Será o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado um direito fundamental? Em busca da nota de fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

AutorMarco Túlio Reis Magalhães
Páginas288-311

Marco Túlio Reis Magalhães. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília – UnB, área de Concentração: Direito, Estado e Constituição. E-mail: marucosam@yahoo.com.br.

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Introdução

O presente artigo busca analisar alguns aspectos relevantes do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - enquanto norma constitucional veiculada com base no disposto no artigo 225 da Constituição Federal brasileira1, por meio de alguns apontamentos que se podem formular a respeito, em face de algumas contribuições da moderna dogmática de direitos fundamentais. Nesse sentido, toma-se como eixo norteador de discussão oPage 289 enquadramento que se deu a este direito na ADI 3.540-MC/DF pelo Supremo Tribunal Federal – STF, com destaque ao voto do Ministro relator Celso de Mello2.

De acordo com esse norte, pergunta-se pela fundamentalidade3 deste direito e pela delimitação do bem jurídico que ele busca proteger, com apoio, inicialmente, na doutrina ambiental, contrastada com duas perspectivas dogmáticas a respeito de direitos fundamentais. A par dessas considerações, busca-se, em retomada à decisão já referida, avaliar a necessidade de maior esclarecimento conceitual e metodológico da questão da proteção ambiental, não só diante, mas também dentro da moderna dogmática de direitos fundamentais e da sua repercussão nas decisões judiciais.

O que interessa ao artigo, portanto, é a fundamentação que se explicita por meio da discussão acerca dos seguintes pontos: caracterização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito (fundamental ou não) de terceira geração; tensão entre os valores ambientais, de um lado, e econômicos e/ou de livre iniciativa, de outro, enquanto bens constitucionalmente assegurados; possibilidade de tal direito vir a integrar uma colisão de direitos e o método que se propõe para tanto.

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Sobre a nota de fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
A defesa de um direito fundamental ao meio ambiente na decisão em análise

A fundamentação do referido aresto, no voto do Ministro relator Celso de Mello, é clara no sentido de constatar que a preservação da integridade do meio ambiente é expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas e que os preceitos do artigo 225, CF/88, traduzem a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas4. Reforça, pois, o caráter de fundamentalidade de tal direito a partir das características que lhe agregam a perspectiva histórica de gerações dos direitos fundamentais, a materializar poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente e de modo difuso a todos a consagrar o princípio da solidariedade. E tal premissa, a seguir analisada, fundamentase tanto no preceito da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972)5, como na posição doutrinária de diversos autores.

Análise da doutrina que sustenta os argumentos da decisão – essencialmente sob a ótica da doutrina do direito ambiental constitucional

A decisão do caso lastreia-se em uma gama de doutrinadores, mormente envolvidos com a temática ambiental, para ressaltar a fundamentalidade de tal direito, consagrando-o como um direito fundamental. Destaca-se como exemplo o entendimento de alguns deles. Edis Milaré considera o direito a um meio ambiente sadio como direitoPage 291 fundamental da pessoa humana, que se configura, “na verdade, como extensão do direito à vida, quer sobre o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos”6, quer sobre o aspecto da qualidade de vida.

José Afonso da Silva acrescenta que o disposto no artigo 225 contempla normas distintas, sendo que no caput “se inscreve a norma-princípio, a norma-matriz, substancialmente reveladora do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”7, enquanto “direito fundamental entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados.”8 Em sentido semelhante, Nicolao Dino acrescenta que “esse traço de “fundamentalidade” reporta-se ao reconhecimento de que o direito ao ambiente sadio constitui a expressão de um valor inerente à dignidade humana.”9

Paulo de Bessa Antunes defende que o direito em comento é um direito fundamental da pessoa humana, de eficácia plena10, como importante marco na construção de uma sociedade democrática e participativa e socialmente solidária. Destaca que:

[...] o legislador constituinte, ao atribuir ao meio ambiente a condição de um direito a ser desfrutado pelo Ser Humano, desta e de outras gerações, efetivamente, deu-lhe uma conotação essencialmente política e, portanto, cultural. Diante da constitucionalização do termo, qualquer outra definição que exclua dele o caráter de um direito fundamental, a ser desfrutado pelos indivíduos, não encontra amparo em nossa Norma Fundamental.11

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Luis Sirvinkas, apoiado na classificação de norma-princípio de José Afonso da Silva, defende que, ainda que não expresso no artigo 5°, CF, trata-se de um direito fundamental, um direito ou interesse difuso, a ser protegido e usufruído por todos.12

Entre outros, o que se ilustrou aqui foi que, em termos gerais, há uma reivindicação do direito em análise como direito fundamental, fundamentando-se, primordialmente, nas características que tal direito possui por compor a terceira geração de direitos fundamentais, quer dizer: historicidade, inalienabilidade/indisponibilidade, constitucionalização, vinculação aos Poderes Públicos, bem como um direito que propugna um interesse difuso, vinculado a um princípio de solidariedade, por exemplo.

Contudo, ainda que presentes neste direito algumas características inerentes aos direitos fundamentais13, não se esclarece suficientemente seu status, em termos da classificação funcional da moderna dogmática de direitos fundamentais. Há, quando muito, afirmação genérica e pouco fundamentada, de que se trata de um direito social (José Afonso da Silva, por exemplo), não ressaltando sua complexidade.

E a condição do direito ao meio ambiente como direito fundamental, ainda que louvável do ponto de vista argumentativo para o fortalecimento dos valores constitucionalmente protegidos, deve buscar maior coerência e fortalecimento no campo da dogmática dos direitos fundamentais, que podem ser alcançados, por exemplo, com maior reflexão crítica a partir de um maior desenvolvimento do cotejo entre este direito e os conceitos que buscam definir e classificar os direitos fundamentais. Uma sugestão desse caminho será apresentada a seguir, após a delimitação do que seja o bem jurídico ambiental, protegido constitucionalmente (conforme a doutrina majoritária de direito ambiental).

Breve análise do bem jurídico que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado visa proteger

Não há dúvida que o bem jurídico protegido por tal direito é extremamente relevante. Luis Roberto Barroso, ao analisar a proteção do meio ambiente na Constituição de 1988, destacou:

[...] por certo que existe um valor novo na ordem jurídica, representado pela preservação do meio ambiente. Este bem jurídico é tutelado por institutos ePage 293 normas que se espalham por diferentes domínios jurídicos, como o direito constitucional [...].14

E complementa José Afonso da Silva que “a tutela do meio ambiente é instrumental, no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade de vida”15 Edis Milaré ressalta, por fim, que “a Carta brasileira erigiu-o à categoria de um daqueles valores ideais da ordem social [...] e lhe dá a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida [...].”16

Em verdade, o bem jurídico que se almeja proteger pode ser tanto a qualidade de vida17, quanto o meio ambiente sadio18. Há quem diga, inclusive, que se trata de um bem que requer uma classificação doutrinária alternativa, qual seja, a de um bem difuso19, no sentido de que não é nem público (como bem estatal), nem privado (no sentido de ser usufruído individualmente). Resta claro, pois, que há certas peculiaridades acerca do bem jurídico protegido, devido, essencialmente, às características próprias e complexas de um direito de terceira geração.

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O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado sob a perspectiva da dogmática de direitos fundamentais
A tentativa de melhor delimitar este direito, a partir do seu confronto com a classificação funcional dos direitos fundamentais

É assente na doutrina atual de direitos fundamentais o entendimento de que os direitos fundamentais desempenham múltiplas funções na sociedade e na ordem jurídica20. Nesse sentido, Paulo Gustavo destaca que “essa diversidade de funções leva a que a própria estrutura dos direitos fundamentais não seja unívoca e propicia algumas classificações, úteis para a melhor...

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