Dados sensíveis na era da informação : Análise dos programas de desconto de medicamentos no Brasil

AutorAline Fernandes dos Santos - Gabriel Ferreira Ribeiro Gomes - Juliana Freire Antoniol - Marcia Goldman - Mariana Cavalcanti Linhares - Paula Costa e Silva - Walter Britto Gaspar
Páginas267-314
Dados sensíveis na era da informação : Análise dos programas de
desconto de medicamentos no Brasil
ALINE FERNANDES DOS SANTOS
GABRIEL FERREIRA RIBEIRO GOMES
JULIANA FREIRE ANTONIOL
MARCIA GOLDMAN
MARIANA CAVALCANTI LINHARES
PAULA COSTA E SILVA
WALTER BRITTO GASPAR
Introdução
A vida contemporânea é profundamente marcada pelo advento de tecnologias,
especialmente as de informação e comunicação, que diminuem distâncias e
conectam pessoas. Elas têm benefícios intrínsecos — facilitam a troca de in-
formações, criam vínculos outrora impensáveis. Entretanto, existe um aspecto
que não deve passar despercebido. Quando o homem ingressa nessa rede de co-
municações, compõe uma representação que agrega dados pessoais, até mesmo
sensíveis. A patrimonialização desses dados — base de uma nova economia da
rede — não pode sobrepor -se à defesa dos direitos fundamentais e da persona-
lidade, especialmente a privacidade.
Os dados pessoais são utilizados de formas inimagináveis, até mesmo nos
mais simples atos da vida cotidiana. Uma das principais redes sociais na Inter-
net, o Facebook, foi acusada, em 2008, de utilizar dados sensíveis dos usuários
para outras  nalidades, que não a declarada pelo site, sem a autorização dos
seus titulares1. Outro caso de grande repercussão na mídia foi o da Playstation
Network, em 2011, quando um acesso de hackers à sua rede online comprome-
teu diversos dados pessoais dos usuários, como números de cartão de crédito e
endereços residenciais2.
Os dados de saúde, foco deste trabalho, também são tratados de forma que
pode ameaçar a privacidade dos cidadãos. O cadastro em um programa de des-
conto de medicamentos, aparentemente um benefício para o indivíduo, pode
ser fonte de grandes problemas ao promover o fornecimento de dados sensíveis
em um ambiente inseguro. Além disso, é importante ressaltar que esses dados
1 Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL585141 -6174,00 -FACEBOOK+E+
ACUSADO+DE+VIOLAR+PRIVACIDADE+DE+MEMBROS.html (acessado em 06/11/2011).
2 Disponível em http://www.ps3brasil.com/noticia.php?id=11952 (acessado em 21/09/2011).
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são utilizados para a criação de um per l do usuário que pode atender a interes-
ses diversos aos seus, inclusive ilícitos, antiéticos ou perigosos para o cadastrado.
Este trabalho tem como objetivo analisar as consequências de um trata-
mento desregrado dos dados sensíveis no contexto da sociedade da informação
e responder a questionamentos acerca do correto caminho regulatório a se se-
guir e da real natureza e de nição de dados sensíveis. Entretanto, seu foco reside
nos dados de saúde e na insu ciência da regulação a seu respeito. Por meio de
análise teórica e de caso concreto, busca -se expor os programas de desconto
de medicamentos, alertando para seu tratamento potencialmente prejudicial.
Além disso, apresenta -se uma análise normativa de direito comparado no con-
texto internacional com relação aos dados sensíveis, de modo a explicitar as
diferentes formas de tratá -los.
Essas questões são abordadas e organizadas, no corpo deste trabalho, em
três capítulos. O primeiro dissertará sobre uma visão histórica do instituto da
privacidade e sua intrínseca relação com os dados pessoais; o segundo especi-
cará a essência do trabalho, de nindo o conceito e os tipos de tratamento de
dados sensíveis ao redor do mundo globalizado, especialmente os referentes à
saúde; e,  nalmente, o terceiro desenvolverá uma análise objetiva dos progra-
mas de desconto de medicamentos no contexto brasileiro atual.
1. A privacidade e os dados pessoais
1.1 Contornos do Conceito de Privacidade
A privacidade, consagrada como um direito fundamental na maior parte dos
países, passou a ganhar maior relevância no âmbito jurídico em 1890, nos Es-
tados Unidos, com a publicação no Harvard Law Review do artigo de Warren
e Brandeis “ e Right to Privacy3. À época, relacionava -se à privacidade — a
“privacy” dos dois autores — ao direito de estar só — “the right to be let alone”,
mencionado em um primeiro momento pelo magistrado norte -americano  o-
mas Cooley em sua obra “Treatise of the law of torts”.
A necessidade de sua proteção foi enfatizada com a mudança da percepção
de pessoa humana, que, ao invés de ser somente mais um elemento do ordena-
mento jurídico, passou a ser o seu centro. Apesar dessa nova posição, não eram
todos os cidadãos que ocupavam tal posição. Na década de 1960, o direito à
3 DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 8.
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privacidade alcançava somente a parcela de alta renda da população, já que
era invocado, principalmente, nas ofensas a pessoas com maior exposição na
mídia. Entretanto, a transformação do Estado em um Welfare State fez que se
necessitasse de uma tutela mais expansiva de direitos, o que ajudou a frear essa
tendência a um tratamento da privacidade de forma elitista4.
A gradativa importância dada à privacidade e sua tutela está estritamente
correlacionada à era moderna. Esta relevância acabou gerando inúmeros deba-
tes em torno de sua concepção, fato que resultou na impossibilidade de con-
solidar uma única terminologia para tratar tal instituto; ou seja, nota -se, neste
momento, a carência de uma “de nição âncora” para privacidade5.
Essa imprecisão do termo cria um problema que se manifesta, basicamente,
em dois pontos. O primeiro é o diferente tratamento do instituto entre países,
o que decorre das particularidades existentes em cada sociedade. Já o segundo
refere -se à diferenciação da privacidade em um mesmo ordenamento jurídico.
Na doutrina brasileira, por exemplo, ela pode ser representada como: vida pri-
vada, intimidade, segredo, sigilo, entre outros. Também é observado o impasse
com relação à concepção de privacidade pelo desejo de fazê -la abranger diversas
situações, que se expandem cada vez mais devido aos avanços tecnológicos6.
Atualmente, uma das de nições mais aceitas de privacidade é a que a ca-
racteriza como “um aspecto fundamental do desenvolvimento da personalidade
humana e da realização da pessoa” 7. No contexto jurídico brasileiro, a privaci-
dade é tutelada pela Constituição de 1988 ao dispor, em seu artigo 5º, incisos
X e XI, sobre a inviolabilidade do domicílio e da intimidade e vida privada,
respectivamente. Já o Código Civil Brasileiro de 2002, em seu artigo 21, a con-
sidera como um direito da personalidade. Além desta perspectiva individual, é
necessário, também, entender a privacidade em uma dimensão expansiva, em
que ela precisa ser tutelada diante da coletividade como um todo8.
Sendo assim, observa -se que o conceito de privacidade evoluiu ao longo
do tempo re etindo os anseios presentes na sociedade. É importante frisar que
a privacidade foi conduzida a uma ótica cidadã, sendo afastada de uma lógica
patrimonialista. Apesar dessa separação, é possível a rmar que informações pes-
4 DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 9.
5 DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.
102.
6 DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. pp.
35 -36.
7 Ibidem. p. 9.
8 RODOTÀ, Stefano. Elaboratori elettronici e controllo sociale. Bologna: Il Mulino, 1973, p. 28 apud DO-
NEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 212.

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