Segurança Alimentar no Direito do Consumidor Brasileiro e da União Europeia (parte final)

AutorAna Carolina Hasse de Moraes
CargoBacharel em Direito/PR
Páginas191-219

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4. Princípios do direito do consumidor relativos à segurança alimentar
4.1. No ordenamento brasileiro

4.1.1. Princípio da dignidade da pessoa humana

Consiste no principal direito constitucionalmente garantido, uma vez que é o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional, como ensina Rizzatto Nunes, o qual também leciona que é um fundamento que "funciona como princípio maior para a interpretação de todos os direitos e garantias conferidos às pessoas no texto constitucional"31.

Todo e qualquer ser humano apenas pelo fato de ser pessoa já possui dignidade, uma vez que a dignidade humana se trata de valor desde logo preenchido a priori. É, igualmente, um valor supremo, máximo que tange o valor moral, ético e espiritual.

O direito a dignidade é inalienável, irrenunciável e acima de todo o modelo constitucional, de forma que serve de fundamento ao próprio sistema jurídico. Pode-se dizer que é um princípio que se estabelece como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, servindo de critério e parâmetro de valoração a nortear a interpretação do sistema normativo. Assim, dá-se como sendo o respeito à integridade física e moral da pessoa, às condições fundamentais de liberdade e igualdade, bem como a admissão da existência de pressupostos materiais mínimos a im de que se possa viver.

Encontra-se disposto no artigo 1º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de modo que é instituído como fundamental. Destarte, pode-se ver o princípio da dignidade humana sob a égide do direito do consumidor, haja vista que se encontra protegido pelo Código de Defesa do Consumidor brasileiro no seu artigo 4º, no caput:

"Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios."32 4.1.2. Princípio da proteção à vida, saúde e segurança

O princípio da proteção à vida, saúde e segurança tem seu nascedouro no princípio maior da dignidade, já que a dignidade da pessoa humana pressupõe um piso vital mínimo33.

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Do mesmo modo é tratado no artigo 4º, caput, do CDC e tem o objetivo de garantir de modo expresso a sadia qualidade de vida com saúde do consumidor e sua segurança, os quais são direitos básicos do consumidor assegurados no artigo 6º, inciso I, do mesmo Codex, assim como consistem em condições morais e materiais ao consumidor.

José Geraldo Filomeno airma que, com base na doutrina de Eduardo Polo:

"(...) tudo hoje em dia é direito do consumidor: o direito à saúde e à segurança; o direito a defender-se contra a publicidade enganosa e mentirosa; o direito de exigir as quantidades e qualidades prometidas e pactuadas; o direito de informação sobre os produtos, os serviços e suas características, sobre o conteúdo dos contratos e a respeito dos meios de proteção e defesa; o direito à liberdade de escolha e igualdade na contratação, o direito de intervir na ixação do conteúdo do contrato; o direito de não se submeter às clausulas abusivas; o direito de reclamar judicialmente pelo descumprimento ou cumprimento parcial ou defeituoso dos contratos; o direito à indenização pelos danos e prejuízos sofridos; o direito de associar-se para a proteção de seus interesses; o direito de voz e representação em todos os organismos cujas decisões afetem diretamente seus interesses; o direito, enim, como usuários, a uma eicaz prestação dos serviços públicos e até mesmo à proteção do meio ambiente."34 4.1.3. Princípio da proteção e da necessidade

O caráter protecionista e de interesse social do Código de Defesa do Consumidor brasileiro se faz presente imediatamente no artigo 1º da lei. Tal fato se dá em razão da própria necessidade da proteção do consumidor face o fornecedor em uma relação jurídica consumerista, sendo que este acontecimento é uma das razões pelas quais se criou a referida lei.

Destarte, há intervenção estatal no domínio econômico, pois o Estado age diretamente a im de garantir o suprimento de produtos necessários ao consumidor, como por exemplo, nos casos de suprimento de alimentos.

4.1.4. Princípio da transparência e da informação

Ambos os princípios são fundamentais no direito do consumidor brasileiro.

O princípio da transparência se trata de uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor, como ensina Cláudia Lima Marques35. Por transparência, deve-se entender informação clara e correta em relação ao produto ou serviço a ser adquirido, isto é, consiste na ideia de respeito e lealdade nas relações consumeristas.

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Destarte, o fornecedor tem a obrigação de informar ao consumidor tanto as características do produto/serviço, bem como sobre o conteúdo do contrato, sendo que desta maneira evita-se qualquer tipo de lesão ao consumidor, o qual poderia se sujeitar a uma obrigação que não suporta ou não deseja. Faz-se, desta maneira, a aplicação do princípio da informação, previsto no inciso IV do artigo.

Outrossim, adquirindo um produto/serviço sem dispor de informações claras e precisas sobre suas qualidade e características, poderia se submeter à aquisição de um produto que não é apropriado para aquilo que intenciona ou não obtém as qualidades que o fornecedor assegura possuir.

O princípio da transparência se trata de uma exigência do princípio de boa-fé objetiva e proteção da coniança36, também é princípio geral do próprio Código e se correlaciona a outro princípio mencionado igualmente no artigo 4º, o respeito à dignidade do consumidor.

Para Roberto Senise Lisboa, a transparência é:

"(...) clareza qualitativa e quantitativa da informação que incumbe às partes conceder, reciprocamente, na relação jurídica, o qual só é possível de ser realizado pela adoção de medidas que importem no fornecimento de informações verdadeiras, objetivas e precisas ao consumidor, bem como ao fornecedor, por parte do destinatário inal do produto e serviço."37Já o princípio da informação faz sua primeira aparição no art. 6°, inciso II, do CDC. Trata-se da obrigação por parte do fornecedor de oferecer ao consumidor todas as informações relativas ao produto ou serviço, tais como características, riscos, qualidade, preços, entre outros. Ao informar, deve o fazer de forma clara e precisa e deve ser feito mesmo antes da realização do contrato.

Ensina Rizzatto Nunes que "A informação não pode faltar com a verdade daquilo que informa de maneira alguma, quer seja por airmação, quer por omissão. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para, de maneira confusa ou ambígua, iludir o destinatário da informação"38.

A informação consiste em um dos mais vastos e importantes princípios das relações consumeristas, haja vista possuir caráter norteador e seu principal fundamento é a educação e a harmonia entre fornecedor e consumidor,

O princípio da proteção à vida, saúde e segurança tem seu nascedouro no princípio maior da dignidade

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visando o melhoramento do mercado, conforme determina o art. 4°, inciso IV, do CDC.

Trata-se, portanto, o dever de informar em dever essencial (art. 6°, III, CDC), para que possa ocorrer a harmonia e a transparência na relação, fato este que enseja ao art. 31 do Código.

4.1.5. Princípio da proteção aos interesses econômicos

O princípio da proteção aos interesses econômicos do consumidor consiste na informação correta e bem como na aceitação do consumidor. O próprio CDC, em seu artigo 4º, determina:

"(...) a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo."39Consiste em direito que visa precaver possíveis abusos por parte dos fornecedores, sobrepondo-se nas relações jurídicas consumeristas a igualdade material, lealdade e boa-fé em todas as etapas do contrato. Um exemplo deste princípio seria se um consumidor fosse exigido de pagar por um bem ou serviço pelo qual não requisitou. Ou mesmo quando as empresas se juntam de maneira a ambicionar seus interesses, os quais, na maioria das vezes, são prejudiciais aos interesses econômicos dos consumidores.

Destarte, trata-se de direito protetor dos interesses econômicos do consumidor que almeja o equilíbrio nas relações de consumo e para que o consumidor não sofra prejuízos.

4.1.6. Princípio da segurança

O princípio da segurança se faz presente nos artigos 12 e 14 do CDC e é um dos mais importantes no direito do consumidor em razão de servir de estrutura para todo o sistema de responsabilidade civil das relações de consumo, assim como entende Sergio Cavalieri Filho40.

A sua importância se deve ao fato de que, anteriormente ao Código, não havia legislação competente a im de proteger e defender o consumidor contra os possíveis riscos da relação de consumo. Implica dizer, deste modo, que o consumidor era o responsável por esses riscos e arcava com os mesmos, exceto no caso em que o fornecedor respondia por culpa ou dolo, porém comprovar essa ocorrência era extremamente difícil.

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Entretanto, com o advento do CDC, esse quadro foi invertido levando à transferência dos riscos do consumo para o fornecedor, não mais o consumidor.

É justamente o princípio da segurança que gera a obrigação de indenizar caso o produto ou serviço não responda às expectativas do...

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