Revista do Ministério Público do Trabalho n. 12 (setembro/ 1996) - Acidente do trabalho, sua repercussão na seara trabalhista e o papel do parquet laboral

AutorCarlos Henrique Bezerra Leite
CargoProcurador do Ministério Público do Trabalho
Páginas161-180

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1. Considerações preliminares

Desde os primórdios, ensinam os doutos, sempre houve preocupação da sociedade com os males advindos do acidente do trabalho.

Mas, a partir da Revolução Industrial é que surgiu um sentimento maior de fraternidade humana, fruto de justas reivindicações da classe operária, em socorro não só dos trabalhadores, vítimas de acidentes, mas, também de seus familiares, quando aqueles importavam redução da capacidade laborativa ou até mesmo a morte do prestador de trabalho.

No Brasil, a primeira norma a versar especificamente sobre a infortunística foi a Lei n. 3.724, de 15.1.1919. De lá para cá vários diplomas regularam a matéria, até que, em 14.9.1967, foi editada a Lei n. 5.316, transferindo para a Previdência Social a responsabilidade pelas reparações decorrentes de acidentes do trabalho. A Lei n. 6.195/74 estendeu ao trabalhador rural parcela dos benefícios conferidos ao trabalhador urbano. Em 19.10.1996, editou-se a Lei n. 6.367, que veio a substituir a Lei n. 5.316.

A Constituição Federal, de 5.10.1988, trouxe inegáveis modificações no sistema previdenciário, inclusive conferindo tratamento igualitário entre os trabalhadores urbanos e rurais (art. 7º, I).

Duas Leis Ordinárias, editadas na mesma data (24.7.1991), regulamentam dispositivos constitucionais respeitantes à Seguridade Social. A primeira, Lei n. 8.212 (Lei Orgânica da Seguridade Social), cuida da sua organização e institui o plano de custeio. A segunda, Lei n. 8.213, trata do plano de benefícios da Previdência Social.

O presente opúsculo tem por escopo abordar aspectos trabalhistas do acidente do trabalho, com enfoque especial para: a) a competência da Justiça do Trabalho; b) os relexos do acidente no contrato de trabalho; c) a garantia provisória no emprego conferida ao trabalhador acidentado; d) a posição doutrinária e jurisprudencial acerca da constitucionalidade ou não da norma instituidora desta garantia; e) os requisitos necessários à aquisição da garantia no emprego do trabalhador acidentado; f) a reintegração ou sua

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conversão em indenização; g) a incompatibilidade do instituto da garantia no emprego e os contratos de duração determinada; h) o papel do Ministério Público do Trabalho diante do problema.

2. Uma palavra sobre competência da justiça laboral em matéria de acidente do trabalho

Sabe-se que a competência para processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça Comum estadual (CF, art. 109, I; CLT, art. 643, § 2º; e Súmula n. 15 do STJ).

Entretanto, o art. 7º, inciso XXII, da Carta Magna Central, conferiu aos trabalhadores urbanos e rurais, dentre outros direitos, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Ao lado dessa garantia fundamental, a Lei Maior assegura ao trabalhador, em seus arts. 220, inciso VIII e 225, o direito ao meio ambiente de trabalho sadio, in verbis:

“Art 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

“Art. 220. Ao Sistema Único de Saúde compete, além de outras atribuições nos termos da lei:

VIII — colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o de trabalho.”

A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 154 e seguintes), por sua vez, estatui diversas disposições relativas à segurança e medicina do trabalho, tais como a obrigação de o empregador fornecer EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), de realizar exames médicos admissionais, demissionais e periódicos, de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, de fornecer local de trabalho adequado, de dotar as máquinas e equipamentos de dispositivos de partida e parada e outros que se izerem necessários para a prevenção de acidentes do trabalho, especialmente quanto ao risco de acionamento acidental, de prevenir a fadiga etc.

Disso resulta que, no aspecto preventivo, isto é, quando se está diante de situação fático-jurídica em que se possa exigir do empregador ou do

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empregado um determinado comportamento (obrigação de fazer ou de não fazer) com vistas à prevenção, redução ou eliminação dos riscos inerentes ao acidente do trabalho, exsurge a competência da Justiça do Trabalho para impor tal obrigação, ex vi do art. 114 da CF/88.

Numa palavra: se a causa de pedir decorrer da relação de emprego e o pedido tiver por objeto a preservação do meio ambiente de trabalho, estando aí implícita a prevenção do acidente (higiene, segurança e saúde do trabalhador), competente será a Justiça Especializada (CF, art. 114 combinado com os arts. 7º, XXII, 200, VIII e 225). Caso o acidente já tenha ocorrido, e o litígio tiver por objeto indenizações de natureza civil, criminal ou responsabilização administrativa, a competência será da Justiça Comum Estadual (CF, arts. 109, I, e 7º, XXVIII; CLT, art. 643, § 2º e Súmula n. 15 do STJ).

3. Caracterização do acidente do trabalho
3.1. Causa Direta

É a prevista no art. 19 da Lei n. 8.213/91, segundo o qual, acidente do trabalho “é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 da Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.

3.2. Causa indireta

A lei em estudo equipara ao acidente do trabalho (art. 21, incisos II a
IV): a) o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, proveniente de: I — ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por companheiro de trabalho ou terceiros; II — ofensa física intencional, inclusive de terceiros, em razão de disputa relacionada com o trabalho; III — ato de imprudência, negligência ou imperícia, de companheiro de trabalho ou de terceiros; IV — ato de pessoa privada do uso da razão; V — desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; b) a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; c) o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho: I — na execução

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de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; II — na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; III — em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo, quando inanciado por esta dentro de seus planos de melhor capacitação da mão de obra; IV — no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive de veículo de propriedade do segurado (acidente in itinere).

3.3. Concausa

O art. 21, inciso I, da Lei de Benefícios, trata da concausalidade, isto é, introduz uma exceção à regra de causa e efeito (trabalho e acidente) ao equiparar ao acidente de trabalho “o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para a redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação”.

Nei Frederico Cano Martins, parafraseando Odonel Urbano Gonçalves, salienta que: “No exame da concausalidade estudam-se fatos ou circunstâncias que se somam à causa, do que resulta o evento inal: morte, perda ou redução da capacidade para o trabalho. Ou lesão que exija atenção médica para a recuperação do trabalhador. Ocorrido um acidente do trabalho (conigurado pelo tríplice nexo: trabalho acidente, acidente- -lesão, lesão-incapacidade), como, por exemplo, a quebra de uma perna, é possível que, no transporte do trabalhador para o hospital, haja circunstância que provoque sua morte (acidente de trânsito). Este segundo fato, embora não seja a causa única, contribui para o evento inal. Ou seja, a morte do trabalhador. A lei, nessa situação, considera esse segundo e último fato como componente do conceito de acidente do trabalho (reparando-o, portanto). É a denominada concausalidade, que pode ser (e geralmente o é) superveniente à causa (como no exemplo acima). Ou anteveniente, como, por exemplo, trabalhador que tem lesão cardíaca congênita e, em face da causa acidentária (esforço excessivo ou traumatismos), vem a sofrer a morte por problemas cardíacos”72.

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3.4. Doença proissional

O art. 20 da multicitada norma legal considera, também, acidente do trabalho as seguintes entidades mórbidas: a) doença proissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelos Ministérios do Trabalho e da Previdência Social; b) doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada na alínea anterior.

3.4.1. Excludentes

Não são consideradas como doença do trabalho (art. 20...

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