Revista do Ministério Público do Trabalho n. 16 (setembro/ 1998) - Avanço e retrocesso: o direito do trabalho no curso da história
Autor | Cristiano Paixão Araujo Pinto |
Cargo | Procurador do Trabalho (PRT - 10ª Região) |
Páginas | 227-233 |
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Instalou-se, entre as turmas componentes do TRT da 10ª Região, uma divergência interpretativa que fornece elementos para uma relexão sobre a própria noção de direito do trabalho. A partir da discussão em torno de uma cláusula estipulada em convenção coletiva de trabalho, é possível levantar questões que conduzem a uma cadeia de indagações ainda mais abrangente: a) existem limites para a negociação coletiva, ou, em outras palavras, há um estatuto mínimo a ser observado na celebração de acordos
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e convenções?; b) Se a resposta for airmativa, como encontrar subsídios para delimitar este patamar mínimo?; c) As origens do direito do trabalho podem ser utilizadas para esse im?; d) Os contornos da controvérsia indicam avanço ou retrocesso no campo das relações de trabalho? Não se pretende, no breve espaço de um ensaio, responder conclusivamente a todas essas interrogações. A inserção do tema, entretanto, pode ser útil para ensejar o debate em torno da situação atual do direito do trabalho, compreendido como ramo autônomo da experiência jurídica. E talvez auxilie na tarefa de observar as transformações que marcam o contexto socioeconômico do inal deste século (e suas repercussões no mundo do trabalho).
A entidade sindical representativa dos empregados que desenvolvem atividades em postos de combustível vem celebrando, no curso dos anos, com a categoria econômica, convenção coletiva de trabalho. A cláusula que constitui o objeto deste estudo está presente em todas as edições da norma coletiva, e possui o seguinte teor: os valores constantes dos cheques devolvidos por insuiciência de fundos, emitidos por clientes que abastecem seus veículos nos postos, serão descontados da remuneração do empregado que recebeu o cheque. A norma estipula que o desconto só ocorrerá quando o empregado não registrar, no verso do cheque, algumas informações. Estes dados variam de acordo com o valor da compra: o mínimo exigido é a anotação do número do telefone do cliente e da placa do veículo e, a partir de determinada quantia, os requisitos aumentam, de acordo com uma fórmula genérica denominada “normas da empresa”. Essas “normas” podem compreender desde o número do documento de identidade do comprador até a reprodução do cartão bancário (que deve ser “decalcado” pelo empregado no verso do documento). Se o cheque for devolvido e o empregador constatar que algum desses dados não foi consignado, o desconto é automático. Há, na Justiça do Trabalho da 10ª Região, inúmeras ações individuais em que se questiona o procedimento empresarial. O entendimento do Tribunal Regional foi-se alterando gradativamente; quando a questão foi suscitada, expressiva maioria dos julgados proclamava a ilegalidade dos descontos. Essa tendência dissipou-se com o correr do tempo, e nos dias atuais prevalece — salvo oscilações decorrentes da mudança de composição — a orientação no sentido contrário, ou seja, entendendo lícita a efetivação dos descontos, desde que se observem os termos da convenção coletiva. Delimitados os principais aspectos da matéria em discussão, é necessário, antes da emissão de qualquer juízo acerca do teor da cláusula convencional,
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efetuar um breve histórico das circunstâncias que marcaram o surgimento do direito do trabalho. Esse rápido voltar de olhos sobre o passado poderá ser útil. Não se deve ignorar a conhecida máxima: a história é a mestra da vida167. Como adverte Renan, citado por Marc Bloch: “Em todas as coisas humanas, antes de tudo, as origens merecem ser estudadas”168.
Convém recordar, de início, com as palavras de José Martins Catharino, que: “A formação do Direito do Trabalho pode ser considerada um capítulo da história da liberdade humana. Da liberdade em função do trabalho. E como Direito e Liberdade não existem...
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