Exposição a Risco e Captação em Fundos de Investimento: os Cotistas Monitoram a Alocação de Ativos?

AutorRafael Felipe Schiozer - Diego Lins de Albuquerque Pennachi Tejerina
CargoFundac¸ ao Getulio Vargas - EAESP, Sao Paulo, SP, Brasil - Itau Unibanco S.A, Sao Paulo, SP, Brasil

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Exposição a Risco e Captação em Fundos de Investimento: Os Cotistas Monitoram a Alocação de Ativos?

(Risk Exposure and Net Flow in Investment Funds: Do Shareholders Monitor Asset Allocation?)

Rafael Felipe Schiozer*

Diego Lins de Albuquerque Pennachi Tejerina**

Resumo

Esse estudo identifica o impacto do risco dos ativos dos fundos de renda fixa e referenciados sobre sua captação no mercado brasileiro, explorando a variação exógena na percepção de risco de passivos emitidos por bancos (CDBs), causada pela crise financeira internacional que se seguiuà quebra do banco Lehman Brothers nos EUA, em setembro de 2008. A hipótese centralé que a exposição dos fundos a ativos negativamente impactados pela crise afete negativamente sua captação. Dentre os fundos não-exclusivos, encontrou-se que a proporção de ativos mais afetados pela crise impactou negativamente a captação, o que indica que os cotistas monitoram a alocação de ativos e exercem um poder disciplinador sobre a gestão por meio de saque de seus recursos. Nos fundos exclusivos, em que se supôe que o cotista tenha maior poder de influenciar na realocação de ativos, não se identifica relação significativa entre exposição a ativos afetados pela crise e captação.

Palavras-chave: fundos de investimento; risco; crise financeira; assimetria de informação; alocação de ativos; captação.

Códigos JEL: G01; G11.

Submetido em 15 de agosto de 2013. Reformulado em 26 de dezembro de 2013. Aceito em 6 de fevereiro de 2014. Publicado on-line em 17 de março de 2014. O artigo foi avaliado segundo o processo de duplo anonimato além de ser avaliado pelo editor. Editor responsável: Newton C. A da Costa Jr. Os autores agradecem os comentários e sugestôes dos participantes do Encontro Brasileiro de Finanças de 2012, seminários da FGV/EAESP e de dois avaliadores anônimos. Rafael Schiozer agradece ao apoio financeiro da Fapesp. Eventuais erros e omissôes são dos autores.

*Fundação Getulio Vargas – EAESP, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: Rafael.Schiozer@fgv.br

**Itaú Unibanco S.A, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: diego.tejerina@itau-unibanco.com.br

Rev. Bras. Finanças (Online), Rio de Janeiro, Vol. 11, No. 4, December 2013, pp. 527–558 ISSN 1679-0731, ISSN online 1984-5146

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Schiozer, R., Tejerina, D.

Abstract

This study investigates the impact of asset allocation on the net flow of fixed income funds in the Brazilian market, by exploiting the exogenous variation in the risk perception of bank liabilities (CDs) caused by the financial turmoil that followed Lehman Brothers’ demise in September 2008. The central hypothesis is that the exposure to assets negatively affected by the crisis impacts negatively the fund’s net flow. We find that, for mutual funds, the larger proportion of assets negatively affected by the crisis the larger the net outflow of resources, indicating that shareholders monitor asset allocation and exert disciplining power on fund managers by withdrawing their resources. In exclusive funds (fundos exclusivos, i.e., funds with a single shareholder), for which the shareholder is presumed to exert more influence on asset reallocation, we find no significant relationship between the exposure to assets negatively affected by the crisis and net flows.

Keywords: investment funds; risk; financial crisis; informational asymmetry; asset allocation; net flow.

1. Introdução

A indústria de fundos no Brasil foi fortemente afetada pela crise financeira internacional que se seguiuà quebra do banco Lehman Brothers em setembro de 2008. Mesmo os segmentos de fundos de renda fixa e referenciados, considerados os mais seguros, apresentaram uma captação líquida (saldo líquido de aportes e resgates) negativa de cerca de R$50 bilhôes entre setembro de 2008 e março de 2009, fase mais aguda da crise, uma perda equivalente a quase 10% de seu patrimônio antes da crise.1Essa onda de saques não foi um fenômeno pontual brasileiro. Na indústria de fundos americana, segundo Schmidt et al. (2013), o principal impacto ocorreu no segmento de fundos de money market, especialmente após a quebra do Reserve Primary Fund (RPF), fundo que detinha grande exposição a ativos ligados ao Lehman Brothers. A quebra do RPF desencadeou uma grande quantidade de saques aos fundos de money market que detinham ativos com risco de crédito, independentemente de estarem ou não expostos ao Lehman Brothers. Ao mesmo tempo, fundos que carregavam títulos públicos sofreram rápidos e volumosos aportes.

O objetivo desse estudoé identificar se os cotistas de fundos de investimento monitoram a alocação de ativos do fundo e reagem ao risco assumido pelos gestores. Mais especificamente, investigamos se uma variação exógena no risco dos ativos do fundo causa saques de cotistas. Com essa

1Dados extraídos de nossas próprias análises.

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Exposição a Risco e Captação em Fundos de Investimento

finalidade, utilizamos o choque exógeno causado pela crise financeira inter-nacional que se seguiuà quebra do banco Lehman Brothers em 2008, que teve impacto sobre a percepção dos investidores sobre o risco de crédito dos passivos emitidos por bancos brasileiros (principalmente os CDBs), para testar se a exposição a esses ativosé determinante para a captação dos fundos.

Essa variação exógena no riscoé o experimento ideal para testar a relação entre risco e captação. Em outros contextos, seria difícil para o investigador empírico identificar o impacto (causal) do risco do fundo em sua captação, pois as variaçôes observadas no risco dos ativos quase sempre advêm de decisôes de realocação por parte do gestor (que são endógenasà captação), ou são acompanhadas de variação nos retornos observados pelo fundo. Assim, esse estudo se insere na literatura sobre disciplina de mercado, na linha de Martinez-Peria & Schmukler (2001), sobre corridas a fundos, na linha dos trabalhos de Schmidt et al. (2013) e Ben-David et al. (2012), que notam que as corridas a fundos podem se assemelhar a corridas bancárias, assunto extensivamente tratado na literatura econômicofinanceira. Adicionalmente, também são levados em conta aspectos dos trabalhos relacionados a smartmoney (que relacionam a alocação de recur-sos dos investidores ao desempenho dos fundos), como Ippolito (1992), Gruber (1996), Wermers (2003). Finalmente, esse trabalho complementa também o estudo de Oliveira et al. (no prelo), que identificou que os depositantes perceberam uma garantia governamental implícita, dada apenas aos grandes bancos brasileiros durante o período mais agudo da crise de 2008.

Focamos especificamente nos fundos Referenciados e de Renda Fixa, em detrimento das outras categorias de fundos (açôes, multimercados, cambiais etc), por dois motivos: i) esses fundos apresentavam, entre 2007 e 2010, exposição quase nula a outros tipos de risco de crédito que não os de instrumentos emitidos por bancos (a exposição a instrumentos como debêntures e outros passivos emitidos por empresas não-financeirasé desprezível); ii) esses fundos não estão expostos, por definição, a outros tipos de risco de mercado que não o de taxas de juros. Como o interesse específicoé na influência do risco dos ativos do fundo sobre os seus saques e aportes, a inclusão de outras categorias de fundos tornaria a análise virtual-mente impossível, visto que a crise presumivelmente afetou não só o risco dos ativos, como também as expectativas de retorno, sendo difícil isolar classes específicas de risco.

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Schiozer, R., Tejerina, D.

Os resultados mostram que, dentre os fundos não-exclusivos, aqueles que carregavam ativos que tiveram sua percepção de risco de crédito aumentado durante a crise de 2008 (CDBs de bancos médios e pequenos) sofreram mais saques, ao passo que, fora da crise, a exposição a esses mesmos ativos teve um pequeno efeito positivo sobre a captação. O efeitoé estatisticamente e economicamente significante: a exposição a esses ativos de um desvio-padrão acima da média causa uma captação líquida negativa da ordem de 6% durante a crise. Nos fundos exclusivos, em que supostamente o cotista exerce maior influência sobre a gestão, e os incentivos para saques são menores, não se observa influência da exposição a esses ativos sobre as captaçôes, mas os gestores realocam seus ativos, diminuindo sua exposição aos instrumentos cuja percepção de risco foi aumentada.

O restante do artigo está dividido da seguinte maneira: a próxima seção discute aspectos da crise de 2008 que têm importância para a análise a ser realizada e a literatura concernente ao tema; a seção 3 discute a metodologia adotada; a seção 4 apresenta a base de dados e as estatísticas descritivas; a seção 5 mostra os resultados das estimaçôes dos modelos econométricos e aúltima seção conclui.

2. A Crise de 2008, Corridas Bancárias e a Indústria de Fundos

Nos Estados Unidos, o episódio da falência do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, exacerbou a assimetria de informação e a demanda por liquidez, o que culminou numa onda de saquesà indústria de money market funds, totalizando 300 bilhôes de dólares na semana que se seguiuà falência do banco, volume equivalente a 8% do total de ativos dessa classe de fundos naépoca (Schmidt et al., 2013). O forte fluxo de resgates só diminuiu com o anúncio pelo Tesouro americano, no dia 19 de setembro de 2008, de que garantiria os investimentos em fundos de money market, medida que se assemelhaà criação de um seguro-depósito. Apesar de ter conseguido diminuir a intensidade da onda de saques, a sequência de fluxos negativos só foi interrompida após algumas semanas. Schmidt et al. (2013) mostram ainda que, ao mesmo...

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