do ramal de ligação dos sistema predial de águas da sua habitação ao sistema público";

  2. o sistema predial de distribuição de água e de drenagem de águas residuais foi instalado na habitação do requerente há mais de 20 anos, encontrando-se em perfeito estado de conservação;

  3. a ligação do sistema predial da habitação do requerente ao sistema público tem uma extensão máxima de 5 metros.

1.3 a requerida apresentou contestação oral, onde se limitou a dizer que tem direito às "verbas" solicitadas ao requerente porque estão previstas no tarifário em vigor.

2. O objecto do litígio

Considerando a redução do pedido ocorrida já na audiência de julgamento (ver, supra, ponto 1.2.) - tendo o requerente abandonado o pedido principal e diminuído o pedido subsidiário -, o objecto do litígio (ou o thema decidendum)1consiste na questão de saber se assiste ou não à requerida o direito a exigir do requerente o valor de € 810,68, relativo ao ramal de ligação do saneamento das águas residuais. Não deve surpreender o facto de o objecto do litígio se centrar no direito invocado pela requerida. Na verdade, do que se trata nos autos, uma vez reduzido o pedido do requerente, é de uma acção de apreciação negativa, pretendendo o requerente que se declare que não é devedor, à requerida, daquela quantia2.

3. As questões de direito a solucionar

Considerando o objecto do litígio e o pedido deduzido pelo requerente, há uma questão nuclear que importa solucionar: a questão de saber a quem incumbe suportar os custos de construção do ramal de ligação entre os sistemas prediais de saneamento e os sistemas públicos de saneamento de águas residuais.

4. Fundamentos da sentença

4.1 Quanto aos factos

4.1.1 Factos provados

Com relevo para a decisão da causa (isto é, para a resolução do objecto do litígio e das questões em que se decompõe), julgo provados os factos seguintes:

  1. a requerida presta ao requerente, em execução de contrato que o tem por objecto, identificado pelo n. «««, o serviço de saneamento de

    Page 312

    águas residuais provenientes da sua residência - facto que julgo provado com base no documento de fls. 6;

  2. por carta datada de 11/06/2014, a requerida interpelou o requerente para pagar a quantia global de € 1 556,77, decomposta em três parcelas: € 810,68 (acrescida de IVA), referente ao custo do ramal de ligação do sistema público de saneamento das águas residuais à residência dos requerentes; € 446,72 (acrescida de IVA), correspondente à tarifa de ligação; € 9,27 (acrescida de IVA), correspondente à tarifa da primeira vistoria - facto que julgo provado com base no documento de fls. 6;

  3. a execução do ramal ligação referido na alínea anterior ao sistema predial da habitação do requerente foi concluída, há mais de dois anos, pela requerida, inserindo-se no seu plano de investimentos - facto que julgo provado com base nas declarações prestadas pelo requerente e pelo depoimento da testemunha «««;

  4. entre a rede pública de saneamento de águas residuais e o limite da residência do requerente não vai uma distância superior a 10 metros - facto que, não tendo sido impugnado pela requerida (apesar de alegado pelo requerente) foi confirmado, de modo fidedigno, pelo requerente, nas declarações que prestou.

    4.2 Resolução da questão de direito

    4.2.1 por me parecer a mais conforme aos actuais dados jurídico-normativos relevantes, creio que a resposta correcta à questão de saber a quem deve ser alocado o custo de construção dos ramais de ligação (entre os sistemas prediais e os sistemas públicos) é esta: não cabe ao utilizador suportá-lo individualizamente, através de uma prestação monetária específica, independentemente da sua catalogação jurídico-tributária ou financeira, seja a de taxa, de tarifa, a de preço ou qualquer outra. É a solução que, no meu entendimento, se ajusta melhor às opções normativas do direito financeiro das autarquias locais (abrangendo na referência quer o regime Financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais - RFAL - quer o regime Geral das taxas das autarquias locais - RGTAL) e do regime Jurídico dos serviços Municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de Gestão de resíduos urbanos. Vejamos, de perto, em cada um destes domínios legislativos, a que opções normativas me refiro.

    4.2.1.1 a lei n. 42/98, de 06 de agosto (antiga lei das Finanças locais) incluía expressamente no elenco das receitas municipais admissíveis as "tarifas por instalação, substituição ou renovação dos ramais domiciliários de ligação aos sistemas públicos de distribuição de água e de drenagem de águas residuais" (art. 20º/2). Estas tarifas eram previstas a par (e para além) dos "preços e tarifas" relativos às "actividades de exploração de sistemas públicos de distribuição de água e de drenagem de águas residuais" (art. 20º/1). O que significa, por-

    Page 313

    tanto, que, na perspectiva do próprio legislador, o alcance do conceito de "actividades de exploração"...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT