Risco, compliance e o direito do trabalho

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas100-104

Page 100

  1. O risco e sua gestão são considerados alavancas para incentivar certas medidas de cautela pelas empresas, principalmente por meio do denominado Corporative Compliance Program. Dentre as razões justificadas encontra-se mais especificadamente a necessidade de proteger as empresas em face de sistemas criminais punitivos que adotam a responsabilidade penal de pessoas jurídicas, cumulativamente com a imputação de conduta ilícitas das pessoas físicas a elas vinculadas, particularmente no estrato do que se costuma denominar de brain area, administradores e representantes legais por “decisão estratégica delitiva”.

    Compliance pode ser entendido como o ato de cumprir, de estar em conformidade com normas jurídicas, regulamentos internos e externos, diretrizes e políticas estabelecidas pela e para a organização. Programa de Compliance1 se constitui, portanto, como um conjunto de medidas adotadas no âmbito de empresas para assegurar-se de que sejam cumpridas todas as regras jurídicas vigentes2 e, na hipótese de descumprimento, que sejam descobertas mediante fiscalização as ações irregulares com vistas a mitigar o risco de aplicação de sanções diretas e internas, na busca da preservação da sua reputação e confiabilidade no mercado.

    Compliance empresarial se situa nos marcos de estratégias de gestão empresarial, visando práticas de “boa governança” corporativa, invariavelmente atrelada à ideia de meio de prevenção, detecção e monitoramento de e para mitigação de riscos, mediante a adoção de mecanismos de controle interno que implementam uma nova “cultura organizacional”. Por fim, agrega mais valia à empresa.

    Deconhecida no Direito do Trabalho, proposta e mais intensamente estudada sobretudo no Direito Penal, por meio da Criminal Compliance, no qual mantém-se atrelada ao conjunto de mecanismos e medidas que visam à prevenção, à detecção e ao combate de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e atos de terrorismo, além de outros atos contra a administração pública, acaba por gerar reflexos direta e indiretamente nas condutas dos empregados e, desta forma, afetam os contratos de trabalho.

  2. Medidas de prevenção penal de risco têm sua origem na década de ’60/’70, no Estados Unidos da América3, por meio do Criminal Risk Management e no Foreign Corrupt Practices Act, editado após o caso Watergate. Algumas décadas mais tarde, já nos anos ’80, a Treadway Comission (National Comission on Fraudulent Financial Reporting) elabora os informes COSO. No entanto, os Programas de Compliance adquirem seu perfil atual com o Sarbanes-Osley Act (SOX), em 2002, como resposta a uma série de escândalos financeiros (erros e fraudes contábeis) envolvendo a Enron e a WorldCom4.

    Na sequência vieram nos Estados Unidos da América o Federal Information Security Management Act (FISMA), em 2002, o Can Spam Act, em 2003, Payment Card Industry Data Security Standard (PCI DSS), em 2004 e Dodd-Frank Act, de 2010, que envolvem Compliance guidelines em tecnologia da informação.

    Medidas de combate à lavagem de dinheiro, corrupção e terrorismo estão disseminadas em todos os países, citando-se apenas a título de exemplo, na Alemanha o Deutscher Corporate Governance Kodex ou na Austrália o Corporate Law Economic Reform Program Act, de 2004 e, nos marcos do GAFI, inclusive Cuba.

    Neste trilhar, o Brasil instituiu a Lei da Empresa Limpa por meio da Lei n. 12.846/2013, que alterou a Lei n. 9.613/1998

    Page 101

    e que dispõe “sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores, a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei e cria o Conselho de Atividades Financeiras — COAF, conhecida como a Lei Anticorrupção Empresarial, vigente desde 29 de janeiro de 2014. Torna-se imperativa a implantação de práticas de conformidade ou Compliance no ambiente empresarial que, notadamente diante da tentativa de introduzir a possibilidade da adoção da “teoria do domínio do fato” (deveria conhecer o fato), sobretudo após o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos Autos 470 (Julgamento do Mensalão) bem da previsão legal de responsabilidade objetiva em relação aos empregados a eles subordinados perante terceiros prevista constitucionalmente ou, por conta da culpa in vigilando nas demais hipóteses, instiga as empresas a adotar códigos de conduta para compliance.

  3. Nesta pauta por princípios éticos, que se diz pretender melhorar a governança corporativa das empresas, tornando-as mais atrativas aos investimentos, a preocupação que se revela na sua relação com o Direito do Trabalho se traduz mais precisamente no fato de que: (i) quando se tem implantado Programas de Compliance o cumprimento de normas trabalhistas permanece fora do foco, do objetivo; (ii) os Programas de Compliance, por implementarem conjuntos de medidas que devem ser observadas por todos, inclusive os integrantes da cadeia produtiva, acarretam reflexos em termos de ampliação do poder empregatício, em um ambiente laboral que se caracteriza pelo deficit de garantias constitucionais de preservação da vida privada ou da intimidade, incrementando a possibilidade de condutas arbitrárias; (iii) não se tem ao certo os limites da responsabilidade dos empregados diante de práticas adotadas pelas empresas, particularmente pela identificação do empregador como sendo aquele que assume os riscos da atividade no que se refere a sua atuação no campo trabalhista (restrita ao dolo ou, mediante previsão expressa no momento da contratação ainda na hipótese de culpa) e o campo penal.

    Supostamente estar-se-ia diante de uma nova cultura de Compliance que iria fortalecer o sistema de gestão de pessoas e melhorar o clima dentro das organizações, mas a ampliação dos mecanismos de controle e fiscalização sem garantias constitucionais tormam os trabalhadores subordinados mais vulneráveis.

    O que se busca, além da redução de riscos de responsabilidade penal, com a implementação e e execução de um Programa de Compliance é a garantia de um atenuante da penalidade imposta à pessoa jurídica infratora, mas ainda proporcionando a diminuição de multas por violação de regras administrativas. Porém, no fim das contas, o que está em jogo é a proteção dos acionistas e sócios, o mercado concorrencial e, sobretudo a imagem e reputação das empresas e não qualquer perspectiva tutelar dos empregados subordinados ao comando empregatício.

  4. Agregue-se, em termos de problematização da adoção e implementação de Programas de Compliance, a ausência de qualquer regulamentação a respeito da temática, ficando em geral nas decisões empresariais as definições e normatização.

    Na perspectiva de autorregulação e de imposição de padrões de conduta ditados no espaço extrafronteiras do direito, em um ambiente globalizado, vêm sendo adotados padrões de governança corporativa, sobretudo pelas empresas multinacionais, cujos princípios são indicados como sendo (i) transparência; (ii) equidade; (iii) prestação de contas e (IV) responsabilidade social.

    A questão que se coloca, então, gravita inicialmente em torno da discussão da própria necessidade de compliance para cumprimento das normas jurídicas vigentes a que todos se obrigam para que se garantam a implementação destes padrões.

    Por tais razões poder-se-ia pensar que a adoção de regras internas de compliance em geral apontariam desde logo e imediatamente para uma mudança ética no comportamento empresarial, ou seja, para introdução de “novos valores” e “virtudes”5, como uma espécie de “honorabilidade comercial”, o que seria de presumir deveriam estar sempre presentes. E não somente para garantir a gestão das pessoas, mas o próprio interesse do capital e do mercado concorrencial.

    Ocorre que se a observância das regras é imperativa e geral, em princípio não haveria razão de ser a criação de mecanismos para imposição do direito posto — hard law, salvo se se pretendesse criar um novo “valor” com a imagem de “cumpridora de regras” uma nova imagem da corporação, para...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT