Revista do Ministério Público do Trabalho n. 14 (setembro/ 1997) - Sindicalização por categoria

AutorJosé Cláudio Monteiro de Brito Filho
CargoMestre em Direito
Páginas191-206

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1. Generalidades

Questão das mais intrigantes dentro das restrições constitucionais à organização das entidades sindicais, a sindicalização por categoria é um dos resquícios, dentro de nosso modelo de sindicalização, da estrutura sindical corporativista instituída por Getúlio Vargas.

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Sobre a questão, assim se manifesta Arion Sayão Romita:

“A formação de sindicatos por categoria, no Brasil, constitui uma noção implantada pela Carta de 10 de novembro de 1937, cujo art. 138 dispunha que o sindicato reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que participarem da categoria de produção para que foi constituído.

A fonte de Inspiração da Carta de 1937 é, como se sabe, a Carta del Lavoro, de 1927, da Itália Fascista. O mencionado art. 138 da Carta Brasileira de 1937 constitui tradução literal da declaração III da Carta del Lavoro. Esta, por seu turno, provém da deliberação do Gran Consiglio Nazionaie dei Fascismo, de 6 de outubro de 1925, que deiniu as bases da organização sindical e da Magistratura del Lavoro italiana.

A organização sindical por categoria, no Brasil traduz — é evidente — a inluência do fascismo italiano, criteriosamente conservada pela Constituição de 1988 que, não obstante, declara, no art. 1º, ser o Brasil um estado democrático de direito (mera ‘norma de fachada’?)”94.

Ela está prevista, constitucionalmente, no art. 8º, II, que preceitua:

Art. 8º, II — é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria proissional ou econômica, na mesma base territorial, que será deinida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município.

Esse, entretanto, não é o único dispositivo que indica a manutenção da sindicalização por categoria, servindo os incisos III e IV, ainda do art. 8º, para materializar, também, essa opção.

E essa regra, é importante salientar, deve ser observada por todos aqueles que têm direito à sindicalização, quer do setor privado, quer do setor público. É que entendemos que a sindicalização dos servidores públicos deve ocorrer nos mesmos moldes do setor privado, no tocante às disposições constitucionais aplicáveis do art. 8º. Assim temos defendido, airmando que “as regras previstas no art. 8º, Constitucional, devem reputar-se válidas para

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os servidores públicos também, pois seria inconcebível, em nosso ponto de vista, deixar de considerar que o direito à sindicalização previsto no art. 37, VI, nada mais é que uma extensão — conferindo os mesmos direitos a uma categoria até então alijada — dos direitos garantidos no art. 8º aos demais trabalhadores. Nessa linha, as entidades sindicais de servidores públicos sofrem as mesmas restrições impostas às suas congêneres do setor privado, no tocante à sua constituição e estruturação, como veremos adiante. Aliás, essa é a única forma possível de uma compatibilização harmônica das normas previstas no texto constitucional, adotando-se uma visão sistêmica do texto e abandonando-se uma visão isolada de cada dispositivo nele inserido”95.

Essa não é, porém, posição pacíica no plano doutrinário, existindo aqueles que entendem em sentido contrário, como João de Lima Teixeira Filho96 e Arion Sayão Romita, este lecionando que: “À sindicalização no setor público não se aplicam, em consequência, as limitações impostas pelo art. 8º ao sindicalismo próprio do setor privado” e declarando, ainda, “De resto, no setor público não há categorias, no sentido em que o conceito é manejado pela Constituição de 1988. Na oposição entre servidor e a administração pública não se reletem as tensões típicas do setor privado, que inspiram as noções de categoria proissional, econômica e diferenciada”. Chama atenção, o autor, por im, para o fato de que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal adota entendimento contrário à sua posição97.

Nossa discordância, ica claro, decorre de adotarmos visão mais ampla da sindicalização, como prevista no texto constitucional. Acrescente-se a isso o fato de advogarmos uma deinição de categoria distinta de sua conceituação mais clássica, como será visto nos itens seguintes.

2. A sindicalização por categoria

Os sindicatos, assim como outras espécies do gênero associação, formam-se em torno de um conjunto de pessoas com interesses comuns. Esses interesses, quando se trata de entidades sindicais, qualificam-se por ser proissionais ou econômicos.

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É, portanto, a solidariedade de interesses que irá motivar a formação, entre trabalhadores (em sentido amplo) e empregadores, de um vínculo que os une. Esse vínculo, de solidariedade, segundo Mozart Victor Russomano98 ou, como prefere a CLT, social básico (vide art. 511), é o que forma ou se denomina de categoria.

Ainda conforme Russomano, ao contrário do sindicato, que se forma em decorrência da vontade de seus integrantes, a categoria é necessária99.

Haveria, então, sempre uma categoria representada por determinado sindicato.

Isso pressupõe, porém, um mínimo de homogeneidade, não sendo possível adotar o critério de existência necessária de categorias quando se tem a sindicalização heterogênea100. É o caso dos Estados Unidos, como verificamos com Benjamin M. Shieber, inexistindo restrições para a constituição de entidades sindicais, até mesmo no tocante a enquadramento sindical, como se verifica da seguinte airmação, principalmente da parte inal: “vemos que há ampla liberdade nos Estados Unidos. Podem existir cem sindicatos para uma mesma proissão. E, de fato, para enfermeiras, por exemplo, existem pelo menos cinco sindicatos que estão tentando sindicalizar essas proissionais. Até mesmo o sindicato dos marinheiros tem uma seção para sindicalizar enfermeiras, e não só enfermeiras de navios, mas enfermeiras de hospitais nas cidades”101.

É certo, entretanto, que um modelo (sindicalização heterogênea) pode conviver com o outro (sindicalização homogênea). Basta que exista liberdade de sindicalização. Os americanos, como visto, são exemplo disso.

Esse é o posicionamento adotado pela Organização Internacional do Trabalho que, na Convenção n. 87102, da Organização Internacional do Trabalho, que versa sobre a liberdade sindical e a proteção do direito sindical103, art. 2º:

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Art. 2º Trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão o direito de constituir, sem prévia autorização, organizações de sua própria escolha e, sob a única condição de observar seus estatutos104.

Por esse artigo, verificamos que, para a OIT, a constituição de organizações sindicais não pode estar sujeita a restrições que determinem em que condições os indivíduos podem sindicalizar-se, se por ofício, por atividade onde estejam inseridos, por empresa etc.

Isso pode, em relação ao enquadramento sindical, ser observado nas decisões abaixo, todas do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT105.

“243. Exigir para la constitución de un sindicato que los trabajadores trabajen para un solo empleador viola los principios de Ia libertad sindical”.

“278. El establecimiento, a los efectos del reconocimiento del derecho de asociación, de una lista de profesiones con carácter limitativo estaría en contradicción con el principio de que los trabajadores, sin ninguna distinción, deben tener derecho a constituir las organizaciones que estimen convenientes y ailiarse a ellas”.

“279. Los trabajadores deberían poder decidir si preieren formar, en el primer nivel, un sindicato de empresa u otra forma de agrupamiento a Ia base, tal como un sindicato de industria o de oicio”.

A Espanha, que ratificou a Convenção n. 87 (registro em 20.4.1987)106, adota, em consequência, regime de liberdade, mesmo no tocante ao enquadramento sindical. Prevalece, entretanto, como se verifica com Flávio Antonello Benites Filho, o enquadramento sindical por ramos de atividade econômica, cabendo salientar, entretanto, como faz o autor, que isso decorre de postura voluntária, não havendo lei que discipline a matéria107. Levando em conta a homogeneidade, podemos deinir categoria, então, de forma ampla, como o conjunto de pessoas que, por força do seu trabalho ou de

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sua atividade, possuem interesses comuns, formando um vínculo social básico. E essa forma de sindicalização conduz a dois tipos de sindicatos: os horizontais e os verticais.

Os primeiros, como ensina Arion Sayão Romita, “são os que agrupam trabalhadores que exercem o mesmo ofício ou proissão, independentemente da empresa em que trabalham ou do ramo de produção em que estas desenvolvem sua atividade”108.

O que os caracteriza, portanto, é o fato de serem organizados com base na proissão desenvolvida pelos trabalhadores, pelo que impossível, nessa forma, a sindicalização de empregadores.

A sindicalização horizontal, a propósito, conforme Gino Giugni, foi a “primeira forma de organização sindical nos países de desenvolvimento industrial mais antigo (Grã-Bretanha e Estados Unidos, por exemplo)”109, recebendo, conforme Arion Sayão Romita, a denominação de craft union, syndicat de métier110.

Já os sindicatos verticais, ainda segundo Romita, são aqueles em que se considera “apenas o ramo ou setor da produção em que a empresa desempenha sua atividade. Considera-se a natureza da e 231, o que, como já observamos em estudo anterior, nem poderia, considerando suas normas internas sobre organização sindical (A sindicalização no serviço público. Curitiba: Genesis, 1996. p. 20), atividade desenvolvida pela empresa em que o empregado trabalha”. O autor subdivide esses sindicatos, ainda, em sindicatos de atividade e sindicatos de empresa111.

Os primeiros, aproveitando a deinição dada por Amauri Mascaro Nascimento, são aqueles que exercem “a representação de quantos militam, como empregadores, num setor de atividade econômica (sindicato de empregadores)...

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