Saneamento do Processo no CPC/2015

AutorGelson Amaro de Souza
CargoDoutor em Direito Processual
Páginas23-35

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Introdução

Sabe-se que a finalidade do processo é proteger o direito material, impedindo a sua violação ou proporcionando a reparação quando concretamente violado. Assim é que o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal afirma que nenhuma lei poderá afastar da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão. Fica clara a preocupação do constituinte em erigir o processo como instrumento para a realização do direito material. Nesta toada, o processo existe para dar proteção ao direito material. Mas, para que isso aconteça, o processo precisa seguir o procedimento legal, sem vícios ou defeitos. A forma de corrigir os vícios e retirar os defeitos do processo ou do procedimento é o que se convencionou chamar “saneamento do processo”.

Como instrumento para a realização do direito material, o processo precisa contar com procedimento idôneo, sem vícios ou defeitos, para que possa cumprir a sua missão de proteger o direito material e realizar a justiça. Neste passo bem observou Amaral Santos1, afirmando que para servir de instrumento idôneo da jurisdição, o processo deverá formar-se e desenvolver-se regular-mente. E, para que assim o seja, o Estado tem tanto ou mais interesse que as partes, devendo o juiz fiscalizar o processo, desde o seu início, de modo a atingir a sua meta, não só isento de vícios, defeitos ou irregularidades, como também em condições de se proferir sentença justa.

1. Saneamento do processo

A expressão saneamento dá a ideia de limpeza, correção, conserto, suprimento, acerto. A doutrina sempre ensinou que o saneamento do processo às vezes começa com a análise da petição inicial, como nos casos de despacho que manda completá-la ou emendá-la, bem como o que manda acertar a representação ou juntar documentos necessários à propositura da ação (art. 320 do CPC/2015).

Em verdade o saneamento do processo não se faz com uma providência isolada nem um simples despacho, por isso há de entender-se que o saneamento do processo mais se liga a uma fase processual do que a um mero despacho, como se tornou conhecido na sistemática passada. Moacyr Amaral Santos ensinava que a função saneadora do juiz, ele a exerce desde ao receber e despachar a petição inicial, mas, dando maior ênfase, especial-mente, através das chamadas providências preliminares (Primeiras Linhas de DPC, v. 2, p. 247).

Calmon de Passos, de sua vez, afirmou que o revogado código de 1973 havia reservado o nome de despacho saneador não para o que expunge o processo de seus vícios e irregularidades, sim para aquele que o declara livre desses mesmos vícios e em condições de prosseguir na fase instrutória (Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, p. 578). A rigor, o nosso Código de Processo Civil de 2015 não tratou especificamente do saneamento do processo como o fez

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o código anterior, preferindo tratar, no artigo 334, das audiências de conciliação e mediação e, no artigo 347, das providências preliminares, e entre estas encontram-se muitas providências saneadoras, muito embora não se utilize desta expressão. Mas isso não impede que o juiz tome medidas saneadoras desde o início até o fim do processo.

Muito embora não seja possível isolar o saneamento do processo em uma dada localização da legislação, o CPC/2015 procurou, dentro do possível, concentrar as matérias relacionadas ao saneamento do processo nos capítulos IX (artigos 347 a 353) e X (arts. 354 a 357).

No capítulo IX cuida das providências preliminares e saneamento do processo, abrindo as seções I (art. 348), que trata da não incidência dos efeitos da revelia, e art. 349, que permite ao revel tomar o processo e produzir provas. A seção II fala da alegação de fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito do autor (art. 350), e a seção III repete as alegações do réu (arts. 351 a 353).

No capítulo X trata do julgamento conforme o estado do processo (arts. 354 a 357) abrangendo a seção I, da extinção do processo (art. 354); a seção II, do julgamento antecipado do mérito (art. 355); a seção III, do julgamento parcial do mérito (art. 356); e seção IV, do saneamento e da organização do processo (art. 357). Percebe-se que, por mais de uma vez, o Código de Processo Civil de 2015 fala expressamente em saneamento (capítulo IX e seção IV do capítulo X). Mas as matérias tratadas nas outras seções destes capítulos também são inerentes ao saneamento do processo. Também as matérias constantes dos arts. 330 e 337 do CPC/2015 são relacionadas ao saneamento do processo.

2. Das providências preliminares

Uma vez efetuada a citação e ultrapassada a oportunidade de resposta do réu, os autos serão remetidos ao juiz, que os analisará e determinará algumas providências complementares, quando estas se fizerem necessárias (art. 347 do CPC/2015).

Havendo contestação do réu ou mesmo sem contestação, mas neste último caso, se for uma das hipóteses em que não ocorre o efeito da revelia (art. 348 do CPC/2015), o juiz mandará o autor especificar as provas com as quais pretende provar os fatos alegados.

Não havendo contestação, e não sendo caso das exceções (art. 345 do CPC/2015), o juiz julgará no estado do processo (arts. 316 e 354 c/c arts. 485 e 487 do CPC/2015).

Comparecendo o réu e alegar qualquer das matérias previstas no art. 337 do CPC/2015, o autor será ouvido no prazo de quinze dias, sendo-lhe permitida a produção de prova documental (art. 350 do CPC/2015).

3. Do julgamento conforme o estado do processo

O capítulo X, do título I do livro I, da parte especial que trata do procedimento comum, regula as formas e como o processo será julgado no estado em que se encontra.

A expressão julgamento no estado do processo tem provocado alguma confusão, pois muitos entendem que se trata de julgamento que extingue o processo sem julgamento de mérito. No entanto a atual legislação processual civil, nos artigos 354 do CPC/2015, contém redação bastante clara a indicar que se trata de julgamento de mérito quando a extinção for com base no art. 487 e sem mérito nos casos do art. 485 do CPC/2015. Os artigos 355 e 356 contêm redação clara falando em mérito, o que afasta qualquer dúvida a respeito.

A redação da seção I, capítulo X, art. 354, que trata da extinção do processo, já traz em seu bojo casos de julgamento de mérito ao se referir ao art. 487, pois este cuida de julgamento de mérito. Nesta seção, encontra-se também referência ao artigo 485, e este, sim, cuida da extinção do processo sem mérito. A expressão “extinção de processo” da seção X, e do art. 354, que manda o juiz proferir sentença e, com isso, extinguir o processo quando ocorrerem as hipóteses dos arts. 485 e 487, no primeiro caso será sentença sem julgamento de mérito (art. 485) e no segundo extinção com julgamento de mérito (art. 487 do CPC).

A extinção do processo com base no art. 485 não corresponde ao julgamento da lide, visto que nestes casos o processo será extinto sem julgamento de mérito. Todavia, a extinção com base no art. 487 do CPC/2015 já é julgamento da lide, porque, por expressa disposição da norma, já se julga o mérito da causa. Ora, julga-se o mérito, julga-se a lide. Pois a lide é o próprio mérito.

4. Do julgamento antecipado do mérito

A seção II do capítulo X, a quem foi reservada a expressão “Do julgamento antecipado do mérito”, diz em seu art. 355 que: “O juiz julgará diretamente o pedido, proferindo sentença com resolução do mérito quando: I – não houver necessidade de produção de outras provas; II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349”.

A redação do caput do art. 355 ao que se pensa é equivocada, pois inicia falando em julgamento antecipado do pedido. Julgamento

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antecipado não existe. Todo julgamento deve ser no momento certo e não há como antecipá-lo. Melhor se tivesse dito que se trata de julgamento “direto do pedido” e não antecipado. Depois, ao se falar em julgamento do pedido, já está se referindo ao mérito e não haveria necessidade de dizer que se trata de resolução do mérito.

No inciso I do art. 355, encontra-se a casuística de que esse julgamento acontece quando não houver necessidade de produzir outras provas. Mas o inciso II acrescenta que assim também o será quando o réu for revel e ocorrer o efeito da revelia previsto no artigo 344 e não houver requerimento de produção de prova na forma do artigo 349. Ora, já se disse que um dos efeitos da revelia é a presunção de verdadeiros os fatos narrados pelo autor (art. 344). Assim, os efeitos da revelia dispensam a produção de prova, restando tão somente matéria de direito para ser analisada. Restando somente matéria de direito, logo o caso de revelia constante do inciso II já estava contido no inciso I (desnecessidade de produção de outras provas).

Disposição parecida com esta, no Código de Processo...

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