Seguridade social - histórico, conceituação e princípios aplicáveis

AutorCláudia Salles Vilela Vianna
Ocupação do AutorAdvogada, Mestra pela PUC/PR, Conferencista e Consultora Jurídica Empresarial nas Áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, Coordenadora dos cursos de pós-graduação da EMATRA/PR e PUC/PR
Páginas37-82

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1. Origem e evolução histórica

Até o século XVII, nenhuma forma de prestação do Estado havia se concretizado no sentido de instituir um sistema de proteção social, com parte do salário dos trabalhadores, não obstante a existência de preocupações por parte da Igreja Católica neste sentido, registradas, por exemplo, por pronunciamento do Papa Leão XIII, na Carta Encíclica Rerum Novarum, sobre a condição dos operários:

"(...)

Causas do conflito

2. Em todo o caso, estamos persuadidos, e todos concordam nisto, de que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para eles uma protecção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada.

(...)

Benefício das corporações

29. Em último lugar, diremos que os próprios patrões e operários podem singularmente auxiliar a solução, por meio de todas as obras capazes de aliviar eficazmente a indigência e de operar uma aproximação entre as duas classes. Pertencem a este número as associações de socorros mútuos; as diversas instituições, devidas à iniciativa particular, que têm por fim socorrer os operários, bem como as suas viúvas e órfãos, em caso de morte, de acidentes ou de enfermidades; os patronatos que exercem uma protecção benéfica para com as crianças dos dois sexos, os adolescentes e os homens feitos.

(...)"

A primeira concretização de proteção social de que se tem registro ocorreu, pois, em 1601, na Inglaterra, com a edição da lei Poor Relief Act (Ato de Alívio/Auxílio aos Pobres), de cunho assistencial e que instituía contribuição obrigatória para fins sociais. O Estado limitava-se, regra geral, a prestar benefícios assistenciais, oferecendo pensões pecuniárias e locais de moradia à população carente.

A noção de Seguridade Social como uma forma de proteção social assegurada a todos os cidadãos se registrou apenas no século XVIII, especificamente no ano de 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Os países europeus, motivados pela iniciativa inglesa, criaram, gradativamente, sistemas protecionistas que garantiam, mediante contribuição, o direito ao indivíduo vítima de algum infortúnio

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(incapacidade laborativa decorrente de doença, invalidez ou velhice, bem como pensão por morte, devida aos dependentes do contribuinte) a percepção de renda. Observe-se, contudo, que a prestação social existia somente para os contribuintes do sistema, não existindo, até então, nenhuma forma de proteção garantida pelo Estado a todos os indivíduos, objetivo da verdadeira Seguridade Social.

Em 1883 a Alemanha, por Otto Von Bismarck, introduziu uma série de seguros sociais, como, por exemplo, o seguro contra acidentes do trabalho (totalmente custeado pelos empregadores e independente da comprovação de culpa) e seguro-doença (com custeio a cargo do trabalhador, empregador e Estado). Em 1889 editou-se uma lei que criou o seguro-invalidez e velhice, igualmente custeado pelos trabalhadores, empregadores e Estado.

No início do século XX, novamente a Inglaterra inovou em termos previdenciários, promulgando em 1907 uma lei de reparação de acidentes do trabalho e, em 1911, da cobertura às situações de invalidez, doença, aposentadoria e desemprego. Em seguida, a Constituição Mexicana (México, 1917) e a Constituição de Weimar (Alemanha, 1919) foram as primeiras a inserir normas sobre previdência social.

Em 1917 surge, com o Tratado de Versailles, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que evidenciava a necessidade de um programa sobre previdência social. Em 1927 foi criada, com sede em Bruxelas (Bélgica), a Associação Internacional de Seguridade Social.

No entanto, todo esse ordenamento legal e seus planos previdenciários, via de regra, exigiam contribuição dos trabalhadores, através de uma poupança individual de cunho obrigatório (sistema de capitalização), apesar de serem geridos pelo Estado. Inexistia, na verdade, a proteção social mantida pelo Estado, garantida a todos os indivíduos independente de contribuição. Faltava a noção de solidariedade social, princípio fundamental da Seguridade Social.

Esta noção surgiu somente a partir das políticas dos Estados Unidos, após a crise de 1929. Àquela época, o então Presidente Franklin Roosevelt, preocupado com o desemprego que crescia a largos passos, adotou o New Deal (Novo Negócio), política que inspirou a Europa a uma doutrina do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State).

O Welfare State surgiu nos países europeus e decorre da expansão do capitalismo após a Revolução Industrial. Essa nova política e a doutrina do Welfare State objetivavam dar ao trabalhador, dentre outros direitos, novos postos de trabalho e uma rede de previdência e saúde públicas.

Em 1940, na Grã-Bretanha (onde se inclui a Inglaterra), foram alterados os planos previdenciários existentes pelo Plano Beveridge, transformando a previdência num sistema universal, abrangendo todas as classes societárias e de participação compulsória de toda a população. Criada estava, portanto, a Seguridade Social, com o objetivo precípuo de proteção através da solidariedade social. Surge, então, e por conseqüência, o regime de repartição, onde toda a sociedade contribui para a criação de um fundo único previdenciário, do qual se retiram as prestações para os indivíduos que dele necessitarem. Este é o modelo previdenciário existente atualmente na maioria dos países.

1.1. Evolução Histórica no Brasil

1888 - Primeiro registro de Previdência Social no Brasil, o Decreto n. 9.912-A, de 26.3.1888, criou e regulou o direito à aposentadoria dos empregados dos Correios, fixando como requisitos à sua concessão 30 anos de serviço efetivo e idade mínima de 60 anos. Em 24.11.1888, copiando o modelo adotado pelos Correios, surge a Lei n. 3.397, criando a Caixa de Socorros em cada uma das Estradas de Ferro do Império.

1889 - Publicado o Decreto n. 10.269, de 20.7.1889, criando o Fundo de Pensões do Pessoal das Oficinas da Imprensa Nacional.

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1890 - O Decreto n. 221, de 26.2.1980, institui a aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil, posteriormente ampliada para todos os ferroviários (Decreto n. 565, de 12.7.1890). Em 31.10.1890, o Decreto n. 942-A criou o Montepio Obrigatório dos Empregados do Ministério da Fazenda.

1891 - Constituição Federal de 1891 - Primeira Constituição Brasileira a conter a expressão "aposentadoria", concedida somente aos funcionários públicos em caso de invalidez decorrente de serviços prestados à Nação. Não havia fonte de contribuição.

1892 - Publicada a Lei n. 217, de 29.11.1982, instituindo a aposentadoria por invalidez e pensão por morte para os Operários do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro.

1894 - O projeto de lei apresentado pelo Deputado Medeiros e Albuquerque visava a instituir um seguro de acidente do trabalho. No mesmo sentido foram os projetos dos Deputados Gracho Cardoso e Latino Arantes (1908), Adolfo Gordo (1915) e Prudente de Moraes Filho.

1911 - Publicado o Decreto n. 9.284, de 30.12.1911, criando a Caixa de Pensões dos Operários da Casa da Moeda.

1912 - Publicado o Decreto n. 9.517, de 17.04.1912, criando uma Caixa de Pensões e Empréstimos para o pessoal das Capatazias da Alfândega do Rio de Janeiro.

1919 - A Lei n. 3.724, de 15.1.1919, torna obrigatório o seguro contra acidentes do trabalho em determinadas atividades.

1923 - Lei Eloy Chaves - Publicado o Decreto n. 4.682, de 24.1.1923, conhecido como Lei Eloy Chaves (nome do autor do projeto respectivo), determinando a criação de uma Caixa de Aposentadoria e Pensões para os empregados de cada empresa ferroviária. É considerada o marco inicial da Previdência Social brasileira. Os beneficiários eram os empregados e os diaristas que executassem serviços de forma permanente. A primeira a ser criada foi a da empresa Great Western do Brasil, em 20.3.1923.

Ainda no ano de 1923 foi publicado o Decreto n. 16.037, de 30.4.1923, criando o Conselho Nacional do Trabalho, com atribuição, inclusive, de decidir sobre questões relativas à Previdência Social.

1926 - A Lei n. 5109, de 20.12.1926 estende o regime da Lei Eloy Chaves aos portuários e marítimos.

1928 - A Lei n. 5.485, de 30.6.1928...

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