Saúde e segurança no meio ambiente do trabalho: a prevenção e a responsabilização como meios de valorização e repersonalização do Direito do Trabalho

AutorGraciane Rafisa Saliba - Márcia Regina Lobato
Páginas136-147

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Graciane Rafisa Saliba1

Márcia Regina Lobato2

Considerações iniciais

A centralização do indivíduo, erguendo-o a protagonista e concomitantemente como o telos de todo o sistema normativo, favorece a expansão do reconhecimento da fundamentalidade das normas de saúde e segurança no meio ambiente do trabalho, para que efetivamente aconteça a valorização do indivíduo enquanto trabalhador.

O tratamento constitucional brasileiro dado ao meio ambiente aborda inclusive a seara laboral para a real implementação de um padrão humanista, e a observância das normas de saúde e segurança do trabalho refletem uma política de sustentabilidade e interdependência nas relações trabalhistas, para que, além de salvaguardar o bem-estar dos empregados, também evitem os danos acarretados para os empregadores em consequência de tais sinistros.

A temática permeia os riscos inerentes ao exercício das atividades profissionais, os quais devem ser minimizados para atendimento dos preceitos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assim como devem ser tratadas medidas preventivas que coíbam os infortúnios decorrentes de acidentes laborais.

Sendo assim, diante da ocorrência desses acidentes, debate-se o reconhecimento das responsabilidades subjetiva e objetiva, introduzidas respectivamente no caput e no parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que implementaram relativamente a responsabilidade civil do empregador em relação à reparação dos infortúnios laborais sofridos por seus empregados, quando infringidas as normas de saúde e segurança no meio ambiente do trabalho.

Para tanto, pretende-se fortalecer a construção jurídica no sentido de uma maior proteção aos trabalhadores acidentados, incluindo-se aí o aumento das indenizações, por conta do ofensor, como um meio, a priori, de mecanismo capaz de efetivamente propiciar a segurança no ambiente laboral a todos os trabalhadores, em todos os níveis de ocupação. Instalar-se-ia,

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assim, um padrão prevencionista, com a repersonalização do Direito do Trabalho em prol da centralização do indivíduo, do trabalhador.

Saúde e segurança no meio ambiente do trabalho: perspectiva dos direitos fundamentais

Os direitos vêm, assim, como uma resposta às necessidades sociais, com novas exigências decorrentes dessas relações e das condições históricas e culturais. Essa formação, com o estabelecimento de normas que possibilitam a convivência em sociedade já era vivenciado desde o Código de Hamurabi (1690 a.C.), cuja codificação consagrou, na Antiguidade, um rol de direitos comuns a todos os homens (MORAES, 2007, p. 6). Posteriormente verifica-se também a contribuição dos gregos para a formação do pensamento filosófico e jusfilosófico, assim como os romanos que também exerceram papel relevante, ao elaborarem um mecanismo visando à proteção dos direitos individuais (MAGALHÃES 2002, p. 24).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, inovou ao tratar, ainda que basilarmente, da igualdade social, com os princípios norteadores de igualdade, liberdade e fraternidade. E, a partir daí, diversas Declarações passaram a tratar do tema, tal como a Declaração de Direitos dos Estados Unidos e também a da Revolução Francesa, que destacou o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança e à igualdade.

Tais direitos passaram a ser inseridos em instrumentos internos dos Estados, com reconhecimento nas ordens jurídico-institucionais nacionais, e por isso diferenciados, por alguns doutrinadores, como direitos fundamentais, conforme explicitado por Ingo Sarlet:

(...) em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com deter-minada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)”. (SARLET, 2009, p. 29)

Nesse sentido, vislumbra-se que a evolução e o desenvolvimento dos direitos humanos, para alcançar a forma e entendimento encontrados na contemporanei-dade, são resultado de uma longa e dialética trajetória, perpassando por conceitos filosóficos elaborados desde a Antiguidade para a defesa da dignidade humana e combate à violência, exploração e miséria. Decorrente muitas vezes de Declarações e Convenções internacionais, foram paulatinamente incorporados aos ordenamentos internos, refletindo, após a inserção de normas de natureza social na Constituição, um compromisso do Estado com a sociedade, resplandecendo a necessi-dade de uma interpretação holística dos direitos para efetivação dos direitos humanos, ou seja, uma análise conjugada e simultânea de direitos individuais, coletivos e difusos.

2.1. Meio ambiente: perspectiva constitucional e abrangência

Há uma congruência entre os direitos humanos, especialmente entre o direito à vida, à saúde e ao meio ambiente saudável e equilibrado. Não se pode viver qualitativamente sem que as condições sejam propícias, e somente quando atendidas tais condições poderão ser exercitados os demais direitos humanos, dentre eles os sociais, os políticos e os da personalidade. “O fenômeno da necessidade de proteção ao meio ambiente passou a ser considerado um conjunto de elementos interligados e de causação recíproca entre eles, e como tal, principiou a ser tratado nos direitos internos dos países” (SOARES, 2001, p. 40).

A priorização da produção, num primeiro momento no cenário histórico, relegou a segundo plano a questão ambiental, diante da necessidade de desenvolvimento e progresso:

Em seu início, o século XX tinha herdado dos séculos anteriores, em especial do final do século XIX, a ideia de que o desenvolvimento material das sociedades, tal como potencializado pela Revolução Industrial, era o valor supremo a ser almejado, sem contudo atentar-se para o fato de que as atividades industriais têm um subproduto altamente nocivo para a natureza e, em consequência, para o próprio homem. Na verdade, inexistia mesmo uma preocupação com o meio ambiente que cercava as indústrias, pois, à falta de proble-

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mas agudos, havia um entendimento generalizado de que a natureza (entendida como um “dado” exterior ao homem) seria capaz de absorver materiais tóxicos lançados ao meio ambiente, e, por um mecanismo “natural” (talvez “mágico”?!), o equilíbrio seria mantido de maneira automática. (SOARES, 2001, p. 35).

Entretanto, os acúmulos degradativos do meio ambiente foram sentidos com reflexos diretos na saúde da população e também dos trabalhadores, culminando em afastamentos, acidentes e até morte. E, para tanto, imperou a necessidade de se repensar esse desenvolvimento que se vislumbrou insustentável com o passar dos anos, haja vista a impossibilidade de manutenção da produção nessas condições.

Ressalta-se que os efeitos dos danos ambientais expandem por uma área que não se pode nem mesmo delimitar, não sendo limitada ao Estado e nem mesmo às pessoas que ali vivem:

(...) os acidentes responsáveis por danos ambientais ocorridos na última década certificam por si só que a poluição ambiental não se limita às fronteiras de um país. Chernobyl, o acidente da Sandoz que contaminou o Rhin, a poluição marítima devida a acidentes de navios petroleiros ou a ações deliberadas de guerra, com os incêndios de postos petrolíferos causados pelos exércitos iraquianos ao se retirarem do Kuwait, a degeneração da camada de ozônio, para citar alguns fatos, ainda estão presentes na memória da comunidade internacional e lhe recordam constantemente a interdependência dos Estados em matéria de proteção ao meio ambiente. (JIMENEZ, 1994, p. 15)

E foi nesse sentindo que exsurgiu uma concentração de esforços global em prol de um desenvolvimento sustentável, com a utilização racional dos bens e fatores de produção naturais, priorização da qualidade de vida e possibilidade de existência digna, sendo tal pensamento difundido na esfera mundial, com o tema levado a tratamento na Organização das Nações Unidas (ONU), que convocou a Conferência de Estocolmo, em 1972, especialmente dedicada ao meio ambiente humano, e que resultou na instituição do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma.

A partir daí os Estados passaram a inserir o direito ao meio ambiente em instrumentos constitucionais, explicitando o tratamento de direito fundamental, como foi o caso do Brasil, no art. 225 da CF/1988, ao expressar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).

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