Os ribeirinhos no Arquipélago de Marajó e a luta pela permanência no território tradicionalmente habitado

AutorEliane Miranda Costa, Vivianne da Silva Nunes Caetano
CargoDoutora em Antropologia/Doutora em Antropologia Universidade Federal do Pará
Páginas1-19

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Artigo

Original
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OS RIBEIRINHOS NO ARQUIPÉLAGO DE MARAJÓ E A LUTA PELA PERMANÊNCIA NO TERRITÓRIO TRADICIONALMENTE HABITADO

The riverside people in the Marajó archipelago and the struggle for permanence in the traditionally inhabited territory

Eliane Miranda Costa

Doutora em Antropologia. Universidade Federal do Pará, Campus

Universitário do Marajó-Breves, Faculdade de Educação e

Ciências. Humanas, Breves, Brasil elyany2007@hotmail.com

https://orcid.org/0000-0001-6747-4639

Vivianne Nunes da Silva Caetano

Doutora em Antropologia Universidade Federal do Pará, Campus Universitário do Marajó-Breves, Faculdade de Educação e Ciência

Humanas, Breves, Brasil vns@ufpa.br

https://orcid.org/0000-0003-3808-7618

A lista completa com informações dos autores está no final do artigo

RESUMO

O arquipélago de Marajó desde a colonização tem sido palco de intensas e sucessivas disputas entre diferentes grupos pela ocupação e usufruto da terra e riquezas naturais. Neste estudo, evidencia-se a luta dos ribeirinhos, um grupo social do rio Mapuá, município de Breves, Marajó, Pará, pelo acesso, uso e permanência no território tradicionalmente habitado. Em conflito com os empresários da madeira, os ribeirinhos, ameaçados de serem expulsos, requereram junto ao governo federal a criação de uma Reserva Extrativista, a Resex/Mapuá, como condição para permanecerem em seu território. Seguindo os pressupostos da pesquisa qualitativa, procuramos conhecer aspectos desse conflito, assim como discutir sobre a Resex e o uso do território na interface com a política territorial do Estado. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e análise documental. Tendo por referência o campo socioantropológico em uma perspectiva interdisciplinar, analisamos os dados empíricos, os quais nos levam a evidenciar que a Resex-Mapuá, para os ribeirinhos, constitui-se em uma tática política de afirmação e reafirmação do direito de permanecer no território que tradicionalmente habitam e costuram seus modos de vida.

PALAVRAS-CHAVE: Questão agrária. Unidade de conservação. Povos tradicionais. Território Amazônico. Mapuá.

ABSTRACT

The Marajó archipelago since colonization has been the stage of intense and successive disputes between different groups for the occupation and enjoyment of the land and natural resources. In this study, we highlight the struggle of the riverside people, a social group of the Mapuá River, municipality of Breves, Marajó, Pará State, Brazil, for access, use and permanence in the traditionally inhabited territory. In conflict with the wood businessmen, the riverside people threatened to be expelled, requested from the federal government the creation of an Extractive Reserve, Resex/Mapuá, as a condition to stay in their territory. Following the assumptions of qualitative research, we searched about the aspects of this conflict, as well as discuss the Resex and the use of territory in the interface with the territorial policy of the State. Data were collected through semi-structured interviews and document analysis. Having as theoretical reference the socio-anthropological field in an interdisciplinary perspective, we analyze the empirical data, which lead us to show that Resex-Mapuá, for the riverside people, constitutes a political tactic of affirmation and reaffirmation of the right to stay in the territory that traditionally inhabits and sew their way of life.

KEYWORDS: Agrarian debate. Conservation unit. Traditional people. Amazon Territory. Mapuá.

Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 17, p. 01-19, 2020.

Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1807-1384. DOI: https://doi.org/10.5007/1807-1384.2020.e70154

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1 INTRODUÇÃO

Neste texto, tratamos da luta dos povos ribeirinhos1do rio Mapuá, município de Breves, Arquipélago de Marajó, estado do Pará, pelo acesso, uso e permanência no território tradicionalmente habitado, praticado e partilhado. Na área banhada por este rio, em 2005, por meio de Decreto Presidencial, foi crida a Reserva Extrativista Mapuá (Resex/Mapuá), a partir da reivindicação das comunidades locais, em função de conflitos com empresários da madeira, que se intitulavam donos do Mapuá e impediam aos ribeirinhos o acesso a terra e ao rio. A finalidade aqui é conhecer aspectos desse conflito, assim como discutir sobre a Resex e o uso do território na interface com a política territorial do Estado.

Para fomentar essa discussão elencamos as seguintes questões-norteadoras: Como o Estado lida com a questão ambiental e agrária da Amazônia, em especial no Marajó? Com a criação de Unidade de Conservação (UC) os conflitos históricos são superados? No rio Mapuá, a criação da Resex permitiu acabar com os conflitos entre os ribeirinhos e madeireiros? Que desafios esta UC impõe aos ribeirinhos no Mapuá? O estudo busca fundamentos teóricos no campo socioantropológico em uma perspectiva interdisciplinar e analisa o conflito e a UC a partir da noção de território tradicional, aqui interpretado como uma categoria plural e dinâmica, que não se reduz a espaço geográfico, bem como a poder e simbolismo. Território abarca experiências, vivências, sentidos e significados estabelecidos pelos povos com o ambiente nos contextos e temporalidades distintas (ACSERALD, 2010; ACEVEDO-MARIN, 2015; COSTA, 2018).

A pesquisa segue pelo rastro da abordagem qualitativa baseada em fontes bibliográficas, documentais e trechos de entrevistas semiestruturadas realizadas com ribeirinhos que moram na área da Resex. A base bibliográfica compreende diferentes produções de vários autores, entre os quais, destacamos: Acevedo-Marin (2015), Almeida (2008), Litlle (2002), Diegues (2001), privilegiando o aspecto interdisciplinar. Os documentos consultados foram dois, a saber: Plano de Uso da Resex-Mapuá e o Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PDTSAM); as entrevistas foram realizadas com 10 ribeirinhos, diretamente envolvidos com o movimento

1O termo Ribeirinhos, entendido como uma das formas para designar povos tradicionais, passa por deslocamentos em seu significado desde 1988, com isso deixou de enfatizar apenas os “sujeitos biologizados”, e passou a levar em consideração a autodefinição, coletividade dos agentes sociais, os critérios políticos organizativos de variados grupos (DOURADO, 2010) .

Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 17, p. 01-19, 2020.

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de luta pela defesa do território. Neste texto, fazemos uso de trechos de algumas dessas entrevistas, conforme os objetivos traçados. Esclarecemos que os interlocutores estão identificados no corpo do texto com nomes fictícios, de modo assegurar o sigilo ético.

A combinação dos dados empíricos e base teórica proporcionou a organização deste texto em dois tópicos, além desta introdução e considerações, na qual destacamos ser a Resex-Mapuá, tática política para garantir aos ribeirinhos o direito de acesso, uso e permanência do território que tradicionalmente habitam. No tópico a seguir, com base em uma revisão teórica, destacamos aspectos da política ambiental do país, com ênfase na questão agrária da Amazônia, e, por conseguinte, aos desafios para o estado e à população tradicional. No último tópico, a partir dos dados empíricos tecemos análises sobre a Resex/Mapuá e o uso do território, evidenciando a questão do direito e dos conflitos gerados antes e após a criação desta UC. Na perspectiva local, a referida UC configura-se como principal estratégia das comunidades para terem o direito coletivo de continuar vivendo e trabalhando no território que tradicionalmente tem produzido e forjado seus modos de vida.

2 O ESTADO BRASILEIRO E A POLÍTICA AMBIENTAL: A QUESTÃO AGRÁRIA E A SUSTENTABILIDADE DO TERRITÓRIO AMAZÔNICO

A Amazônia chama atenção de países do mundo inteiro tanto por seu aspecto natural, considerado um dos maiores patrimônios da biodiversidade do planeta, importante para estabilizar o clima global, entre outros interesses, quanto por sua sociedade e intervenções políticas, vistas como responsáveis por ações nocivas à região. Em que pese a contradição e polêmica que essa perspectiva envolve, importa sinalizar aqui, ser esta região objeto de interesses patrimonialistas, em particular a Amazônia Oriental, que desde à colonização e seu sistema sesmarial, privilegiam seguimentos sociais específicos, o que contribui com a profunda desigualdade social.

Dessa política herda-se a base de um dos dois projetos de desenvolvimento rural na Amazônia, indicado por Costa (2005), que configuram a questão agrária nessa região. Costa (2005), argumenta que há na Amazônia dois projetos de desenvolvimento rural, mas, que se diferenciam “nas formas voltado para absorção do capital natural [...], na intensidade de uso do capital humano e social e nas proporções de uso do capital físico e

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trabalho” (COSTA, 2005, p. 133). Em outras palavras, tem-se um projeto preocupado com absorção do capital natural, chamado por Costa (2005) de latifundiário-monocultural, formado pela conjunção entre propriedade latifundiária, trabalho assalariado e produção homogênea de gado e grãos (comodities).

Podemos dizer que na área de floresta à exploração da madeira, bem como de outros recursos naturais, segue a lógica desse modelo para fins econômicos. Trata-se de um projeto que implica em riscos consideráveis para o ambiente e, em função do lucro, pressupõe um elevado processo produtivo que pode implicar em profundo...

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