A rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética e a promoção do desenvolvimento na periferia global

AutorPedro Rocha Fleury Curado
CargoDoutor em Economia Política Internacional pela UFRJ
Páginas75-106
A rivAlidAde entre estAdos Unidos e União
soviéticA e A promoção do desenvolvimento
nA periferiA globAl1
Pedro Rocha Fleury Curado2
Resumo
O presente artigo objetiva analisar o papel da “teoria da modernização” e da
“teoria do desenvolvimento não-capitalista” como base para a elaboração
dos programas de ajuda internacional de Estados Unidos e União Soviética
no âmbito da Guerra Fria. Ambas as teorias foram elaboradas em resposta à
crescente rivalidade sistêmica entre as duas superpotências e em sincronia
com os objetivos de projeção geopolítica de cada uma delas. Analisando cada
caso, o texto argumenta que, a despeito da rivalidade, existiam semelhanças
substanciais na forma como cada corrente teórica concebia as políticas
necessárias para o desenvolvimento econômico nos países da periferia global.
Palavras-chave: Modernização, Desenvolvimento não-capitalista, Guerra
Fria, Cooperação Internacional, Terceiro Mundo.
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O presente trabalho abordará o tema da cooperação para o desenvolvi-
mento no seu contexto histórico de origem, isto é, a Guerra Fria. O objetivo
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de desenvolvimento para a periferia apresentadas por Estados Unidos e
União Soviética e a política de potência de ambos os Estados. Para tanto,
1 Este trabalho é o desenvolvimento de um tópico abordado na Tese de Doutorado “A Guerra Fria e a cooperação
ao desenvolvimento com os países não-alinhados: um estudo de caso sobre o Egito Nasserista (1955-1967)”,
apresentada no Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da universidade Federal do Rio
de Janeiro –PEPI/UFRJ.
Artigo original preparado para o VIII Colóquio Brasileiro em Economia Política dos Sistemas-Mundo.
2 Doutor em Economia Política Internacional pela UFRJ. E-mail: pedro.917@gmail.com
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Pedro Rocha Fleury Curado
Textos de Economia, Florianópolis, v.17, n.2, p.75-106, jul./dez.2014
será feita uma análise comparativa sobre a forma como a promoção do de-
senvolvimento no terceiro mundo foi concebida pelos estrategistas e Think
Tanks de ambas as superpotências. Buscaremos, em cada caso, sublinhar
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da cooperação se aplica, assim como sua potencial funcionalidade geoes-
tratégica no contexto da rivalidade bipolar sistêmica. Argumentaremos que
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do modelo de Estado de uma das superpotências em detrimento da outra,
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políticas econômicas substancialmente similares.
1. O COnCEitO dE “dEsEnvOLvimEntO” E a pOLítiCa
ExtErna das supErpOtênCias nO pós-sEgunda
grandE guErra
O desenvolvimento é um conceito em disputa dentro dos estudos da
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freqüentemente em discursos políticos e estudos acadêmicos, sendo o pro-
gresso, a melhoria, o avanço ou a modernização alguns dos sentidos comu-
mente derivados. Por ser genérico, é não raramente subdividido no plano
discursivo e programático em áreas como “desenvolvimento econômico”,
“desenvolvimento social”, “desenvolvimento tecnológico” etc. Em termos
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idéia dicotômica entre o que já é “desenvolvido” e o “não-desenvolvido”,
ou o estado onde o desenvolvimento estaria ausente.
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basilar para a construção de teorias que ainda hoje orientam as políticas
de “ajuda externa” ou “cooperação para o desenvolvimento”3. Criadas no
contexto da Guerra Fria e no processo de descolonização, elas perduram
atualmente tanto em políticas individuais de determinados países como em
programas organizados no âmbito de agências multilaterais, como a ONU
e o Banco Mundial.
3 Os termos “ajuda” e “cooperação” serão tratados como sinônimos neste texto. Lembramos, entretanto, que na
literatura os termos nem sempre são vistos com o mesmo significado. No âmbito do discurso político dos países
em desenvolvimento, por exemplo, existem governos que preferem utilizar o termo “cooperação” para enfatizar
o caráter horizontal e recíproco da política posta em prática.
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No pós-Segunda Guerra, o conceito de “desenvolvimento” e, em
particular, a “promoção ao desenvolvimento” na periferia global esteve
diretamente associado à política externa de Estados Unidos e União Sovié-
tica. Sua aplicação, seja por um ou pelo outro, estava orientada por teorias
evolucionistas e normativas que, sincronizadas com o interesse de cada
potência em projetar-se sobre a periferia global, serviam aos objetivos de
ordem geopolítica. Para compreendermos o contexto histórico onde o termo
e a prática são forjados, cumpre a realização de uma breve reconstituição
do período no qual tal política adquiriu relevância.
A conferência de Yalta, em 1945, inaugura a nova Ordem mundial
bipolar, onde Estados Unidos e União Soviética são as superpotências glo-
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Unidas –ONU- (1945). Antes desta, a reunião de Bretton Woods, em 1944,
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nacional (através da sua paridade com o ouro) e estabelecido a criação das
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-GATT- (1947), com a função de harmonizar as políticas aduaneiras dos
Estados signatários e impulsionar o comércio internacional do pós-guerra;
b) o Fundo Monetário Internacional -FMI- (1946), com o objetivo anuncia-
do de reconstruir o sistema monetário internacional; e c) o Banco Mundial
-BM- (1946), voltado à assistência ao desenvolvimento em países de “renda
média”. De maneira geral, os objetivos de tais iniciativas estavam voltados
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para apoiar a economia expansiva e, assim, viabilizar a reconstrução do
mundo europeu do pós-guerra.
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ciada pelo ambiente de Guerra Fria, já que contou com o apoio unilateral
dos Estados Unidos aos seus aliados estratégicos por intermédio tanto de
programas de reconstrução das economias nacionais européias como de uma
política unilateral de abertura. Tal medida fazia da expansão do mercado
interno estadunidense e da valorização de sua taxa de câmbio face aos demais
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Unidos. Este mecanismo levará à produção de uma liquidez diferenciada

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