Risks of illness in the work of doctor and nurses of regional hospital in Mato Grosso/Riscos de adoecimento no trabalho de medicos e enfermeiros em um hospital regional mato-grossense/Riesgos de enfermedad en el trabajo de medicos y enfermeros en un hospital regional del estado brasileno De Mato Grosso.

AutorBarros, Nereida Maria Guabiroba Coelho
CargoArtigo--Administracao Geral
  1. INTRODUCAO

    O trabalho sempre acompanhou o homem em sua evolucao historica. Para garantir sua sobrevivencia, as pessoas precisam trabalhar. Tratado como elemento criador de sentidos e de valores para o trabalhador, o trabalho pode ser considerado elemento constituinte da essencia humana, do saber aprender de cada individuo, da forca de coesao e da integracao social (HELLER, 2000). Alem de proporcionar ao individuo seu sustento material, o trabalho assume uma funcao psiquica na estrutura de constituicao do sujeito e de sua rede de significados. Por essa razao, a relacao do homem com o trabalho torna-se um componente relevante dos processos de identidade e subjetividade (SCHWARTZ, 2011; CLOT, 2011).

    Apesar de o trabalho conferir carater construtor a vida do homem, se realizado em condicoes precarias pode se tornar gerador de doencas. Tendo o trabalho como fonte de prazer e sofrimento, o trabalhador reage de forma individual as condicoes em que ele e realizado, segundo comenta Dejours (1992). Uns adoecem; outros nao. Uns sofrem mais; outros, menos. Tudo ocorre com base em seus constructos subjetivos. Essas questoes tem sido estudadas pela Psicodinamica do Trabalho, desenvolvida por Christophe Dejours na decada de 1980 a partir de estudos que realizou sobre a loucura do trabalho. As primeiras pesquisas realizadas no Brasil nesse ambito datam do inicio dos anos 1990.

    Em principio, Dejours (1992) associou o adoecimento psiquico a pratica laboral, apoiandose na Psicopatologia. Posteriormente, seus estudos passaram a fundamentar-se no carater subjetivo que as relacoes de trabalho produziam nos trabalhadores e nas estrategias desenvolvidas por eles para lidar com o sofrimento, culminando na disciplina chamada de Psicodinamica do Trabalho. Pela otica dessa disciplina, a doenca se manifesta em alguns, deixando outros a salvo, respeitando-se o significado que o sofrimento assume na vida de cada individuo. Tal significado relaciona-se a historia individual, em contraposicao com as relacoes de trabalho. Assim, o trabalho torna-se perigoso quando faz aumentar os esforcos para uma adaptacao. Ou seja, quando o trabalhador se ve obrigado a reagir a rigidez ocupacional que lhe e imposta. Em resposta a essa situacao, ele adota estrategias defensivas que podem ultrapassar limites suportaveis e levar ao adoecimento, resultante do esforco excessivo a adaptacao. Se nao houver a possibilidade de o trabalhador exercer sua atividade laboral com liberdade e respeito a expressao de seu saber fazer, a pressao sofrida podera se transformar em sofrimento e, consequentemente, em risco de adoecimento.

    Segundo Clot (2011), o trabalho como atividade material e simbolica constitutiva do vinculo social e tambem componente da vida subjetiva. O processo de subjetivacao do trabalhador e a relacao que este mantem com o trabalho estao associados ao contexto ocupacional e aos efeitos que decorrem da vida do individuo nesse ambiente, segundo comentam Mendes e Ferreira (2007). Para esses autores, as condicoes do trabalho, as relacoes socioprofissionais, as vivencias de prazer e sofrimento, as exigencias do contexto de trabalho e os danos fisicos, cognitivos e psicologicos causados pela realizacao das tarefas sao elementos que devem ser investigados para avaliacao dos riscos de adoecimento ocupacional.

    As demandas provenientes das mudancas sociais, tecnologicas e das novas formas de organizacao do trabalho estao presentes em todas as realidades de trabalho. Na area da Saude, essa realidade nao poderia ser diferente, pois as mudancas na relacao de seus profissionais com os pacientes somam-se aquelas relacionadas ao avanco de tecnologias de diagnostico e tratamento, a cultura de prevencao, ao aumento da expectativa de vida, ao grande crescimento demografico e a oferta cada vez maior de profissionais no mercado (MARTINS, 2003). Rodrigues (2006) ressalta que, cada vez mais, as instituicoes hospitalares, apesar de sua especificidade, tem se tornado semelhantes aquelas do setor industrial, seja no sentido geral da administracao, seja da utilizacao da tecnologia para satisfazer as demandas do "cliente", por meio da oferta de "produtos" de qualidade. Nos hospitais, as demandas do paciente sao imediatas, traduzindo-se, muitas vezes, em uma questao de vida ou morte. Por essa razao, essa realidade e bem mais complexa se comparada a das organizacoes industriais. De um lado, os pacientes buscam atendimento rapido e personalizado, desenvolvido por equipes multidisciplinares, que devem atuar de forma eficiente e integrada, considerando as necessidades e singularidades do usuario. De outro lado, o ambiente de trabalho nos hospitais e tenso por natureza, pois ali estao sempre presentes a dor, a alegria, a vida e a morte. Ressalta-se, ainda, a existencia de constante conflito entre as equipes multiprofissionais, que convivem em tempo integral com a disputa por espaco, poder e dominio, em uma corrida contra o tempo e a falta de condicoes adequadas de trabalho (PITTA, 2003). Nessa arena encontramse os medicos e os enfermeiros, que, sem negar a importancia decisiva de outros profissionais que ali atuam, ocupam posicoes e papeis sem os quais seria inviavel o atendimento hospitalar.

    No que tange aos medicos, o aumento da complexidade dos servicos prestados, os avancos tecnologicos e a caracterizacao da area da Saude como negocio estao entre os elementos que pressionam a atividade desse profissional e que se somam a baixa remuneracao e a perda de autonomia presentes em suas atividades (MARTINS, 2003; ISMAEL, 2005). Quanto aos enfermeiros, eles sao considerados elementoschave na concretizacao do trabalho hospitalar porque sua profissao implica doacao, entrega e atendimento as necessidades do outro (ALVES, 1996). Entretanto, o trabalho do enfermeiro ainda e demarcado pela falta de autonomia, pela baixa autoestima e pelo estigma da enfermagem, por vezes ainda considerada pratica pouco valorizada e desvinculada do profissionalismo (PITTA, 2003).

    Pressupoe-se que as idiossincrasias pertencentes ao trabalho de medicos e enfermeiros ate aqui relatadas, e tambem o fato de estes atuarem em uma unidade de emergencia hospitalar do Sistema Unico de Saude (SUS), podem conduzir ao adoecimento ocupacional. Em consonancia com o parecer 55.820/98 do Conselho Regional de Medicina do Estado de Sao Paulo (CREMESP), define-se como "emergencia" a constatacao medica de condicoes de agravo a saude que impliquem risco iminente de morte ou sofrimento intenso, as quais, portanto, exigem tratamento medico imediato. Considera-se que no atendimento emergencial o cuidado e a atencao para com os usuarios do servico devem ser disponibilizados em tempo habil e necessario para o restabelecimento da vida de uma pessoa. Portanto, neste tipo de atividade exigem-se do profissional de saude dominio de tecnicas aprimoradas, autonomia, dinamismo, agilidade e capacidade de solucionar problemas pertinentes a pacientes que se encontram em estado grave. Somam-se a essas caracteristicas as peculiaridades da saude publica hospitalar brasileira, como a superlotacao dos servicos, o ritmo acelerado de producao e a baixa remuneracao dos profissionais (GODOY, 2009).

    Pelo fato de a unidade hospitalar participante do estudo ser a principal disponivel para atendimento de uma populacao proveniente de 14 cidades do interior mato-grossense, realidade que deve pressionar fisica e mentalmente os profissionais que nela atuam, interroga-se: como se configuram as vivencias em relacao aos riscos de adoecimento de medicos e enfermeiros em uma unidade hospitalar publica do setor de emergencia?

    Para trazer respostas a pergunta colocada, a pesquisa realizada e descrita neste artigo e qualitativa e se inspira no conteudo do Inventario de Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA), de Mendes e Ferreira (2007). Por meio desse instrumental, e possivel avaliar o contexto de trabalho, os danos causados pela realizacao das tarefas, as vivencias de prazer e sofrimento na funcao e os custos que decorrem do trabalho realizado. Procurou-se, para fins de complementacao do estudo, levantar quais sao as estrategias de defesa utilizadas pelos medicos e enfermeiros para lidar com os riscos de adoecimento no trabalho. Acredita-se que este artigo traz como contribuicao para a academia uma possibilidade de analisar em profundidade a organizacao do trabalho de medicos e enfermeiros adaptando-se um inventario quantitativo de pesquisa a um roteiro semiestruturado de levantamento de dados. Esse procedimento permitiu chamar a atencao para as particularidades que envolvem as relacoes entre a organizacao do trabalho e as vivencias de prazer e sofrimento de profissionais que atuam no segmento da Saude.

  2. REFERENCIAL TEORICO

    O referencial teorico do artigo esta dividido em duas subsecoes. Na primeira, discutem-se aspectos associados ao prazer e ao sofrimento que medicos e enfermeiros experimentam no exercicio da funcao, partindo-se de conceitos pertinentes a Psicodinamica do Trabalho. Na segunda, abordam-se as estrategias utilizadas para a mediacao do sofrimento no trabalho.

    2.1. O prazer e o sofrimento de medicos e enfermeiros segundo a Psicodinamica do Trabalho

    A Psicodinamica do Trabalho, como teoria, objetiva desenvolver uma analise social e psiquica do trabalho tendo como ponto de partida a organizacao do proprio trabalho, para entao compreender as vivencias subjetivas do trabalhador, dentre elas o prazer, o sofrimento, o processo saude-adoecimento e os mecanismos de mediacao do sofrimento (MENDES, 1996; DEJOURS, 2000). O objeto de estudo da Psicodinamica do Trabalho envolve "as relacoes dinamicas entre a organizacao do trabalho e processos de subjetivacao", ao que ela chama de "processo de atribuicao de sentido, construido com base na relacao do trabalhador com sua realidade de trabalho, expresso em modos de pensar, sentir e agir individuais ou coletivos" (MENDES; FERREIRA, 2007:30). Comentam Mendes e Ferreira (2007) que essas dinamicas envolvem a...

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