Os critérios plásticos de fixação da competência em razão do lugar trabalhista ? Distribuição da competência territorial a partir da garantia do acesso à Justiça

AutorWolney de Macedo Cordeiro
CargoDesembargador do Trabalho do TRT da 13a Região
Páginas159-172

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1. Considerações iniciais e delimitação do tema

O regulamento processual trabalhista apresenta uma característica marcadamente protecionista no que concerne aos critérios da ?xação da competência em razão do lugar. Muito embora esse dado não seja considerado de maneira destacada na doutrina tradicional, é relevante realçar o fato de que a distribuição da competência em razão do lugar, promovida primitivamente pela Consolidação das Leis do Trabalho, sempre teve uma preocupação central com a garantia do acesso à Justiça pelo trabalhador.

De fato, toda a estrutura normativa do art. 651 da Consolidação Trabalhista, desde sua redação primitiva1, elegeu um critério básico de distribuição da competência territorial diverso daquele tradicionalmente escolhido pelo direito processual comum. Ao estabelecer o local da prestação dos serviços como diretriz para a composição das regras de competência territorial, há uma nítida tentativa de promover o acesso do trabalhor ao Judiciário. Optando pelo local onde se operou o labor, o legislador modulou um sistema de facilitação do ingresso das demandas trabalhistas, afastando-se da regra vigente naquela época que privilegiava o domicílio do réu como alternativa inicial de ?xação da competência para as ações cíveis2.

Obviamente, não se pode esquecer de que, mesmo diante do sistema processual civil, existem regras secundárias relacionadas aos critérios de distribuição da competência, inclusive levando em consideração aspectos tuitivos do autor da ação3. Além do mais, as normas processuais cíveis, aprovadas fora da estrutura codi?cada, estabeleceram critérios diferenciados para a distribuição da competência nas hipóteses do rito sumarissimo4 e das ações consumeristas5. No entanto, apenas a norma processual trabalhista estabeleceu um critério fundamental absolutamente diferenciado do sistema tradicional, levando em consideração preponderantemente o local da execução dos serviços.

Frise-se que a opção laboral decorreu de uma mera constatação fática, pois a atribuição da competência em razão do lugar a partir do domicílio do réu, em situações convencionais, implicaria di?culdades incontornáveis para o exercício do direito de ação dos trabalhadores. Assim sendo, a centralidade do local da prestação dos serviços apresentou-se como uma fórmula mais adequada para permitir o acesso ao Judiciário Laboral. Todas as exceções preconizadas nos parágrafos do art. 651 da CLT sempre tiveram como ideia fundamental a regra geral do local da prestação dos serviços, sendo tal diretiva, eventualmente, subvertida

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em prol da facilitação do ingresso das demandas laborais.

Ocorre que, mesmo após render as necessárias homenagens a um sistema construído para a garantia da proteção dos direitos dos trabalhadores no plano jurisdicional, a dinâ-mica contemporânea das relações empresariais pressupõe que tais critérios rígidos e in?exíveis sejam reformulados a partir de uma adequada interpretação do núcleo normativo do art. 651. Com efeito, a extrema mobilidade dos trabalhadores e a facilitação da arregimentação da mão de obra em cadeia nacional revelam a necessidade da construção de critérios ?exíveis para a distribuição da competência territorial, sempre diante da garantia de acesso ao Poder Judiciário.

Nossa proposta de trabalho pressupõe o enfrentamento do problema contemporâneo de distribuição da competência de foro a partir de critérios que denominamos plásticos. Os critérios plásticos devem ser entendidos a partir da possibilidade de sua maleabilidade diante do caso concreto. Assim sendo, o uso do adjetivo plástico pressupõe a construção de critérios capazes de estabelecer a competência territorial das ações trabalhistas a partir da diretriz do acesso à justiça, mesmo que isso implique a subversão das regras explícitas no comando normativo6.

A delimitação de tais critérios plásticos deve ser feita a partir de fundamentos dogmáticos consistentes, a ?m de seja evitada uma verdadeira discricionariedade na escolha das alternativas viabilizadoras do acesso à justiça. Não se pode deixar de reconhecer que a tentativa de se ?exibilizarem os critérios expressos da lei deve observar as diretrizes do devido processo legal, não sendo possível a criação de uma estrutura de distribuição da competência territorial baseada exclusivamente na vontade do Juiz. Esses critérios apresentam-se como uma verdadeira técnica de interpretação teleológica, capaz de assegurar o pleno exercício da atividade judicante de garantia de direitos fundamentais7.

2. Uma visão geral dos critérios tradicionais de distribuição da competência em razão do lugar previstos na CLT, art 651

Conforme afirmamos anteriormente, os referenciais fundamentais de ?xação de competência em razão do lugar, no âmbito do direito processual do trabalho, levam em consideração o critério do local da prestação dos serviços. Essa assertiva, no entanto, não afasta a incidência de critérios especiais, formatados a partir de necessidades especí?cas dos atores processuais.

Seguindo essa diretriz regulatória, a CLT dispõe em seu art. 651 que a competência dos órgãos judiciários trabalhistas é determinada pelo local da prestação dos serviços do empregado, independentemente de esse obreiro ocupar o polo ativo ou passivo da demanda trabalhista. Logo, se a prestação laboral se

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operou em certa localidade, é esse local que será o determinante para a ?xação da competência territorial da Vara do Trabalho. O fato de o empregador se colocar na posição de réu na demanda trabalhista não altera, pois, o panorama da competência em razão do lugar.

Há, no entanto, determinadas situações nas quais a regra geral é excepcionada, seja pela impertinência da aplicação do critério preponderante, seja pela necessidade de facilitar o acesso do trabalhador ao Judiciário8.

Entender a forma pela qual tradicionalmente a competência em razão do lugar é distribuída concretiza o passo inicial para ?xarmos os critérios plásticos propostos no presente trabalho.

A primeira situação excepcional de competência enfrentada pela CLT diz respeito à chamada competência internacional. A priori, a competência internacional é tema tratado de forma autônoma, não se mesclando com a ideia básica de competência em razão do lugar. O estabelecimento da competência internacional se revela como uma espécie de limite ao exercício da jurisdição nacional. O limite nesse caso visa facilitar a tramitação de ações que envolvam interesses ou sujeitos residentes fora da jurisdição brasileira e leva em consideração a própria possibilidade de efetivar a prestação jurisdicional9.

No caso do direito processual do trabalho brasileiro, não houve uma preocupação em delimitar a atividade jurisdicional pátria em relação aos ordenamentos jurídicos alienígenas. A matéria foi tratada explicitamente como distribuição territorial da jurisdição laboral, sem qualquer intenção de limitar ou dosar essa atuação, como faz o CPC, em seus arts. 88 a 90.

A norma processual laboral estabelece duas situações distintas nas quais ocorreria o eventual choque das jurisdições. A primeira diz respeito ao empregado que, independentemente de sua nacionalidade, é contratado no exterior e presta seus serviços no Brasil. Em tal situação, a parte ?nal do caput do art. 651 da CLT determina a aplicação da regra geral, ou seja, a ?xação da competência da Justiça do Trabalho para o processamento do litígio.

Suponhamos que um empregado paraguaio seja contratado no Paraguai para prestar seus

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serviços no Brasil na ?lial da empresa de mesma nacionalidade. Esse trabalhador poderia, à luz da Consolidação das Leis do Trabalho, art. 651, caput, ajuizar a sua demanda perante o Poder Judiciário trabalhista brasileiro, sem qualquer tipo de restrição.

A outra hipótese é especí?ca para os empregados brasileiros. Nesse caso, na forma da CLT, art. 651, § 2º, sendo demonstrada a condição de brasileiro (nato10 ou naturalizado11), e havendo contratação em nosso país, a competência para dirimir o litígio será da Justiça Laboral brasileira, mesmo que o empregado tenha prestado seus serviços exclusivamente no exterior. É irrelevante, por outro lado, a circunstância de o tomador dos serviços não dispor de ?lial em território brasileiro, pois a regra apresenta como foco determinante a nacionalidade do trabalhador e o local da realização da contratação12.

É certo que, em se tratando de prestação dos serviços no exterior, na forma da Lei n.
7.064, de 6 de dezembro de 1982, alterada pela Lei n. 11.962, de 3 de julho de 2009, o direito material a ser aplicado ao trabalhador pátrio, contratado para prestar serviços no estrangeiro, será o do Brasil, salvo norma mais bené?ca13. No entanto, para ?ns de ?xação da competência territorial, não se a?gura relevante a discussão sobre a norma de direito material a ser aplicada ao respectivo contrato de trabalho.

A fixação da competência territorial da Justiça do Trabalho também sofre exceções quando a prestação dos serviços se opera em lugar diverso daquele da contratação. Nessa situação, destaca-se o local da contratação do núcleo da prestação dos serviços. Na presente hipótese, o trabalhador é contratado em uma determinada localidade e, em outra, levado pelo empregador, presta seus serviços. A solução encontrada pelo legislador foi a de atribuir ao empregado a escolha de ajuizar a ação no local em que foi contratado ou no local da prestação dos serviços. Trata-se de uma fórmula que revela mais um aspecto protecionista da legislação...

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