Revista do Ministério Público do Trabalho n. 13 (março/1997) - A ação civil pública e a defesa de interesses difusos no âmbito da Justiça do Trabalho

AutorDouglas Alencar Rodrigues
CargoJuiz do Trabalho Presidente da 6ª JCJ de Brasília/DF
Páginas181-190

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I - Introdução

O presente estudo tem por objetivo responder a duas indagações:

A admissão de empregados em empresa estatal sem concurso público ou a ascensão funcional mediante processo seletivo interno podem atentar contra o interesse difuso dos trabalhadores desempregados que poderiam postular tais vagas?

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Seria a Justiça do Trabalho competente para apreciar ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho visando a decretação da nulidade das contratações e ascensões realizadas ilegalmente?

II - As empresas paraestatais e o ministério público do trabalho

A resposta à primeira indagação demanda análise sobre a possibilidade de admissão de trabalhadores sem concurso público ou sobre a constitucionalidade da ascensão funcional de empregados de entidades jurídicas de direito privado, mas que contam com a participação de capitais públicos, mediante processo seletivo interno.

Alcançando toda a administração pública direta, indireta ou fundacional, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o art. 37, lI, da Carta Federal de 1988, estabelece que: “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

Ainda quanto aos entes paraestatais, a ordem constitucional vigente proclama que: “A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias” (art. 173, § 1º).

Com base neste último dispositivo, pode-se extrair o raciocínio de que o administrador privado de capitais e interesses públicos dispõe de ampla liberdade para dirigir o empreendimento, tanto que submetido ao mesmo regime jurídico aplicável às empresas do setor privado.

Neste sentido, no que concerne às relações de trabalho, assumindo a posição de empregador comum, poderia contratar livremente seu pessoal, os mais qualificados para a disputa comercial no universo das relações privadas, também deinido, a seu livre e exclusivo arbítrio, a forma ou o modo da respectiva ascensão funcional.

Este raciocínio, todavia, não pode ser aceito. Situando os entes paraestatais no universo administrativo brasileiro, leciona a melhor doutrina, verbis89:

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“Empresas públicas e sociedades de economia mista são, fundamentalmente e acima de tudo, instrumentos de ação do Estado. O traço essencial caracterizador destas pessoas é o de se constituírem em auxiliares do Poder Público; logo, são entidades voltadas, por deinição, à busca de interesses transcendentes aos meramente privados. É preciso, pois, aturado precato para não incorrer no equívoco de assumir feitichisticamente sua personalidade de direito privado (como costuma ocorrer no Brasil) e imaginar que, por força dela, seu regime pode ensejar-lhe uma desenvoltura equivalente à dos sujeitos cujo modelo tipológico inspirou-lhes a criação. Deveras, a personalidade de direito privado que as reveste não passa de um expediente técnico cujo préstimo adscreve-se, inevitavelmente, a certos limites, já que não poderia ter o condão de embargar a positividade de certos princípios e normas de direito público cujo arrendamento comprometeria objetivos celulares do Estado de Direito. (...) Como os objetivos estatais são profundamente distintos dos escopos privados, próprios dos particulares, já que almejam o bem-estar coletivo e não o proveito individual, singular (que é perseguido pelos particulares), compreende-se que exista um abismo profundo entre as entidades que o Estado criou para secundá-lo e as demais pessoas de direito privado, das quais se tomou por empréstimo a forma jurídica. Assim, o regime que a estas últimas naturalmente corresponde, ao ser transposto para empresas públicas e sociedades de economia mista, tem que sofrer — também naturalmente — significativas adaptações, em atenção a suas peculiaridades.”

Deste modo, conquanto a relação travada pelos entes paraestatais com seus prestadores seja de direito privado, a fundamental particularidade de coadjuvante de funções estatais estabelece a necessidade de estrita observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, na forma do art. 37, caput, da Lex Mater.

O interesse público, mesmo quando projetado ao universo das relações privadas, não legitima a prática de atos contrários aos princípios maiores do Texto Constitucional. Por isso, tanto a admissão de empregados sem concurso quanto a respectiva movimentação vertical, neste caso mediante processo seletivo interno, denotam nítida afronta aos preceitos do art. 37, I e II, da CF de 1988.

Vale observar que a autonomia conferida ao administrador de empresas públicas e sociedades de economia mista é mitigada em favor do interesse público, que não se compadece com a realização de certames privados para a ascensão a empregos de maior valia ou com contratações desprovidas de critérios objetivos e democráticos.

Apenas com a prévia aprovação em concurso público é que se poderá titularizar empregos públicos, como já assinalado.

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A interpretação que confere ampla liberdade ao administrador de para--estatais não é correta, sendo evidente que o art. 173, § 1º, da CLT, não objetivou encerrar...

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