A revolução russa e o marxismo do século xx

AutorFlávio Bezerra de Farias
CargoGraduado em Ciências Econômicas e Em Engenharia Civil
Páginas87-128
Artigo recebido em: 01/10/2017 Aprovado em: 09/05/2018
A REVOLUÇÃO RUSSA E O MARXISMO DO
SÉCULO XX
Flávio Bezerra de Farias1
Resumo
Uma análise dos princípios de democratização, revolução, lib erdade, especi -
cação, consciência e esperança, respectivamente, em Luxemburg, Trotsky, Gra-
msci, Korsch, Lukács e Benjamin/Bloch, como herdeiros distintos da Revolução
Russa, sob impulsão da teoria e da práxis de Lenin.
Palavras-chave: Democratização, revolução, liberdade, esp eci cação, consciên-
cia, esperança.
THE RUSSIAN REVOLUTION AND THE 20TH CENTURY
MARXISM
Abstract
An analysis of the principles of democratization, revolution, liberty, speci ca-
tion, consciousness and Hope, respectively, in Luxemburg, Trotsky, Gramsci,
Korsch, Lukács and Benjamin/Bloch, as distinct heirs of the Russian Revolu-
tion, under the impulse of Lenin’s theory and praxis.
Key words: Democratization, revolution, lib erty, speci cation, consciousness,
hope.
1 Graduado em Ciências Econômicas e Em Engenharia Civil, Doutor de Terceiro Ciclo em
Economia e Gestão pela Universidade de Amiens, em Economia pela Universidade Paris-
Nord, Professor Titular aposentado da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
E-mail:
farias@icloud.com
/ Endereço: Universidade Federal do Maranhão - UFMA:
Av. dos Portugueses, 1966, Bacanga - São Luís – MA. CEP 65080-805
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Flávio Bezerra de Farias
1 INTRODUÇÃO
No balanço marxiano da experiência da Comuna de Paris de
1871, uma coisa  cou assente para a emancipação da classe proletá-
ria, a saber: nem esperar por milagres, nem apostar em utopia abs-
trata, pois “[...] ela sabe que não tem que realizar ideal, mas somente
que liberar os elementos da sociedade nova, que porta nos seus  an-
cos a velha sociedade burguesa que se desmorona.” (MAR X, 1972, p.
46). Como reação proletária à barbárie e à guerra entre as potências
capitalistas imperialistas, a Revolução Russa de 1917 teve grande in-
uência nos intelectuais orgânicos do proletariado no século XX, e
pode ainda hoje ter relevância na sua estratégia de superação socia-
lista do capitalismo imperialista global.
Não se trata, porém, da experiência revolucionária e do mo-
delo absoluto de transição ao comunismo, mas da realização relativa,
historicamente determinada, de uma antecipação concreta, em que
“[...] o comunismo não é nem um estado que deve ser criado, nem
um ideal sobre o qual a realidade deverá se regular. Chamamos co-
munismo o movimento real que abole o estado atual. As condições
desse movimento resultam da pressuposição que existe atualmente.
(MARX; ENGELS, 1976, p. 33).
Neste rumo da esp eci cação histórica da superação do capita-
lismo, o materialismo dialético foi utilizado por vários marxistas he-
réticos – porque contrários à doutrina do marxismo-leninismo e ao
modelo socialista da URSS –,nas suas análises críticas concretas das
latências e das tendências constitutivas da situação concreta da cons-
ciência e do ser social e histórico, não para veri cá-los e experimen-
tá-los no s eu todo como obedientes nem a uma lei natural eterna e
absoluta, nem a uma lei sobrenatural, transcendendo a humanidade.
Assim, inversamente à obediência ortodoxa aos preceitos ou às leis
religiosas, também “[...] cont rariamente ao que se passa com as leis
naturais, a história é caracterizada pelo fato que as leis constitutivas
das s ociedades humanas mudam elas mesmas, com o devir destas
sociedades.” (GOLDMANN, 1980, p. 65). Portanto, “[...] o mundo
mudou profundamente e devemos nos perguntar em que medida es-
sas antigas análises guardam ainda sua validade para a sociedade que
é a nossa, e que tentamos compreender hoje.” (GOLDMANN, 1980,
p. 65). Porém, isto não implica descartar, nas experiências compre-
ensivas e transformadoras do mundo no século XXI, a apropriação
da herança, atinente à teoria e à práxis, deixada ao proletariado como
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classe oprimida, em luta pela emancipação humana, de todo um ar-
senal de princípios da doutrina marxist a decorrentes da in uência
da Revolução Russa de 1917 no marxismo herético do século XX.
Acarretando perseguição política para seus autores, inclusive prisão
e morte, para alguns, estes princípios já tiveram um papel decisivo
na luta efetiva, teórica e prática consciente, contra o capitalismo tar-
dio, o socialismo real e a barbárie também real, em ambos os casos,
ocidentais e orientais, fascistas e stalinistas, racistas e colonialistas,
dentre inúmeras outras situações opressivas, guerreiras e genocidas,
ao longo do século XX.
A orientação de conjunto deste texto consiste, portanto, na
defesa do pensamento marxista como plural e historicamente deter-
minado, atualizado através das experiências concretas que se fazem
com o mundo para compreendê-lo e transformá-lo, contra uma tra-
dição tendenciosa e imperativa, desencadeada no quadro da Revo-
lução Russa de 1917, que foi abarcando todas as experiências ide ais
e materiais que o ser social faz com o mundo, personi cada pelo
stalinismo e consolidada no padrão do marxismo soviético, ou me-
lhor, formulada autoritariamente “[...] dentro de um esquema linear,
evolucionista, que tem como matriz de verdade a trilogia Marx/En-
gels/Lenin.” (DIAS, 2000, p. 13) – sempre antinômica a uma matriz
de falsi cação inerente a toda revisão reformista e, sobretudo, a toda
atualização revolucionária. Por sua vez, Bernard-Henri Lévy e André
Gluksmann (ex-esquerdistas franceses, reciclados como novos  ló-
sofos, em 1977, num programa de TV de grande audiência) promo-
veram um ataque reacionário à Revolução Russa que tem por matriz
de inverdade o totalitarismo stalinista apontado como a experiência
da consciência e do ser social tornada absoluta, de nitiva e própria a
toda ação compreensiva e transformadora de todos os marxistas, em
todo tempo e lugar.
Generalizando o contexto especí co das barbáries do marxis-
mo-leninismo, “[...] o argumento do Gulag torna-se universal e des-
legitimou em bloco Marx, as reconstruções dos heréticos marxistas,
submetendo-os ao mesmo julgamento de infâmia.” (TOSEL, 2010,
p. 1). Diante das violências e das sequelas do socialismo realmen-
te instaurado pelo marxismo soviético, sob o regime stalinista, em
razão tanto de crimes, terror e repressão (FURET, 1995), quanto de
repúdio da própria ideia comunista(COURTOIS, 1997), para estes
autores, dentre vários ideólogos anticomunistas primários criticados

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