Segurança, palavra de ordem: os influxos do autoritarismo penal na aplicação da legislação antiterror chilena e brasileira

AutorEvandro Piza, João Victor Fiocchi
CargoProfessor de Processo Penal e Criminologia na Faculdade de Direito (UnB)/Doutorando em Sociologia pela Universidade da Pensilvânia (UPenn)
Páginas137-160
Direito.UnB, Setembro-Dezembro, 2019, V.03, N. 1 137
SEGURANÇA, PALAVRA DE ORDEM: OS INFLUXOS DO
AUTORITARISMO PENAL NA APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO
ANTITERROR CHILENA E BRASILEIRA
SECURITY, WATCHWORD: THE INFLOWS OF CRIMINAL
AUTHORITARIANISM IN THE APPLICATION OF CHILEAN AND
BRAZILIAN ANTI-TERROR LEGISLATION
Evandro Piza Duarte
Professor de Processo Penal e Criminologia na Faculdade de Direito (UnB).
Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).
Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
João Victor Nery Fiocchi Rodrigues
Doutorando em Sociologia pela Universidade da Pensilvânia (UPenn)
Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).
RESUMO
O texto analisa o caso Norín Catríman y Otros vs. Chile, julgado pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos em maio de 2014, a partir de uma perspectiva que o desloca da posição de um
caso isolado de aplicação equivocada da legislação antiterror e o insere no contexto latino-americano
de generalizadas violações a direitos e liberdades individuais de integrantes de grupos vulneráveis
por meio da intervenção penal repressiva. Nesse empreendimento, traz-se o tratamento conferido ao
Movimento dos Sem-Terra, em que a rejeição ao dissenso político e a negativa de direitos e liberdades
dos manifestantes também se deu pela via da criminalização, mesmo antes da criação de uma legislação
antiterror.Assim,esclarece-seque,adespeitodosinequívocosperigosadvindosdatipicaçãodocrime
de terrorismo a partir de uma norma incriminadora de caráter amplo e aberto, é certo que, na América
Latina, as violações cotidianas a direitos e liberdades constitucionais têm se dado sem a necessidade
do recurso à legislação de exceção. Porém, o uso da legislação antiterror se apresenta também agora no
Brasil com a criação da Lei 13.260 de 16 de março de 2016, como mais um mecanismo de ampliação e
antecipaçãodatutelapenaldirecionadaagruposvulneráveis,masquesãodenidoscomo“perigosos”,
inserindo-se em uma dinâmica enraizada de cerceamento seletivo e rotineiro de direitos e liberdades,
ancorada nos imperativos genéricos de defesa da segurança e de manutenção da ordem. Tais casos
corroboram uma longa trajetória de estratégias antidemocráticas de criminalização da questão social.
Palavras-chave: Povo Mapuche. MST. Criminalização. Autoritarismo Penal. Legislação antiterror.
Direito.UnB, Setembro-Dezembro, 2019, V.03, N. 1 138
ABSTRACT
The article analyzes the case Norín Catríman y Otros v. Chile, judged by the Inter-American Court of
Human Rights in May 2014, from a perspective that shifts it from the standpoint of an isolated case of
misapplication of the anti-terror legislation and places it in the Latin American context of widespread
violations of individual rights and freedoms of members of vulnerable groups through repressive
criminal interventions. In this context, the treatment of the Landless Workers Movement (MST) is
evidenced, in a context in which the rejection of political dissent and the denial of the rights and freedoms
of protesters also occurred through criminalization, even before the creation of an anti-terror legislation.
Thus,despitetheunequivocaldangersarisingfromthetypicationofthecrimeofterrorismfromabroad
and open incriminating law, it is certain that in Latin America daily violations of constitutional rights
and freedoms have occurred without the need to resort to an “exception legislation”. However, the use
of anti-terror legislation is now also present in Brazil with the creation of Law 13.260 of March 16, 2016,
as another mechanism for expanding and anticipating criminal control aimed at vulnerable groups, that
aredenedas“dangerous”,fallingwithinadeep-rooteddynamicofselectiveandroutinecurtailment
of rights and freedoms, anchored in the generic imperatives of defending security and maintaining
order. Such cases corroborate a long history of undemocratic strategies to criminalize social issues.
Keywords: Mapuche People. MST (Landless Workers’ movement). Criminalization. Criminal
Authoritarianism. Anti-Terrorism Legislation.
INTRODUÇÃO
Em agosto de 2015, a Câmara dos Deputados do Brasil aprovou o parecer do deputado Arthur
Oliveira Maia (SD-BA) para o Projeto de Lei n. 2.016/20151,quetipicaocrimedeterrorismo.Alei,
além de prever um tipo penal misto alternativo em que múltiplas condutas são consideradas práticas
terroristas (às quais comina pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão), criminaliza também os
atospreparatórioseonanciamentodoterrorismo,bemcomopermiteaaplicaçãodosprocedimentos
investigatórios previstos na Lei n. 12.850/2013 e a imposição de prisão temporária aos indiciados por
esse crime.
A aprovação do projeto reacendeu o candente debate relativo à criminalização do terrorismo
no país, já presente nas discussões que permearam a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988,
que culminaram com a determinação constitucional de que o terrorismo constitui crime hediondo
1 Disponível em: .br/proposicoesWeb/prop_
mostrarintegra?codteor=1369649&lename=PEP+1+CCJC+%3D%3E+PL+2016/2015>

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