Sentença da justiça do trabalho em guarulhos/sp em ação civil pública (PRT 2ª região - procuradora do trabalho Lorena Vasconcelos Porto)

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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA SEGUNDA REGIÃO 2 ª VARA DO TRABALHO DE GUARULHOS

Autos n. 1000093-13.2014.5.02.0312

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

Ré: CONTINENTAL BRASIL INDÚSTRIA AUTOMOTIVA LTDA.

SENTENÇA

I Relatório

Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de tutela antecipada ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de CONTINENTAL BRASIL INDÚSTRIA AUTOMOTIVA LTDA., pretendendo a concessão de liminar inaudita altera pars para que a ré conceda DSR de 24 horas consecutivas e intervalo mínimo de 11 horas consecutivas de descanso entre duas jornadas de trabalho aos seus

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empregados, abstenha-se de manter os empregados trabalhando aos domingos e feriados sem autorização do MTE, sem a elaboração de escala de revezamento e sem a ocorrência de necessidade imperiosa de serviço, respectivamente, bem como abstenha-se de prorrogar a jornada normal de trabalho além do limite legal de duas horas diárias, sem qualquer justificativa legal. Requereu, ainda, indeniza-ção por danos morais coletivos. Atribuiu à causa o valor de R$ 500.000,00. Juntou documentos. O pedido de antecipação dos efeitos da tutela foi indeferido, ante a ausência dos requisitos previstos no art. 273 do CPC.

Regularmente notificada, a ré compareceu à audiência, manifestou-se sobre os termos da inicial, arguiu ilegitimidade ativa e requereu a improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Com a concordância das partes, foi deferida a juntada dos controles de frequência de todos os funcionários, do período de 10.2.2014 a 9.3.2014, a qual foi realizada sob Id 4199956, 4199965, 4199974, 4199987, 4200002, 4200014, 4200037, 4200051, 4200063 e 4200072, manifestando-se o MPT sobre a defesa e documentos com juntada de documentos. Após a oitiva de testemunhas, foi deter-minada a digitalização da Portaria n. 3.118/89, com posterior descarte. Sem mais provas, foi encerrada a instrução processual. Razões inais remissivas. Restaram infrutíferas as tentativas de conciliação.

É o relatório.

II Fundamentação

II.1) Ilegitimidade ativa ad causam

A ré suscita ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho, vez que os interesses defendidos são individuais heterogêneos.

De acordo com o art. 129, III, da Constituição da República, uma das atribuições do Ministério Público é “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Também o art. 83, III, da Lei Complementar n. 75/93, dispõe que compete ao Ministério Público do Trabalho “promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”.

Ao contrário do alegado pela ré, os pedidos formulados pelo Ministério Público do Trabalho, relativos à observância mínima da duração de trabalho e períodos de descanso do trabalhadores, possuem origem comum, qual seja, contratos de trabalho irmados com a ré, portanto, são direitos individuais homogêneos, que po-dem ser pleiteados individualmente ou pelo Ministério Público do Trabalho por meio de Ação Civil Pública. Há ainda um interesse social maior no efetivo cumprimento da legislação trabalhista.

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Ademais, a pretensão perseguida pelo Parquet possui caráter cominatório de forma a impedir não só a continuidade das lesões aos direitos dos empregados em atividade, mas também que a ré abstenha-se de lesar o direito dos futuros empregados, autorizando o ajuizamento da ação civil pública, nos termos do art. 83, III, da LC n. 75/93. A possibilidade de atuação do Ministério Público do Trabalho decorre da natureza dos direitos em litígio, e não da suposta pessoalidade dos fatos ou eventual necessidade de oitiva daqueles que foram prejudicados, como alegado pela ré em sua defesa.

Nesse sentido:

“O descumprimento de normas de proteção relativas à duração do trabalho e concessão de descansos afeta não só o trabalhador, individualmente considerado, mas a sociedade em geral e desse modo, não podem ser desrespeitadas sem justificativa plausível e real necessidade do serviço. A conduta das rés afronta os direitos sociais consubstanciados em normas de preservação da saúde, segurança e lazer. Resta demonstrado, dessa forma, que o comportamento ilícito das recorridas é realizado voluntariamente, ocasionando prejuízos consideráveis ao patrimônio coletivo dos trabalhadores que prestam serviços às rés. Assim, devida indenização por dano moral coletivo com base na Lei
n. 7.347/85, no Código Civil e na Constituição Federal.” (TRT/SP — Acórdão
n. 20110708304 — 11ª Turma — Desembargadora Relatora: Wilma Gomes da Silva Hernandes; Publ.: 7.6.2011).

“MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. LEGITIMIDADE ATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. INTERESSE SOCIAL RELEVANTE. 1. Na dicção da jurisprudência corrente do Supremo Tribunal Federal, os direitos individuais homogêneos nada mais são do que direitos coletivos em sentido lato, uma vez que todas as formas de direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), passíveis de tutela mediante ação civil pública, são coletivas. 2. Considerando-se interpretação sistêmica e harmônica dos arts. 6º, VII, letras c e d, 83 e 84 da Lei Complementar n. 75/93, não há como negar a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para tutelar direitos e interesses individuais homogêneos, sejam eles indisponíveis ou disponíveis. Os direitos e interesses individuais homogêneos disponíveis, quando coletivamente demandados em juízo, enquadram-se nos interesses sociais referidos no art. 127 da Constituição Federal. 3. O Ministério Público detém legitimidade para tutelar judicialmente interesses individuais homogêneos, ainda que disponíveis, ante o notório interesse geral da socie-dade na proteção do direito e na solução do litígio deduzido em juízo.

Verifica-se, ademais, que o interesse social a requerer tutela coletiva decorre também dos seguintes imperativos: facilitar o acesso à Justiça; evitar múltiplas demandas individuais, prevenindo, assim, eventuais decisões contraditórias, e evitar a sobrecarga desnecessária dos órgãos do Poder Judiciário.

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  1. Solução que homenageia os princípios da celeridade e da economia processuais, concorrendo para a consecução do imperativo constitucional relativo à entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável (...).” Precedente E-RR-411489/1997, DJ-7.12.2007, Ministro Lélio Bentes Corrêa.

    Destarte, o Ministério Público do Trabalho, por meio de sua Procuradoria Regional, detém legitimidade para ajuizar ação civil pública visando a tutela dos interesses coletivos e/ou individuais homogêneos dos trabalhadores da ré, visando assegurar o cumprimento da ordem jurídica.

    II.2) Prorrogação da jornada normal acima do limite legal de duas horas

    O Parquet airma que nas inspeções realizadas em maio de 2011 e junho de 2012 constatou-se que a ré prorroga a jornada normal de trabalho de seus empregados, além do limite legal de duas horas diárias, sem qualquer justificativa legal. A reclamada defende-se, alegando que a extrapolação da jornada ocorreu de acordo com o permissivo legal.

    Razão não assiste à ré. As autuações lavradas em 2011 (Id 3161004 — p. 3/12) e 2012 (Id 3161195 — p. 3/7) e o relatório elaborado pela perícia contábil do Ministério Público do Trabalho, nos controles de frequência dos funcionários da ré, no período de 10.2.2014 a 9.3.2014 (Id 4386043), demonstram a prática reiterada de prorrogação da jornada normal de trabalho, além do limite legal de duas horas, o que evidencia não tratar-se de situações emergenciais e pontuais como alegado na peça de defesa.

    Observa-se que vários funcionários que atuaram em excesso de jornada acima de duas horas são auxiliares de almoxarifado, a exemplo: Ednaldo Francelino O. de Almeida (Id 4200051 — p. 46), Marcos Izidio Pereira (Id 4200037 — p. 9), Elmut Cesario Galiza (Id 4200037 — p. 11), Jorge Alves Moreira (Id 4200037 — p. 27), Jose Carlos dos Santos (Id 4200037 — p. 86), Fabio de Jesus Almeida (Id 4200002 — p.
    61), Aldimar Barros Santana (Id 4200002 — p. 63), Antonio N. da Silva Sobrinho (Id 4200002 — p. 64), Sidney Coimbra de Oliveira (Id 4200002 — p. 66), Carlos Alberto da Silva (Id 4200002 — p. 72), Wallas Pinheiro Arlindo (Id 4199974 — p. 81), Francisco Ferreira de Lira (Id 4199974 — p. 96), bem como funcionários administrativos, tais como: Thomaz Pedroso Pereira (analista...

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